ENTREVISTA: GOULART GOMES
BALACOBACO
Caderno Especial
Número 13
Planeta Terra
Rio de Janeiro
(21.06.98)
A Voz do Pórtico
GOULART GOMES, baiano, 33 anos, é um dos fundadores e atual
presidente do Grupo Cultural Pórtico (segunda gestão).
Formado em Administração de Empresas (UCSAL), trabalha em
assessoria de comunicação. Publicou os livros de poesias
ANDA LUZ (87), TODO DESEJO (90), SOB A PELE (94), A GREVE
GERAL, teatro, (97), além de três livretos (cordel e hai-
kais). Além disso, integrou 19 antologias (5
internacionais), tem 22 prêmios literários e publicações em
diversos periódicos do Brasil e do exterior. Como editor,
foi o responsável pela publicação de 30 livros sob o selo
editorial alternativo do Pórtico, tendo prefaciado-
apresentado 13 livros de diversos autores.
Balacobaco - Quando descobriu-se escritor?
Goulart Gomes - Acredito que somente quando tive meus
primeiros poemas publicados numa antologia internacional,
resultante de um concurso literário. Na infância eu gostava
de escrever minicontos; infelizmente nenhum deles
"sobreviveu"... acabei perdendo (ou destruindo, não lembro)
o caderno que os continha. "Depois veio a adolescência / E
pintou a diferença", como diria Lulu Santos. Foi a época das
primeiras paixões e das primeiras poesias. Nunca mais
abandonei o vício de ambas.
Balacobaco - Qual o primeiro livro que leu?
GG - Que me recorde, a peça DEUS LHE PAGUE, de Joraci
Camargo.
Balacobaco - Quais os livros que influenciaram a sua
formação?
GG - Comecei a escrever poesias muito influenciado por
Castro Alves. Demorou um bocado para que eu descobrisse a
Poesia Moderna, o que deu uma guinada e marcou o verdadeiro
início do que posso chamar de "minha obra".
Balacobaco - Com que se inspira para escrever? Como é o seu
processo criativo?
GG - Minha poesia é essencialmente imagética. As coisas, os
objetos, as pessoas, os fatos, tudo que possa afetar os
sentidos (inclusive belas formas femininas), são a base do
que eu faço. Como a pintura impressionista procurava flagrar
o instante, eu procuro traduzir em palavras estes mesmos
instantes: "sou um ladrão de cutículas / redentor de
movimentos / coleciono momentos / em pequeninas partículas
(Algaravia, GG)". Meu novo livro alia a isto regionalismos
nordestinos e a linguagem urbana, tecnológica, globalizada,
internáutica.
Balacobaco - Qual o melhor caderno cultural entre os jornais
brasileiros? Por que?
GG - Gosto muito do Mais!, da Ilustrada e outros cadernos
especiais da Folha de São Paulo, apesar de que ainda percebo
muita resistência neles para a divulgação de novos autores.
Aqui na Bahia, o A Tarde Cultural também é muito
representativo e mais "democrático".
Balacobaco - Quem é o escritor brasileiro? Como fazer para
viver de literatura?
GG - O escritor brasileiro é um sujeito obstinado, assim que
nem o CAlex, que faz do ofício um vício. Viver de
literatura? Nem pensar! Eu "ralo" dez horas por dia numa
assessoria de comunicação para ganhar meu pão. Para mim, escrever é um hobby, que se vier a ser lucrativo, melhor
ainda. Ao final das contas, o que conta mesmo é o prazer.
Balacobaco - Como você vê a pós-modernidade?
GG - A Semana de 22 quebrou tabus, mudou paradigmas. É como
se eu ouvisse Raul Seixas dizendo "faze o que tu queres,
pois é tudo da lei". Esta foi a grande sacada daquela turma.
De lá para cá, a criatividade e o talento libertaram-se das
algemas das normas, da literatura de escritório. Hoje há
espaço para tudo e para todos. Não precisamos mais negar o
antigo para afirmar o novo.
Balacobaco - Como vê a informática na literatura? O livro
vai acabar? Qual o futuro da literatura?
GG - A informática faz muita diferença. Ela trouxe, para o
escritor, uma miríade de possibilidades, influenciando a
consecução de trabalhos de autores tão díspares quanto
Soares Feitosa (CE) (ver o livro "Psi, a Penúltima") e os
concretistas, pós e neos, visualistas, etc. (como Hugo
Pontes (MG) e Almandrade (BA)). O livro vai acabar, sim...
daqui a alguns centenas de anos. Mas isto não acabará com a
literatura, assim como a televisão não acabou com o cinema.
A forma certamente irá mudar, mas a essência da arte, como
expressão do ser humano, permanecerá. Quer uma prova?
Deixamos de escrever nas paredes das cavernas, dos
monumentos, nos pergaminhos, nos tijolos... mas não deixamos
de nos expressar.
Balacobaco -: O que pensa de Drummond, Cabral, Geração de
45?
GG - Identifico-me mais com a Geração de 30, com os
regionalistas nordestinos, sem querer dar uma de
"bairrista", apesar de ter uma grande admiração por Ferreira
Gullar, com quem tive o prazer de bater um bom papo. Mas
João Cabral, Lins do Rego, Graciliano, Guimarães Rosa,
Rachel de Queiroz, Mário Palmério, José Cândido, Jorge Amado
e outros, popularizaram um Brasil esquecido, longe do Sul
Maravilha: o Brasil que o Brasil esqueceu. Problemas, como o
da seca, foram evidenciados. Problemas que continuam até
hoje e não serão resolvidos com cestas básicas e frentes
temporárias de trabalho em períodos pré-eleitorais. Luiz
Gonzaga cantava: "mas doutor, uma esmola / para um homem que
é são / ou lhe mata de vergonha / ou vicia o cidadão". Só
falta vontade política. Já o Drummond, aprecio demais como
homem, não tanto como poeta. Sua poesia é muito intimista,
depressiva, apesar de universalista. Ele é melancólico e os
melancólicos não combinam.
Balacobaco - Qual o poeta predileto (brasileiro e
estrangeiro)?
GG - Manoel de Barros, João Cabral, Caetano Veloso, Chico
Buarque e Gilberto Gil (não se assustem); no exterior,
Fernando Pessoa, Whitman, Cummings, entre outros.
Balacobaco - O que pensa da polêmica poesia x letra de
música?
GG - É uma discussão feroz. Depende do que se queira
conceber por poesia. Há poesia na pintura, na escultura, na
matemática, na música, também. Para mim a receita é simples:
tire a melodia, se sobrar algo de bom, é poesia.
Balacobaco - Por que é tão difícil publicar e vender poesia
no Brasil?
GG - Eu sou daqueles que acham que poesia não presta para
nada. As telas decoram as paredes; os romances viram
telenovelas ou filmes; os textos dramáticos, peças de
teatro; a música, CDs, shows. E a poesia? Alimento de
traças. A poesia é inútil... mas indispensável para quem a
ama.
Balacobaco - Teve muita dificuldade para editar o primeiro
livro? Qual o livro mais bem escrito que escreveu?
GG - Todos os meus livros publicados foram por mim custeados
(alguns até com ajuda de amigos). Considero meu melhor
trabalho já publicado o livro de poesias SOB A PELE. Os
melhores poemas nele publicados estão em minha homepage
(http://www.geocities.com/Paris/Bistro/6961). Contudo, ele
representa uma realidade que já não é a atual. Meu novo
livro está anos-luz à frente dele. Disponibilizei, em meu
site, também, "A Última Cruzada", um livro de poesias
virtual, que não será impresso.
Balacobaco - Há algum livro seu que não deu certo?
GG - Todos deram certo, se considerarmos a importância de
cada obra que fazemos.
Balacobaco - Qual o seu livro mais recente? Fale um pouco
dele.
GG - Tenho um livro de poesias novo, que estou mantendo
inédito. Como falei anteriormente, é uma proposta nova, que
procura brincar com nossas "linguagens", nossa língua
brasileira. É uma proposta diferente, inovadora. Além disso,
estou concluindo um pequeno romance esotérico.
Balacobaco - Há sempre a briga editora x escritor? O que
querem as editoras?
GG - Eu não diria "briga". As editoras não são entidades
filantrópicas, são sociedades comerciais e precisam ganhar
dinheiro. Publicar livros é um negócio de alto risco. As
editoras precisam lançar "sucessos", reais ou "fabricados".
É preciso lembrar que por trás de qualquer produto tem de
haver muito marketing. Ratinho, Paulo Coelho, Lair Ribeiro
são grandes exemplos disso, sem querer questionar o mérito
de qualquer um deles. Mas, para vender muito não é
necessário ser um grande escritor, basta ter uma excelente
assessoria de propaganda. É mais difícil sair da lista dos
DEZ MAIS VENDIDOS que entrar nela. Por que será?
Balacobaco - Você, mesmo com sucesso do site, tem alguma
dificuldade de cumprir normas estabelecidas?
GG - Se as normas não pudessem ser quebradas ainda
estaríamos vivendo em clãs. O bom senso, o respeito e a
honestidade é que devem nortear todas as relações humanas.
Balacobaco - Como é manter um site e um projeto como o
Pórtico? Fale sobre. Quais são as principais dificuldades
que enfrenta? Como é a relação da comunidade com o Pórtico?
GG - Bem, além de mim tem muito mais gente trabalhando para
que o Pórtico aconteça: Júlio de Andrade, Lino Chamusca,
Rose Rosas, Argemiro Garcia, Djalma Filho e João Sampaio são
os outros diretores do Pórtico. Mas em todos os projetos que
realizamos contamos com a colaboração dos participantes. Em
três anos de existência, publicamos 30 livros de novos
autores, incluindo duas antologias internacionais e
realizamos uma série de outros eventos culturais (ver nosso
site: http://www.geocities.com/Athens/Agora/3382), sempre de
forma cooperativada. Como o Pórtico não tem fins lucrativos
e vive sempre com "caixa zero", a maior dificuldade é mesmo
a financeira. Neste ano estamos começando a buscar
patrocínios da iniciativa privada, utilizando leis de
incentivo à cultura, mas não está fácil. Alguém aí pode
ajudar? Junto à comunidade temos obtido uma credibilidade
cada vez maior, devido à seriedade com a qual procuramos
conduzir nossas ações.
Balacobaco - Falando em Tchan. Em que o Tchan da Carla Perez
prejudica a cultura nordestina?
GG: Carla Perez é maravilhosa! Só não sei porquê insistem em
fazer entrevistas com ela. Carla é uma dançarina,
profissional naquilo que faz. Ela não é a primeira e não
será a última por seduzir com seus dotes físicos. Já
esqueceram de Luz del Fuego, Virgínia Lane, Gretchen e
tantas outras? Nós é que atrapalhamos tudo: entretenimento
não é cultura. "Só é possível filosofar em alemão", como diz
Caetano. Quer pensar? Vai ouvir Chico (Buarque, Cezar,
Science), Gabriel, o Pensador, Renato Russo. Axé-music é
para ouvir e dançar, não agrega nenhum valor. A verdadeira
cultura nordestina está longe dos CDs, da grande mídia, do
horário nobre da TV, que gasta meia hora com os romances de
uma macaca no zoológico. A cultura nordestina está nos
livros.
Balacobaco - Quais os problemas de divulgação entre o sul
maravilha e o nordeste?
GG - Não gosto de fazer distinções entre sul e norte. Isto
já deu uma Guerra de Secessão! Amo o meu país do jeito que
ele é, com todas as suas diferenças. Gaúcho, baiano,
carioca, pantaneiro, nortista, para mim é tudo igual. Todo o
país reverencia a cultura baiana. Na literatura, através de
Jorge Amado e João Ubaldo; nas artes plásticas, com Carybé,
Calazans, Tato, Mário Cravo, Carlos Bastos; na música, com a
Bossa Nova, os Doces Bárbaros, os Novos Baianos, a turma do
Axé; na dramaturgia, com Dias Gomes; na fotografiam com
Verger; no cinema, com Glauber; na poesia, com Castro Alves
e, contemporaneamente, com Ruy Espinheira, finalista do
Prêmio Nestlé. A lista é inumerável. Não podemos nos
queixar. O que importa é fazer bem feito.
Balacobaco - Como podemos definir o poeta nordestino?
GG - Não me prendo a definições. Poeta e lágrima é igual em
qualquer lugar do mundo.
Balacobaco - O que fazer para tirar o poeta nordestino da toca?
GG - Concedendo a ele uma entrevista no Balacobaco
:):):)(TAMOS AQUI PRA ISSO) O poeta nordestino está fora da
toca... o mato é que está muito alto.
Balacobaco - A polarização Rio e São Paulo é prejudicial a
cultura brasileira?
GG - De jeito nenhum. Continuamos todos pobres, criativos e
felizes.
Balacobaco - O que reivindicam os nordestinos?
GG: Água!
Balacobaco - Rimbaud escreveu até os vinte anos, acabou a
época dos jovens gênios?
GG - Cora Coralina "apareceu" já idosa, apesar de escrever
desde jovem. Quem garante que não temos, hoje mesmo,
inúmeros gênios aos vinte anos. Que fez Rimbaud após os 20
anos? Não é importante ser apenas um jovem gênio, mas também
um adulto gênio, um velho gênio. Rimbaud teve o apoio de
Verlaine. A questão é mais de oportunidades ao novo autor, o
que nós, do Pórtico, procuramos oferecer.
Balacobaco - Você teve que vencer alguma barreira para
tornar-se escritor?
GG - Só a da linguagem.
Balacobaco - Qual a principal característica que deve ter um
bom escritor?
GG - Estilo, originalidade. Saber contar as coisa de forma
única, pessoal, diferente.
Balacobaco - Caso conselho fosse bom ia-se cobrar, mas
esquecendo-se do ditado, qual o conselho que você daria para
quem está começando?
GG - Ler três vezes CARTAS A UM JOVEM POETA, de Rainer Maria
Railke (edição com introdução de Cecília Meireles)e ,
depois, O FEIJÃO E O SONHO, de Orígenes Lessa.
Balacobaco - Qual o papel do escritor na sociedade?
GG - Traduzir o Universo, reinventar o Belo. Formar
opiniões, denunciar, despertar emoções, divertir, transmitir
conhecimento. Para o escritor, até papel reciclado serve.
Balacobaco - Que perguntas gostaria de fazer e ninguém ainda
fez?
GG - " Foi bom pra você?" Balacobaco - Estando bom para
ambas as partes... Para encerrar, gostaria de convidar quem
desejar fazer críticas, comentários ou continuar este bate-
papo a enviar um e-mail para: goulartgomes@hotmail.com .
Brigaduuuuuu! --
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Editor: Rodrigo de Souza Leão ICQ. 1932822
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