30 de agosto de 1999

É mole que hoje eu acordei às cinco da manhã? Foi o seguinte. Eu costumo dormir de Walk Man na orelha, ouvindo música. Eu sempre falo pra eles deixarem que eu me viro, que não tem problema em eu dormir com ele, mas mesmo assim eles sempre vão tentar tirá-lo de mim no meio da noite. Essa madrugada eu estava dormindo quando senti algo caindo no meu ombro. Acordei assustado, quer dizer, não acordei não é bem o verbo certo, pois eu estava mais pra lá do que pra cá.
- Que é isso? - perguntei sonolento pra minha mãe enquanto ela brigava com os fios que estavam por baixo da coberta.
- Eu tô tentando desligar seu walk man. - respondeu ela.
- Não, deixa ele aí, eu tô ouvindo.
Não era verdade, pois eu estava mais que dormindo, mas não queria que ficasse me enchendo por causa de uma coisa que não estava lhe atrapalhando.
- Também, quando acabar a pilha seu pai não vai comprar mais não, tá?
Ela disse isso em tom repreensivo, e eu fiquei revoltado por ter sido acordado às cinco da manhã para levar bronca por causa das pilhas do walk man. Virei pra ela e falei no mesmo tom que ela tinha me dado a bronca, mas meio rindo, porque não acreditava no que estava acontecendo.
- Mãe, me deixa dormir!
Ela saiu e eu pude ouvir ela reclamando com meu pai, dizendo que tinhamos comprado um monte de pilhas e essa minha mania de dormir ouvindo música tinha consumido todas em menos de um mês. Depois disso não consegui dormir mais. Meu pai se levantou e eu também. O problema na garganta tinha deixado minha garganta completamente seca e dolorida durante a noite e eu sentia meu nariz também completamente seco por dentro, por isso, levantei pra fazer inalação. Fiz e deitei novamente, e fiquei deitado até às sete e quinze, quando o relógio despertou e eu me levantei de vez.
Tomei café sossegado e fui fazer musculação. Não fiz direito, pois tá ruim de respirar, por isso fica difícil de fazer exercícios. Mas fiz um pouco. Depois fiquei lendo Durkheim.
Jonas, o cara que eu encontrei no ponto de ônibus aquele dia, me ligou, combinando horário para eu passar na casa dele, pois me daria uma carona. Combinamos meio dia. Almocei e fiquei assistindo um capítulo de Star Treck onde a tripulação começa a envelhecer rapidamente, mas não sei como acabou...
11:45 eu saí pra ir à casa do Jonas. Como não sabia exatamente onde ficava sua casa, dei a maior volta. A casa dele era no topo de uma subida fudida e eu saí no fim dela. Tive que subir a rua inteira, no sol, com uma mala pesada. Demorei meia hora pra chegar na faculdade, mas, mesmo assim, não acho legal ir de carona. Não gosto de ficar dependendo dos outros. Horário, compromisso, ficar devendo favor... não sei, mas talvez isso não dure muito.
Cheguei lá na faculdade e fiquei conversando com meus colegas. Contei sobre como foi a manifestação e discuti sobre a tendenciosidade da imprensa. Ficamos revoltados. É bem verdade que eu tive que inventar algumas coisas que eu nem vi lá, que fiquei sabendo pelos outros, pois, no fim, tudo de mais importante que aconteceu eu não vi, por ter saído com a Nívea. Quando eu estava conversando com meus amigos a japonesinha que trabalha na xerox ficou me olhando. Já há muito tempo brincam comigo à respeito, mas agora parece que tenho que dar razão a eles... sei lá, do jeito que as coisas andam...
Fui pra aula, que tava muito legal e o professor explicou que Rousseau disse que a vida natural do homem, na verdade dos hominídeos, que eram quase macacos, era só pra sustentar suas necessidades de comida, descanso e sexo. Eu virei para o lado e disse:
- Não é nada mais do que eu peço.
O pessoal riu da piada e eu cheguei à conclusão de que a humanidade é triste, por ser traumatizada por não ser macaco. Ó fardo...
No intervalo, Paulo chegou. Ele disse que tinha ido fazer umas coisas na Paulista e acabou encontrando Nívea. Tinham ido juntos à faculdade. Eu confesso que tive vontade de largar a aula e ir lá conversar com ela, mas raciocinei melhor e vi que não valia a pena... Ele disse que ficou conversando com ela sobre namoro e eu fique puto, porque ela está namorando. É horrível que ela tenha esse assunto para falar. Como eu sou egoísta... Não verdade, o fato de ela ter namorado, nos moldes do seu namoro, não me impede em nada, mas, talvez nem que ela não tivesse namorado ela ia querer ficar comigo. É uma merda. Ele perguntou se a outra Nívea, uma amigona nossa, muito linda, tinha faltado. Eu disse que sim. Voltei pra aula.
Continuou sendo muito, muito legal a explicação do professor sobre o pensamento roussoneano. No finzinho da aula, antes de me dar um ataque de tosse que me colocou pra fora da classe cinco minutos antes das considerações finais do professor, aconteceu uma coisa filosófica, que eu tenho que deixar registrado. Tinha um velhinho na nossa classe, pois existe uma cota que garante vaga para alunos da terceira idade. Ele estava sentado logo ao meu lado, um pouco à frente, de modo que eu podia olhar pra ele sem ele me ver. De repente, ele começou a olhar a agenda, mas de trás para a frente. Do último dia, ele foi voltando, até chegar no primeiro. Eu fiquei pensando, ele, velho, olhando as datas voltando... sacou? Eu novo, o tempo correndo pra frente, sem jeito de voltar no tempo como fazia o velhinho com sua agenda... Foi só uma viagem que passou pela minha cabeça, não sei se eu me faria entender por alguém, mas me ocorreu e eu tinha que registrar.
Saí e fui procurar o Paulo. Ele estava na biblioteca. No caminho encontrei com Ana, amiga da Nívea. Ela me chamou pra ficar conversando com ela no centro acadêmico e eu disse que iria, logo após falar com Paulo. Subi até o andar superior da biblioteca e lá estava ele. Nívea estava com uma amiga que eu não conheço, na mesa ao lado. Cumprimentei todos e sugeri ao Paulo que saísse para ficarmos conversando até dar minha hora de ir embora. Eu tenho que ficar lá até às sete e meia, pois é o melhor horário de pegar ônibus sem trânsito. Ele disse que estava acabando o trabalho e já sairia. Eu também tinha que fazer aquele trabalho, por isso fui pegar meu livro e fiquei lendo lá, também, até ele acabar. Depois descemos.
Ele queria achar um livro e foi até o computador fazer uma consulta. Era pela internet e, em determinada hora, o site demorou demais para carregar. Eu disse para ele clicar novamente. Disse isso, pois às vezes quando acontece isso em casa eu fico clicando sobre o item pedido e a página seguinte aparece mais rápido. Por pura teimosia ele disse que não. Já há tempos eu venho notando uma teimosia chata por parte dele. Não que por causa disso atrapalhe alguma coisa minha, mas é uma teimosia muito insistente. Não sei se já me referi em alguma página à sua dificuldade em dizer que está errado. Pois é, ele é assim e não aceita opinião dos outros. Da boca pra fora ele diz que aceita, mas na hora, faz o contrário só pra não falar que fez o que os outros falaram. Ele deve achar que isso é se mostrar de opinião forte. Sei lá, eu nunca falei nada, pois achava chato, ele é meu amigo e eu achava que tinha que aceitar, mas agora eu cansei. Tá, eu concordo que esse fato em especial foi banal, mas foi ele somado à uma série de outros que me levaram a tomar tal atitude. Ele encontrou o livro e foi procurar na prateleira. Eu procurei um pouco e encontrei, mas ele não. Agora eu não me lembro se foi por causa da não aceitação de minha sugestão na internet, ou por outro motivo, mas eu disse pra ele que por causa disso eu iria deixá-lo procurar o livro, não ia mostrar onde estava. Ele virou e disse:
- Ah, vá, pega!
Eu olhei e falei:
- Há! Olha o jeito que ele fala, não vou pegar nada, procura.
- Ah, deixa de frescura, vai. Pega o livro.
- Tá, pede por favor.
Ele saiu sem pegar o livro.
- Afe, você prefere ser mal educado do que conseguir o livro que você quer? - perguntei, rindo, mas com um fundo de verdade.
- Depois eu venho e pego.
Ele discutiu um pouco comigo, nada de mais, e fico por essas mesmo. Fomos até a lanchonete, e depois, no centro acadêmico conversar com as meninas. Entrei e, logo após, chegou Laura. Ela me abraçou e Nívea disse, rindo:
- Hei, que intimidades são essa com o Luiz, heim?
- Ele é meu amigo. - respondeu Laura, em tom irônico. Mas só para dar a entender a brincadeira, pois ela até está gostando de um cara na faculdade. Aliás, um amor platônico, que não condiz mais com a nossa idade... mas não vem ao caso.
- Olha como ele está boyzinho, esse Luiz.
Foi Nívea que disse isso, se referindo ao fato de eu estar com gel no topete e vestindo uma camisa pólo.
- Você se prende muito à imagem, o que vale é o que está por dentro da pessoa. - respondi com ar intelectual.
- Você acha?
- Acho. Aliás, antes que eu me esqueça, eu vou provar pra você que você não é exceção, não senhora, viu, dona Nívea? - disse eu em tom ameaçador, me referindo ao fato de ela falar que uma crônica minha, que eu já devo até ter comentado antes, estar errada em relação ao que as mulheres querem dos homens. Ela se garantiu exceção à minha regra e eu posso provar que não é. Ficou acertado de levarmos meu texto amanhã na faculdade para discutirmos com armas na mão. Uma nota pessoal engraçada. Quer dizer, não tem nada de engraçada, mas de curiosa: Quando eu estou gostando de alguém que eu acho que não vai dar certo, eu começo a tratar meio que mal... que droga. Eu não fico estúpido, nem violento, mas fico pegando no pé da pessoa. Eu acho que por palavras não vou conseguir me fazer entender, por isso não vou me aventurar a cavar minha própria sepultura... só pelo que comecei a dizer já teria pensado horrores a respeito de mim mesmo, caso eu não me conhecesse. Voltando.
Ficamos conversando um pouco, Nívea, Ana, Paulo e aquela menina que estava na biblioteca, numa roda. Eu, Laura e uma menina que estuda à noite, na outra. O assunto acabou e eu fiquei meio deslocado. Até a menina da noite saiu da nossa roda. Ficou muito desagradável, mas, definitivamente, não era meu dia de papo. Nessa hora Paulo começou a conversar com a gente e foi então que Laura contou sobre seu amor platônico e Paulo e eu sugerimos que ela deixe de platonismo e agarre logo o cara. Ela disse que só fez isso uma vez e estava travada de bêbada.
Paulo e eu saímos um pouco do centro acadêmico, pois o assunto já estava estritamente contido na rodinha de meninas, mas não ficamos muito tempo lá fora. Entramos e ele encontrou uma amiga e eu voltei para o CEUPES (que é o centro acadêmico). Novamente não consegui me enturmar e fui conversar com outros amigos meus. Nisso, chegou Aretha. Ela me cumprimentou e depois em convidou para um Sarau que ela vai fazer na sua casa. Coisa de riquinho, sabe como é. Muito dinheiro pra gastar e pra não ter que limpar o rabo com nota de cem, gasta dando festa.
- Mas é o seguinte, eu não danço, não represento, não canto e não sapateio. Não vou fazer nada nesse Sarau. - disse eu.
- Como não, você canta, ué. Por isso tô te chamando.
Eu olhei para o Paulo e disse:
- É verdade, eu canto, mas comer eu não como ninguém.
Nós rimos e ela continuou, mas depois disse que não precisava apresentar nada, só quem quisesse. Eu fiz uma brincadeira e disse:
- Ele faz poesias. - me referindo ao Paulo que nunca escreveu nem uma linha que rimasse com outra na vida.
- Faço nada, ele tá brincando. - se defendeu, rindo.
- Aí, então, você faz a poesia, meu amigo a música e ele canta. - disse Nívea.
- Ah, então eu faço poesia, ele vai cantar? Pode deixar comigo. - e deu uma gargalhada.
- Me ferrei. - disse eu, rindo, mas fazendo cara de contrariado.
Aliás, eu espero que quem ler isso, se é que tem alguém, seja expert em decifrar e imaginar "caras", pois não dá pra expressar de outra forma que não essa.
Eu comecei a falar, não sei o que, com Aretha e um amigo dela chegou e a tirou da roda. Mais uma vez fiquei falando sozinho. Eu olhei para o Paulo, que já esboçava uma risadinha e ri também. E comecei a falar com ela. Quando ela voltou para a roda, fiquei um tempo deixando ela me chamar enquanto eu falava com o Paulo, sobre uma coisa que eu já tinha falado antes, mas era só pra deixar ela falando com o vento também.
Durante a conversa aconteceu outra coisa que eu falei novamente para o Paulo que ele não sabia admitir que estava errado. A merda é que agora eu não lembro o que era, mas então ele virou e disse: "o Luiz tá de chico hoje, viu!". Engraçado como são as pessoas. Não é a primeira vez que acontece e nem a primeira pessoa. Quando a gente aceita todos os defeitos que a pessoa tem, mesmo que incomode um pouco a gente, somos legais, quando resolvemos falar, para ver se se consegue dar um jeito, somos chatos, implicantes, rabujentos... interessante, viu?
No final Paulo subiu para a sala e eu fiquei conversando com Aretha. Nem lembro sobre o que. Chegaram uns amigos meus que estão fazendo francês e começaram a conversar comigo, mas nem cumprimentaram-na. Eu não achei nada de mais, pois ela nem tem amizade com eles. Aliás, ela não tem amizade com ninguém que eu conheço, mas, mesmo assim, ela me disse:
- Seus amigos dormiram comigo? Nem me cumprimentaram.
Eu ri e disse:
- Não sei, sei lá o que você andou fazendo. Você ficou um mês fora, quem sabe... vai ver que você dormiu com eles e eu não sei.
Ela me deu um tapa no braço e disse:
- Olha o que você fala de mim! Parece que você não me conhece.
Eu ri e disse que estava brincando, mas disse:
- Bom, na verdade eu não te conheço. Você também não me conhece. Ninguém conhece ninguém.
- Que filosófico.
- Pois é.
Então chegou Laura, conversamos mais uns dois minutos e deu minha hora de ir e a hora de elas irem para a aula.
Vim estudando o livro do auto-escola no ônibus mas só uma lida para referência mnemônica, para quando eu tiver que memorizar. No ônibus vindo para casa, subiu uma menina que desafiou todos os meus padrões estabelecidos. Ela não era bonita, era uma deusa... uma bonequinha, uma princesinha, daqueles tipos, não sei se você me entende, mas daqueles tipos que ao mesmo tempo em que você imagina as maiores loucuras sexuais, fica com só, pois tem medo de machucá-la. Ela era o perfeito retrato da mulher que eu idealizo, mas ficou nisso. Eu até olhava para ela, mas sua beleza me constrangia. Eu pensei "já pensou se eu puxar assunto com ela? Que loco seria?". Mas como eu ia fazer isso sem nem uma olhadela de afinidade? Sem chance. Na hora de descer até olhei para ver se ela me acompanhava com os olhos, mas não... é assim mesmo, normal.
Em casa eu falei com minha mãe sobre ela ter me acordado às cinco e discutimos um pouquinho, mas nada de mais.
O dia já acabou. Chega. Tenho que dormir. Meu primo respondeu o e-mail, mas dessa vez não tem nada de interessante, só um "quem sabe da próxima vez que você vier aqui, dependendo de como a Clara estiver com aquele Zé Mané, as coisas não dão certo para vocês". É o que me pergunto... quem sabe?


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