INTRODUÇÃO
O tema que estamos começando a discutir concerne a uma combinação
de tópicos que é muito rara. Os tópicos são
a união de mahamudra e mahasandhi quando aplicadas à prática
conhecida como meditação shamatha ou quiescência. Estas
instruções piedosas foram condensadas em um manual que foi
escrito por S.S. Dudjom Rinpoche, um dos maiores eruditos budistas de todos
os tempos. Devido a sua grande erudição, ele teve a habilidade
única de condensar este tipo de material em instruções
práticas, abrangentes e curtas, que são tão diretas
quanto profundas. Parece apropriado oferecer este ensinamento a vocês,
neste momento, e, por favor, compreendam de que se trata de algo muito
precioso e raro.
Apesar deste tema ser a essência do pináculo do caminho
budista, é importante entender que precisa ser precedido por uma
base. Você não pode esperar atingir algo tão profundo
se não tiver uma base ou uma fundação. É necessário
que haja um caminho de entrada antes de você poder penetrar em uma
construção; antes de chegar ao ponto mais elevado você
terá que pisar sobre os degraus precedentes.
A FUNDAÇÃO
Um dos pontos principais de contemplação ao estabelecer
a fundação é a consideração da nossa
condição enquanto seres sensoriais existindo em uma roda
de nascimento e morte. Este estado de existência cíclica que
vocês estão enquanto seres humanos é apenas uma das
seis classes de existência. Apesar de serem incapazes de perceber
os reinos mais elevados dos deuses, vocês podem ver o reino dos animais
como uma parte integrante de nosso próprio reino humano. Vocês
podem ver claramente como os animais passam por sofrimentos devido à
suas várias limitações e ao tratamento que lhe é
imposto pelos seres humanos. Os seres humanos em conjunto têm que
suportar os quatro grandes rios de nascimento, doença, envelhecimento
e morte. Talvez seja mesmo difícil acreditar em outros âmbitos
de existência. Enquanto budistas, devemos confiar nas palavras do
Iluminado, o próprio Senhor Buda, que, tendo por base seu próprio
despertar, proferiu seu primeiro discurso sobre o tema das quatro nobres
verdades baseado em sua própria experiência e sabedoria onisciente.
Uma vez que a condição da existência cíclica
é por natureza a do sofrimento, em qualquer dos seis reinos em que
vocês nasçam, inevitavelmente experimentarão sofrimento
em lugar de felicidade.
Os diferentes estados de renascimento e circunstâncias que os
seres nas seis classes experimentam são totalmente dependentes das
acumulações cármicas, a lei infalível de causa
e efeito. As ações do passado produzem como resultado a definição
do futuro local de renascimento e as circunstâncias associadas a
ele. Falando de modo geral, a causa do renascimento nos dois reinos dos
deuses é a acumulação de carma negativo motivado por
orgulho, arrogância, inveja, ou agressão. Por causa disso,
circunstâncias do renascimento são a guerra constante, competitividade
e, no caso dos deuses de longa vida, uma vida cheia de felicidades e prazeres
até que o carma seja exaurido. Sete dias antes dos deuses passarem
deste âmbito, eles percebem seu futuro local de renascimento, nos
reinos inferiores. Neste momento eles já não têm mais
poder para reverter seu carma porque o seu tempo como deuses terminou e
um novo mérito não foi acumulado. À medida em que
tudo a sua volta começa a murchar e morrer, eles sofrem tremendamente
porque consumiram todo seu bom carma ao ponto de não terem o suficiente
para tal tipo de renascimento novamente. Como seres humanos, vocês
sofrem no momento do nascimento, quando estão doentes, quando envelhecem
e, é claro, no momento da morte. Os animais sofrem agressões
e maus tratos e das necessidades para sua sobrevivência. Os espíritos
famintos sofrem intensa sede e fome, os seres dos infernos de intenso calor
e frio.
Entre os seres dessas seis classes de renascimento, aqueles no âmbito
humano experenciam a menor quantidade de sofrimento. Entretanto, os seres
humanos, para realmente serem capazes de praticar o Darma, precisam nascer
com liberdades e dotes. Apenas possuir um corpo humano não é
suficiente - você precisa de um nascimento humano precioso. Você
precisa ter os dotes e liberdades, tais como os seus sentidos intactos
e o nascimento em um país onde você possa ouvir o Darma, onde
possa realmente praticar, onde possa encontrar com professores espirituais
compassivos, e assim por diante. É essencial que você tenha
estas liberdades; de outra forma não surgirá a oportunidade
para atingir a liberação da existência cíclica.
Com essas liberdades e dotes, vocês estão em uma posição
de atingir a liberdade ou a felicidade permanente e derradeira neste mesmo
corpo, nesta mesma vida. Por outro lado, se você usar de forma incorreta
tal oportunidade, por meio deste mesmo corpo você pode acumular carma
que produza o resultado do renascimento inferior.
Como é então que vocês devem seguir o caminho para
a liberdade final? Deve ser feito de acordo com o exemplo que o Buda Sakiamuni
deu a vocês. Reconhecendo sua preciosa oportunidade, este renascimento
humano precioso tão difícil de obter, vocês então
seguem o caminho como a primeira prioridade em suas vidas e atingem o resultado
que desejam realizar. Desta forma vocês se tornam como os grandes
bodisatvas ou mestres realizados, sejam homens ou mulheres, a quem vocês
admiram. De fato, eles não são diferentes de você.
A oportunidade que vocês têm neste exato momento é a
mesma oportunidade que eles tiveram. A diferença é que eles
praticaram o pleno potencial de sua oportunidade até atingirem a
meta final. Vocês não devem se ver como diferentes dos maiores
mestres ou bodisatvas do passado. Não há de fato qualquer
diferença. Eles foram seres humanos com um renascimento precioso
exatamente como vocês. Contemplar o sofrimento da existência
cíclica e o renascimento humano precioso que é tão
difícil de obter inspira a vocês para usufruírem esta
rara e preciosa oportunidade, ainda que seja a contemplação
da impermanência que verdadeiramente os motive para começar
imediatamente a praticar.
Uma vez que vocês não podem garantir quão longa
será sua vida, vocês não têm ideia de por quanto
tempo este nascimento humano precioso será seu. Devido ao fato de
que seus nascimentos na existência cíclica resultam de sua
acumulação cármica, vocês começam a compreender
que realizando este potencial, devem utilizá-lo imediatamente. Vocês
também começam a compreender que é extremamente difícil
sair de samsara sem alguém que os guie. Até este momento
vocês não tiveram sucesso em atingir a liberação
sem um guia. É muito importante que encontrem um professor espiritual
que seja qualificado e tenha o desejo de ajudá-los a atingir a liberdade.
De acordo com o budismo, o melhor guia espiritual é o Buda como
o professor, o Darma como o caminho, e a Sanga como os melhores companheiros
espirituais para ajudá-los a percorrer o caminho. Todas as escolas
de budismo tomam refúgio na Três Jóias como as fontes
externas de refúgio. À medida em que vocês vão
mais profundamente no caminho, o refúgio se torna mais interno.
De acordo com as escolas Hinaiana e Mahaiana, o refúgio é
sempre tomado no Buda, Darma e Sanga. Quando você entra no Vajraiana,
ou mantra secreto, ainda que o refúgio seja tomado no Buda, Darma
e Sanga, de acordo com o nível de entendimento da prática,
o refúgio é também tomado no Lama (professor espiritual),
no Yidam (deidade de meditação) e na Dakini (princípio
feminino de consciência iluminada).
À medida em que a compreensão desse refúgio interno
se aprofunda (de acordo com a prática de Maha Yoga), o refúgio
é então tomado em nossos canais, energias vitais e fluídos
essenciais (de acordo com o tantra mãe Anu Yoga). Na medida em que
este processo se aprofunda e se torna mais interno (de acordo com o Ati
Yoga ou o veículo da Grande Perfeição), o refúgio
é tomado diretamente em sua essência da mente, que é
vazia; em sua natureza que é radiantemente luminosa; e em sua qualidade,
que é compassiva sem qualquer obstrução.
Porque estes diferentes aspectos de tomar refúgio são
necessários? Porque trata-se de um desenvolvimento que se dá
naturalmente. Na medida em que a visão de nossa própria natureza
como um buda se aprofunda, nossas qualidades mais internas surgem espontaneamente,
como uma criança que cresce. Quando você entra no caminho
espiritual, no início seu foco é mais externo. Isto é
natural porque enquanto iniciantes vocês devem se relacionar desta
forma. Gradualmente, quando começam a aprofundar, o foco torna-se
mais interno e menos ênfase é colocada nos objetos que existem
fora de nós. Inicialmente, os objetos são nossos guias e
então, lentamente, lentamente vocês começam a ver que,
de fato, é nossa natureza verdadeira o nosso guia. No início
você deseja emular seus guias, mas eventualmente você reconhece
que, de fato, é sua própria natureza. Passo a passo seu foco
move-se do externo ao interno à medida em que passa a entender que
as Três Jóias são os canais, energias e fluídos,
e, similarmente, os canais, energias e fluídos são a manifestação
da essência, natureza e qualidades da mente.
Muitas vezes a religião budista é vista como um caminho
de adoração de ídolos por causa do estilo forte da
expressão externa das fontes de refúgio. Tal devoção
é necessária enquanto houver a consciência dual. Devido
ao nosso hábito de dualidade e apego, é necessário
cultuar ou venerar nossos objetos de refúgio como externos a nós
mesmos. Particularmente, nas escolas budistas inferiores, é essencial.
Por exemplo, enquanto um feto, durante nove meses no ventre, você
está totalmente dependente de sua mãe e após nascer
está ainda dependente de sua mãe. Quando cresce e começa
a amadurecer, você torna-se dependente de seus professores e, eventualmente,
de você mesmo. O que você está fazendo é desenvolver
estas qualidades dentro de você mesmo. Você não pode
esperar que sua mãe ou seu professor cuidem de tudo por você
pelo resto de sua vida.
No caminho espiritual - o que se trilha internamente - apesar de parecer
inicialmente que há um foco externo, eventualmente você reconhece
que todas as qualidades devem surgir e ser desenvolvidas de dentro. Devido
à bondade de seus pais e à bondade de seus professores, você
é capaz de compreender seu próprio potencial. Quando isto
se aplica ao objetivo de liberação ou iluminação,
vocês devem reconhecer que a iluminação já é
sua própria natureza. É a verdadeira essência de sua
própria natureza, como o sol. Similarmente, a experiência
da existência cíclica ocorre devido à sua própria
percepção confusa e aflições mentais. A mente
que atingirá a iluminação é a mesma mente que
criou este estado de confusão. Todas as imagens dos budas, tankas
de deidades de meditação, todas as mandalas, estátuas,
e assim por diante são usadas como suporte através do qual
a verdadeira natureza da mente pode ser atingida.
Por exemplo, se você deseja cultivar um jardim de flores ou mesmo
uma única flor, você precisa ter água, solo apropriado
e fertilizante. Entretanto não é a água e o fertilizante
que produzem a flor; é a semente, a essência, que tem o potencial
de tornar-se uma flor. Da mesma forma, sua própria mente - a natureza
de sua mente - tem o potencial tanto de criar samsara, como fez, ou de
estabelecer a liberação, a liberdade total de toda dor e
sofrimento. Entretanto, ela precisa apoio. Da mesma forma que uma flor
precisa água e fertilizante, a mente necessita o apoio de um professor
espiritual e prática no caminho para manter-se em contato e vivenciar
sua natureza verdadeira.
Uma vez que a compreensão da liberação tenha sido
estabelecida, há dois métodos de aproximar-se dela.
Vocês podem aproximar-se de acordo com o caminho Hinaiana, através
do qual você deseja atingir a liberdade apenas para você mesmo,
ou de acordo com o caminho Mahaiana, no qual você deseja atingir
a liberação para propiciar a liberação de todos
os outros seres. Este último é, de fato, a melhor abordagem,
porque inclui todos os seres vivos. Até este momento seu foco tem
estado a desejar atingir apenas os seus próprios fins, sempre fazendo
coisas com a motivação de auto-interesse. Devido a isso,
vocês estão ainda em samsara, ainda sujeitos ao sofrimento,
ainda cheios de descontentamentos. Isto surge devido à preocupação
apenas com vocês mesmos. Os budas e bodisatvas abandonaram o conceito
de um eu e substituíram o auto-interesse pelo interesse pelos outros;
eles sempre focam o que podem fazer pelos outros. Sempre pensam, “o que
posso eu fazer pelos outros? O que posso fazer para servi-los?” Tendo isto
por força motivadora, a liberação da ligação
ao sofrimento é facilmente atingida. Este é um ponto muito
importante a considerar. Enquanto vocês discriminam e apegam-se a
si mesmos, vocês mantém-se em samsara; mas se puderem reverter
este foco e acalentar o trabalho para o benefício dos outros, este
é o caminho pelo qual a liberação é atingida.
Desenvolver o desejo de liberar ou iluminar todos os seres vivos é
o estágio inicial do desenvolvimento de bodicita, o despertar da
mente. Com tal desejo, você necessita desenvolver as qualidades incomensuráveis
de imparcialidade, amor, compaixão, e alegria e simpatia por todos
os seres e suas ações. Uma vez que estes quatro incomensuráveis
foram desenvolvidos, você está pronto para praticar bodicita,
engajando-se nas seis perfeições.
Esta foi uma breve abordagem do significado e importância das
contemplações preliminares, bem como dos aspectos básicos
de tomar refúgio e da geração de bodicita. Estas práticas
são pré-requisitos essenciais para a prática de quiescência
que é o tema principal de nossa abordagem.
QUIESCÊNCIA OU TRANQÜILIDADE
Qual é o benefício de repousar pacificamente, permitindo
que a mente permaneça estável, em um estado natural de imobilidade?
Até que você seja capaz de desenvolver a quiescência,
não será capaz de controlar ou suprimir os impulsos mentais
confusos. Eles continuarão a surgir e controlar a mente. A única
forma de lidar com eles e por um fim nisso é atingir a quiescência.
Uma vez que seja atingida, todas as outras qualidades espirituais surgirão
desta base, tais como conhecimento transcendental, clarividência,
a habilidade de ver a mente dos outros, recordar o passado, e assim por
diante. Estas são qualidades mundanas que surgem no caminho mas
são desenvolvidas apenas após a mente ser capaz de repousar
pacificamente. Qualidades tais como consciência aguçada e
clarividência precisam ser desenvolvidas, porque é através
delas que alguém se torna capaz de compreender e vivenciar a natureza
fundamental da mente. Como é dito no Bhodhicaryavatara, um dos mais
importantes textos mahaiana, “tendo desenvolvido entusiasmo desta forma,
eu concentro a minha mente; pois aquele cuja mente é desatenta,
está sujeito às aflições mentais”.
Um indivíduo que seja capaz de praticar quiescência não
mais será dominado pelo apego às atividades ordinárias
ou contato com pessoas mundanas. A mente automaticamente afasta-se do apego
e atração à existência cíclica, porque
a quiescência é a experiência de contentamento mental
e êxtase que é muito mais sublime do que as atrações
ordinárias que surgem da percepção confusa. Quando
a mente está em paz, pode ser dirigida para concentrar-se por períodos
indefinidos de tempo. A quiescência destroi a delusão porque
as aflições mentais não surgem quando alguém
esteja vivenciando a equanimidade da concentração unifocada.
As pessoas que atingiram a quiescência naturalmente experimentam
compaixão na medida em que se dão conta das condições
a que as outras pessoas estão submetidas. A compaixão pura
surge quando elas começam a perceber claramente a natureza da vacuidade
em todos os aspectos da realidade. Estas são apenas algumas das
qualidades ensinadas pelo Buda que resultam diretamente da vivência
da quiescência.
A quiescência é a preparação e base da prática
principal que é o cultivo da sabedoria primordial da intuição.
Estas duas formas de meditação são complementares.
O sucesso que uma tem em desenvolver a intuição está
em dependência do sucesso que se tenha em desenvolver a quiescência.
Se vocês forem capazes de desenvolver a quiescência somente
até certo grau, então sua experiência de intuição
será limitada. Entretanto, se vocês tiverem um sucesso completo
em desenvolver a quiescência, então também serão
capazes de desenvolver de forma perfeita a intuição. Isso
ocorrendo, é o mesmo que dizer que a iluminação completa
será atingida.
Agora, para atingir a quiescência, inicialmente você deveria
tentar praticar em um lugar que seja isolado, quieto e confortável.
É importante sentir-se confortável e contente no lugar que
você escolher para meditar. Após conseguir uma almofada confortável,
assuma uma postura bem reta. A postura de sete pontos do Buda Vairocana
é ideal. Assegure-se de que a espinha esteja ereta. Se está
sentando em uma posição de pernas cruzadas, então
a melhor posição é a de lótus completa. Se
for incapaz de sentar em lótus completo, então sente em uma
posição de pernas cruzadas e eleve seu assento um pouco de
tal forma que sua coluna fique ereta. Outra possibilidade é sentar
em uma cadeira com a coluna ereta. Mantendo sua coluna reta, incline um
pouco a sua cabeça e faça com que sua mirada se dê
por cima da ponta de seu nariz. Faça com que a ponta de sua língua
toque levemente o céu da boca, de forma natural de tal forma que
a boca nem fique fechada nem muito aberta. Os braços e mãos
devem cair pelo lado do corpo. Se estiver sentando com as pernas cruzadas,
as mãos podem ser colocadas a direita sobre a esquerda em seu colo.
Se estiver sobre uma cadeira, deixe-as pender naturalmente.
A posição do corpo ao sentar é muito importante,
do mesmo modo a posição da fala. Faça que a fala seja
o silêncio - sem falar, nem fazer ruídos, apenas a respiração
natural. Nada há a fazer que permanecer calmo e natural.
A posição da mente é evitar buscar eventos do
passado, antecipar eventos futuros, e controlar ou compelir o momento presente.
Apenas permita-se repousar em um estado natural e descomprimido. O que
quer que surja deixa-se aparecer sem quaisquer alterações
ou ajustes.
Métodos de prática –
“Permitir que sua mente repouse sobre o estado natural” é mais
fácil dito do que feito. A razão principal para isso é
porque, desde incontáveis vidas passadas até agora vocês
desenvolveram instintos habituais, impressões mentais que tornam
suas mentes caóticas e cheias de incontáveis variedades de
proliferações conceituais. Para atingir a paz, vocês
precisam empregar técnicas. Isto não significa que vocês
devam tentar controlar pensamentos por relembrar, antecipar ou alterar
a experiência. Mas, em lugar disso, no início vocês
deveriam tentar colocar a mente sobre um objeto, de tal forma que a mente
ganhe foco e se acalme. O uso de objetos sobre os quais se coloca a mente
corresponde aos três kaias. O primeiro passo é o método
nirmanakaia e é acompanhado pelo uso de uma imagem do Buda Sakiamuni
manifestando-se como o buda nirmanakaia (corporificação de
uma manifestação intencional). Uma imagem do Buda Sakiamuni
é colocada em frente, de tal forma que sua visão caia naturalmente
sobre ela.
O segundo passo é o método sambogakaia, praticado pelo
uso de uma imagem de Vajrasatva manifestando-se como o buda sambogakaia
(corporificação da completa felicidade). O terceiro passo,
o método darmakaia, é atingido visualizando uma imagem de
Vajradhara no centro do coração. Uma vez que a quiescência
seja atingida nesses três estágios, você está
pronto para começar a prática de quiescência sem qualquer
elaboração.
Se você não possui qualquer dessas imagens do Buda, a
prática ainda assim pode ser feita. Você pode usar uma pedra,
um pedaço de pau, uma flor, ou algo natural que seja encontrado
no ambiente e não tenha custo. Simplesmente pratique com o objeto
colocado diretamente a sua frente, como faria com as imagens. Idealmente
o objeto deveria ter em torno de quatro dedos de altura. A mente deve manter-se
unifocada sobre ele sem qualquer distração. Uma vez fitando
sem distração a estátua ou o objeto, observe o que
sua mente faz enquanto você tenta foca-lo. Não deve haver
qualquer tentativa de gerar uma visualização como você
faria em uma prática do estágio de geração.
Você simplesmente olha a imagem com uma concentração
unifocada, nada mais.
Quando você pratica por períodos maiores de tempo, pode
vir a sentir sonolência e perda de interesse na mente. Quando isso
começa a acontecer - e isso é uma reação comum
- você deve endireitar seu corpo, rreajustar sua posição,
e mover seu olhar para a parte mais alta da imagem que esteja focando.
Se, em lugar disso, você perceber que a mente começa ficar
mais caótica, com uma abundância de pensamentos, então
deveria baixar o olhar para o centro nervoso do umbigo do Buda, ou ao assento,
ou à parte inferior do objeto, tentando relaxar. Se a mente se torna
caótica, é porque há esforço em demasia. Se
não há reações extremas e as coisas vão
indo bem, então mantenha sua visão no centro nervoso do coração
da imagem.
Este estágio da prática pode ser mantido por um tempo
tão longo quanto necessário para que você se torne
capaz de manter a concentração por períodos longos
sem a distração de pensamentos perturbadores.
Quando estiver cansado de usar objetos ou imagens, então não
pense em nada; apenas mantenha-se na natureza da mente, sem qualquer foco
ou pensamento de passado, esperança com relação ao
futuro ou tensão com o presente. Apenas mantenha-se no estado natural
da mente como ele mesmo é. Se for capaz de manter a quiescência
quando não há elaboração ou foco, isto é
bom. O método ensinado no texto raiz é usar uma sílaba
semente. Aqui a sílaba HUM é visualizada no centro do coração
e tem o tamanho aproximado da unha do dedo polegar, e é de cor vermelha.
Quando você se torna consciente do HUM, não deveria apropriar-se
mentalmente dela, especialmente no ponto em que observa seu tamanho, cor
e outros detalhes de suas características. Em lugar disso, você
deveria simplesmente reconhecer a presença do HUM, deixando-o lá.
Ao final, se você perceber que está um pouco distraído
e que necessita de outra técnica, novamente pode focar um objeto
no espaço em frente. Permita que seu olhar e sua mente fundam-se
com o objeto, seja ele uma pedra, um pedaço de pau, ou uma flor.
Seus olhos não devem ficar mudando de um lado para outro - de fato,
suas pálpebras nem devem mover-se.
Seja o que for que esteja focando, sua mente deve estar lá,
não apenas a percepção visual. Com sua mente você
deve reconhecê-lo, e não devem ocorrer outras distrações.
Após praticar desta forma mesmo que por um período curto,
no início você se distrairá; cansará. Começará
a agitar-se, terá sono e perderá o foco. Ambas são
distrações. O que fazer? Você deve gritar “Pêh”
para cortar as distrações e colocar sua mente e visão
de volta ao trilho correto. Você pode endireitar seu corpo novamente
e elevar seu olhar. Se tiver muitos pensamentos de distração,
pode tomar tais pensamentos de distração e justamente usá-los
como objeto de meditação. Neste ponto na prática,
você pode de fato tomar o pensamento que você estava contendo
e força-lo dentro do objeto que esteja focando no espaço
em frente a você, para trazer sua atenção de volta
ao objeto.
Da mesma forma que você pode ser distraído por diferentes
pensamentos, você pode também ser distraído por outras
experiências sensoriais, como o som. Quando ouve um som, se é
agradável a você, em lugar de acompanhá-lo devido a
sua atração, reconheça que sua natureza é vazia
e faça-o dissolver-se na natureza do vazio, mantendo sua meditação.
Se é desagradável, não há diferença
do agradável. Sua mente pode também ser distraída
por um cheiro, por um toque ou por uma sensação. Tão
pronto puder, perceba que você se distraiu por esta experiência
sensorial. Perceba que esta experiência tem a natureza da vacuidade.
Dissolva-a em sua origem de vacuidade e retorne a sua meditação.
Quando for capaz de lidar com algumas destas distrações
mais concretas, lentamente, lentamente através de sua prática,
você começará a se tornar consciente de pensamentos
discursivos que nunca tinha percebido antes. As distrações
óbvias terão já aparecido, desde o início;
mas então aqueles pensamentos que você nunca havia se dado
conta, que você não lembra de jamais ter visto emergir, novas
memórias e eventos anteriormente nunca recordados emergirão.
De fato, você pode sentir que esteja perdendo sua mente.
Um aspecto importante para lembrar é que estes novos pensamentos
discursivos não são novos. São muito velhos. Sua mente
é como água turva que estava agitada, de tal forma que o
barro e a areia que não se depositam no fundo, afloram à
superfície. Quando a mente começa a acalmar-se, como o barro
que naturalmente deposita-se sobre o fundo, você se torna capaz de
observar o que nunca viu antes. De fato, estas características de
sua delusão sempre estiveram lá e devem também ser
trabalhadas.
Quando estes pensamentos surgem, não importa se eles pareçam
bons ou maus. A este nível de prática não existe diferença
entre bons e maus pensamentos. Pensamentos são pensamentos. O que
você precisa fazer é reconhecê-los como formações
mentais que estão surgindo, e tão pronto você possa
identificá-los com indiferença, eles se dissolverão.
Após praticar assim algum tempo, certamente começará
a experimentar felicidade física e mental ao ponto onde não
vai querer mais sair da sua almofada. A meditação será
muito mais confortável do que quer que venha a fazer no resto do
tempo. Você terá o desejo de ficar praticando indefinidamente.
Neste ponto, há duas experiências que surgem durante a
quiescência. A primeira, a de felicidade física e mental junto
com o desejo de não mais interromper a meditação.
Esta experiência é ainda impura. Aqui, em sua meditação,
você pode não mais experenciar os campos sensoriais de forma,
som, visão, sabor, e tato. É algo como entrar em um sono
profundo. Você realmente não sabe o que se passa ao redor,
não ouve, não vê, não sente, não percebe
cheiros ou sabores, etc. Quando volta da meditação, é
similar ao despertar de um sono muito profundo. Você não sabe
o que aconteceu ou como passou o tempo. Esta é a experiência
de quiescência impura, porque você é incapaz de relembrar
o que acontece durante a experiência. É quase como se a mente
entrasse em um estado de ausência. Isto nem é liberação
nem o resultado derradeiro. É, no entanto, um estágio na
experiência. Porque? Porque é um sinal de que você começou
a atingir a quiescência e que a mente é capaz de manter-se
imóvel por um certo tempo sem a perturbação das aflições
mentais. Se você apegar-se a isso como a experiência final,
terá renascimento novamente na existência cíclica.
Sem apego você deve ir adiante em sua prática, há muito
mais por vir.
Quiescência Pura –
A quiescência pura é o próximo passo na experiência
de permanecer em um estado de concentração unifocada por
um tempo indefinido. Há aqui uma tremenda claridade. Ainda que a
mente esteja imóvel, é lúcida e clara. Há uma
lembrança completa da experiência de toda a meditação
e do período pós-meditativo.
Durante o estágio inicial da quiescência impura, os oito
estados cognitivos estão obstruídos durante a meditação.
À medida em que avançamos em direção à
experiência de quiescência pura, a claridade se torna desobstruída
uma vez que as experiências sensoriais funcionam normalmente ainda
que a mente nunca flutue da absorção unifocada.
Durante a meditação há a liberdade de permanecer
na experiência de concentração unifocada o tempo todo
e em qualquer circunstância. A conclusão da meditação
formal não constituiria na finalização da quiescência
porque o poder do estado de lucidez permearia a experiência
pós-meditativa das atividades diárias.
Quanto tempo leva para chegar-se à pura quiescência? Este
tipo de experiência vem como resultado de um tremendo esforço
na prática. Não é um resultado que venha facilmente
ou rapidamente.
Outros benefícios desta realização incluem relaxamento
físico e mental; e, uma vez que não há distração,
a prática pode ser sustentada indefinidamente. Agora, quando você
pratica, tanto o corpo como a mente se cansam; e, na medida em que você
fica desconfortável, você liga algo mais para mudar a experiência
de desconforto. Ao chegar ao nível de pura quiescência, o
corpo e a mente estão sempre em estado de conforto. Entretanto,
se a mente se apega à experiência de sentir bem estar físico
e mental, então, tal mente de apego começará a produzir
as causas de renascimento no reino do desejo, trazendo-o de volta novamente
à existência cíclica. É necessário que
nunca haja apego à qualquer experiência.
Geralmente você deveria manter na mente que, quando sua prática
de meditação começar a aprofundar-se, há três
experiências que ocorrerão. A primeira é bem estar
, a segunda é clareza, e a terceira é a experiência
de ausência de pensamentos. Quando tiver estas experiências,
se você ligar-se à elas pensando que, de algum modo atingiu
o resultado derradeiro, então estará novamente produzindo
causas para renascimento em samsara. Não confunda estas experiências
com o resultado final de iluminação. Se apegar-se ao bem
estar, estará estabelecendo as causas para o renascimento no reino
do desejo. Se apegar-se à luminosidade ou claridade, isto estabelece
as causas para o renascimento no reino da forma. Apego à ausência
de pensamentos estabelece as causas para o renascimento no reino dos deuses
sem forma. Estes são os três reinos (desejo, forma e não-forma)
da existência cíclica dentro do qual as seis classes de seres
se debatem. Através da meditação você pode de
fato produzir as causas para o renascimento nestes três âmbitos
de existência caso não seja cuidadoso.
Esta é uma explicação concisa de como praticar
para atingir a quiescência que inclui instruções sobre
o que evitar enquanto praticando. Se for capaz de praticar com sucesso,
irá atingir a quiescência por períodos prolongados
de tempo e meditar com claridade, preparando-se então para a segunda
fase, a prática principal de cultivar a sabedoria primordial da
intuição.
Sabedoria primordial –
Os ensinamentos e práticas para desenvolver a sabedoria primordial
da intuição têm duas abordagens. A primeira abordagem
é o treinamento escolástico, para assegurar-se da natureza
de vacuidade da mente. Aqui, a vacuidade é divisada através
da investigação analítica, eventualmente provando
que ela é desprovida de uma existência inerente verdadeira.
Esta visão da vacuidade está baseada na compreensão
intelectual. A segunda abordagem é chegar à natureza da vacuidade
através da profundidade de sua própria prática. Esta
visão da vacuidade está baseada na realização
interna. Se alguém é capaz de abarcar a vacuidade pela segunda
abordagem, então a primeira é desnecessária.
Se você deseja trilhar a primeira abordagem através do
treinamento escolástico e então aplicá-lo praticamente
à meditação, este é o meio superior e a forma
pela qual muitos grandes praticantes enfocaram seu caminho. Entretanto,
nos tempos atuais, vocês deveriam considerar que vocês podem
não vir a ter muitos anos para praticar, uma vez que o momento da
morte é incerto. Além disso, com estilos de vida tão
intensos, são poucas as oportunidades para meditar. Pode ser melhor
engajar-se diretamente na prática, para atingir os objetivos mais
prontamente.
Nos dias atuais parece que quase cada um está mais interessado
em técnicas tipo pressionar botões, que trabalham de forma
rápida, trazendo resultados instantâneos. Naturalmente todos
desejam resultados os mais rápidos. Se você pensar que pode
encontrar uma experiência tipo apertar botões no caminho espiritual,
isso significa que você deve praticar e meditar, não apenas
ouvir os ensinamentos, não apenas pensar sobre eles depois, mas
sentar e realmente praticar. Frequentemente as pessoas apenas ouvem o Darma,
pensam ocasionalmente no que ouviram, e não praticam. Como podem
ocorrer resultados se não há prática?
É através da experiência de intuição
que a natureza primordial da mente é atingida. Há quatro
estágios para este desenvolvimento. O primeiro é atingir
a confiança na visão; o segundo, experimentar a meditação.
A meditação precisa ser praticada; não pode ser apenas
um tema intelectual. De outra forma seria como um remendo que é
colocado sobre um buraco para cobri-lo. Algum tempo depois cairá
fora. A compreensão intelectual é impermanente e sujeita
a mudança. A realização atingida através da
meditação é permanente. O terceiro é manter
a continuidade do comportamento nas atividades diárias da vida,
e o quarto é chegar ao resultado final.
1. Confiança na visão -
(dos quatro estágios, para chegar à natureza primordial,
aqui o primeiro)
Primeiro, atingir a confiança na visão, este estágio
tem três partes:
a)Reconhecer a natureza dos objetos que são vistos como externos;
b)localizar a experiência da natureza da mente, o discriminador
interno;
c)estabelecer a visão da natureza da realidade.
Estabelecer a natureza dos objetos que são vistos como sendo
externos, envolve a consciência de como a mente vê objetos
externos como realmente existentes. Isto refere-se a todas as aparências
que são percebidas como separadas do observador. Todas estas aparências
são vistas pela mente subjetiva como verdadeiramente existentes.
Devido a isto, muitos eruditos reduzirão as aparências à
partículas atômicas e após ao nada, assim vindo a crêr
que tal natureza carece de uma existência verdadeira. De acordo com
este sistema, os fenômenos objetivos surgem da mente e existem na
mente de quem os discrimina. Apesar de você pensar que as aparências
objetivas realmente existam, o mundo animado e inanimado não existiria
se não fosse a mente. Não reconhecendo a natureza da mente
e deixando-a na experiência de percepção confusa, você
realmente sente que as aparências objetivas são verdadeiras
exatamente como são percebidas. Torna-se, então, muito difícil
aceitar que as aparências objetivas não têm existência
verdadeira, inerente, e são criadas pela mente.
O primeiro problema é que sua mente está na experiência
de percepção confusa. O segundo é a verdade da impermanência,
na qual nada há que a mente perceba, incluindo a sim mesma, que
seja permanente e que possa ser tida como verdadeira e real. Uma vez que
tudo está sujeito a mudança, isto implica que não
há uma existência inerente verdadeira, uma vez que a natureza
dos fenômenos é impermanente. O sonho que você teve
na última noite não é mais verdadeiro hoje. No momento
em que você sonhava, parecia muito verdadeiro, muito real. Onde está
agora? O que aconteceu?
Para dar uma outra analogia, um mágico competente na manipulação
das aparências é capaz de criar uma ilusão ótica
por meio do uso de substâncias e mantras, tudo isso é feito
mesmo que durante o tempo todo ele saiba que as aparências que cria
não são reais. Aqueles que vêem a aparência mágica,
pensam que é real. Talvez um elefante, um tigre ou um pássaro
surjam do chapéu e, sendo percebidos, são vistos como reais;
entretanto, o mágico sabe que são mera ilusão.
Similarmente, todas as aparências objetivas nada mais são
que rótulos mentais. Você pode dizer, “isto é uma mesa”,
aquilo é uma casa”. Cada um desses objetos tem seu nome porque parece
a você como sendo tal objeto. Portanto, você tem um rótulo
para ele. Em verdade, sua natureza é ilusória e ele realmente
não existe mais do que a aparência ilusória que um
mágico cria. Portanto, você tem que ter a confiança
na consciência - de sabedoria primordial - da natureza ilusória
de todas as aparências. Através disso você é
capaz de estabelecer a natureza dos objetos que são vistos como
sendo externos.
2. Experimentar a meditação
(dos quatro estágios, para chegar à natureza primordial,
este é o segundo)
Isto conduz você ao segundo estágio na prática
do desenvolvimento da intuição, que é estabelecer
a natureza da mente como o discriminador interno. O criador das aparências
objetivas é o sujeito, a própria mente. Se tentar localizar
a mente, poderá você encontrar seu lugar? Poderá determinar
suas características? Podemos determinar se ela é substancial
ou tangível? De acordo com muitos sistemas de pensamento budistas,
há técnicas incontáveis que podem ser empregadas para
descobrir a origem da mente buscando determinar se verdadeiramente existe
ou não.
Para engajar-se na prática formal, primeiro de tudo você
deve sentar na correta posição de meditação.
Deixe que a fala mantenha-se silenciosa e respire naturalmente. Não
force a mente fazendo-a muito tensa ou demasiadamente frouxa, apenas mantenha-se
relaxado em sua própria natureza pura da consciência.
Algumas vezes quando você senta, dois processos podem ocorrer
a você: o de apreender a mente e o de apreender o discriminador.
Se perceber isso, então faça que o discriminador olhe para
a mente discriminativa, o que é como olhar a própria face
diretamente sem nenhum intermediário. Quando você começa
a praticar assim, você começa a dar-se conta de que o discriminador
e a mente apreendedora não são separados. Então você
compreende que o objeto sendo discriminado pelo discriminador e a mente
que o apreende são indivisíveis, correspondem à mesma
experiência. Assim, você pode vir a ver que o objeto e o sujeito,
o apego e a ligação, não são mais duais. Isto
é uma única experiência, a natureza da mente, livre
de quaisquer limitações provindas da atividade mental condicionada.
O que acontece, então, se nem há objeto e nem sujeito? O
que temos então? Tudo o que você tem é a experiência
de sua própria natureza búdica inata. Nos estágios
iniciais da prática, você experenciará este estado
livre de dualidade por um instante fugaz. Em um segundo momento a discriminação
dualística e o apego retornam. Atualmente há muitos praticantes
que usam uma grande parcela de tempo sentados em meditação
silenciosa. Se você sabe como praticar os estágios de desenvolvimento
e de fruição e, de fato estabeleceu a confiança na
visão, sendo portanto capaz de assegurar-se da natureza da vacuidade,
então a prática mais longa de meditação silenciosa
pode ser extremamente iluminadora. Entretanto, se você não
tem experiência e apenas senta silenciosamente em meio a conceitos
turbulentos e distrações mentais, isto é apenas perda
de tempo.
Durante a experiência de não-dualidade, permita-se permanecer
no frescor da experiência, sem alterações conduzidas.
Um praticante com inteligência superior será capaz de permanecer
nesta experiência de consciência intrínseca indefinidamente.
No início, é difícil permanecer muito tempo. Esta
experiência é, entretanto, idêntica à experiência
que você tem entre dois pensamentos. Quando o primeiro termina e
o segundo começa, o fresco momento entre eles é idêntico
à experiência de consciência intrínseca. A razão
pela qual não está consciente disso é que você
tem tantos pensamentos surgindo tão prontamente que o momento entre
eles não é percebido.
Pode que você pense que o momento entre os pensamentos seja um
apagamento semelhante à experiência de quiescência impura.
Na experiência do momento entre os pensamentos, todos os oito estados
cognitivos estão funcionando normalmente. A mente é luminosamente
clara e capaz de reconhecer qualquer coisa, ainda assim totalmente livre
de dualidade porque não há a presença de formações
de pensamento ou atividade mental deludida. Se você entendeu isso,
significa que você teve um relance da experiência geral da
consciência intrínseca.
Porque, então, vocês enquanto indivíduos comuns
têm tanta dificuldade de reconhecer esta experiência geral
de sua própria natureza primordial de sabedoria? Isto se dá
devido à intensidade dos hábitos com respeito à dualidade
e aos pensamentos discursivos. Devido a isto você é derrotado
vez após vez, por suas próprias conceitualizações.
Adicionalmente, no passado você ouviu instruções sobre
a natureza da mente, mas falhou na prática. Então, que método
pode você empregar uma vez que você é tão distraído
por sua própria mente? O método é tentar encontrar
a fonte da mente, o criador dos pensamentos discursivos, a causa raiz de
todos os seus problemas.
Você já deu-se conta do fato que os conceitos surgem da
mente. Agora, você deve perceber onde a mente se origina, onde ela
existe, e onde finalmente cessa. Similarmente, tente entender onde os pensamentos
discursivos se originam, onde existem e onde cessam.
Onde a experiência de iluminação se origina, existe,
e cessa? Quem sente felicidade e sofrimento? Se chegar à conclusão
de que é a mente que usufrui a iluminação e samsara,
então, onde a mente se origina, existe e cessa? É tangível
ou não? É sem forma?
Se você determinar que a mente tem uma forma, então você
deveria tentar determinar qual sua forma e cor. Se é tangível,
deve possuir algumas características. Se você pensar que é
sem qualquer existência substancial, então deveria tentar
examinar que experiência é esta. É essencial ter um
professor espiritual que já tenha realizado a natureza da mente
para ajudá-lo acuradamente a passar por esta experiência.
Um professor espiritual qualificado a este nível de prática
é alguém que atingiu a natureza da mente. No Tibete há
muitos exemplos onde discípulos foram enganados por professores
que não tinham realização. À este nível
de prática existem muitos perigos e armadilhas.
Se, por meio de seu processo de exame, você for totalmente incapaz
de encontrar a mente e o que você encontrou em lugar dela é
como o âmbito do próprio espaço - ainda que seja incapaz
de expressar isso, então está na trilha certa. Entretanto,
esta experiência de vacuidade não é a negação
de tudo, não é cair no niilismo, ou pensar que nada existe.
É uma experiência que é muito aberta; e, no interior
desta espacialidade, existem muitas, muitas possibilidades. É importante
ser muito cuidadoso com respeito à profundidade desses ensinamentos.
Se tomá-los literalmente, sem qualquer experiência meditativa,
há o perigo de tornar-se confuso com respeito à realidade
e perder sua sanidade. Esta é a razão pela qual é
importante receber ensinamentos sob a proteção de um professor
qualificado de acordo com a tradição. Por esta tradição,
a iluminação pode ser atingida em um corpo e em uma vida,
porque estes ensinamentos têm o poder de estabelecer os praticantes
no estado de liberação onde há uma liberdade perfeita
de todos os traços da percepção confusa. Reconhecer
a natureza da mente é realmente o ponto de compaixão de todo
o caminho; entretanto isto também pode ser perigoso se você
não se aproxima de forma cuidadosa e correta.
No que diz respeito ao desenvolvimento da confiança na visão,
o terceiro passo é abarcar a visão da natureza da realidade.
De acordo com este tesouro redescoberto pela emanação irada
de Guru Rinpoche, Dorje Drolö, a luminosidade aberta é a natureza
de Dorje Drolö. Isto se refere à natureza da mente de todos
os Budas, que é a natureza de todas as deidades de meditação,
de todos os lamas, dakinis, e verdadeiros objetos de refúgio. Para
realizar tal natureza, você não necessita buscar em qualquer
outro lugar especial que não dentro de você mesmo. Tal natureza
é a essência de sua mente e é a experiência auto-originada.
Realizar isso pervasivamente abarca tudo que constitua samsara e nirvana.
A mente de todos os budas, nossa própria natureza inata, é
a experiência da sabedoria primordial, livre da dualidade, luminosamente
clara, desobstruída em sua compaixão.
Após você ter atingido a confiança na visão,
você pode então focar a prática de meditação
como aprofundamento da visão. Repousar livre de pensamentos do passado,
presente, ou futuro, posicionado na consciência fresca e não
intermediada é também chamado de meditação.
Esta experiência aberta, luminosa, que é a natureza auto-originadora
da mente de cada um, não necessita ser buscada como uma experiência
meditativa separada. Você não necessita pensar que está
tentando criar uma experiência artificial. É simplesmente
reconhecer e manter-se diretamente introduzido em sua própria natureza.
Este é o significado do darmakaia (corporificação
da realidade última). Além do mais, nesta experiência
darmakaia, as percepções sensuais estão presentes
e são simplesmente observadas imparcialmente, sem qualquer discriminação
dualística ou apego. Esta abertura é luminosamente clara
e abarca a tudo, sem sofrimento, porque não há dualidade.
Não podendo beneficiar, não pode prejudicar. Vai além
do âmbito do benefício ou prejuízo, aceitação
ou rejeição. Você não mais precisa pensar: “Oh,
eu não posso fazer isto; eu não devo fazer aquilo.”
3. Sustentar o comportamento nas atividades diárias da vida
(dos quatro estágios, para chegar à natureza primordial,
este é o terceiro)
O terceiro passo é manter a continuidade do nosso comportamento.
A conduta deve ser semelhante à meditação, e a meditação
deve ser como a visão. Cada um contém o outro. Usualmente
você considera que conduta é a experiência pós-meditativa,
que ocorre após a sessão formal. Sustentar a continuidade
é integrar visão, meditação e conduta de modo
indivisível.
Uma vez que o equilíbrio meditativo é manter-se simplesmente
na consciência intrínseca, aberta, não intermediada,
totalmente luminosa e relaxada, quando você chega a esta experiência,
deve perceber que todas as aparências e experiências são
como uma manifestação ilusória da natureza da consciência
intrínseca. Todas as formas são vistas como uma divindade
de meditação, manifestação divina. Você
pode ouvir a essência de todos os sons como sendo a do mantra. Todos
os pensamentos são compreendidos como a atuação da
consciência pura. Você pode também considerar que as
aparências na vida diária são como um sonho, uma ilusão,
sem verdadeira existência inerente.
A este nível de prática, não há distinção
entre meditação e conduta. A experiência meditativa
pode ser mantida na forma como se percebe as aparências da vida diária
e dirige a pessoa. Isto significa que os pensamentos discursivos seriam
utilizados como a aparência do caminho, em lugar de um obstáculo.
Quando discriminação e apego cessam, os pensamentos surgem
como uma ilusão, para adornar o caminho.
Se, talvez, você ainda pensar que um pensamento discursivo está
causando dano, trazendo dor ou problema, apenas entre nele e veja que é
vazio por natureza, e ele se dissolverá. Se seguir o pensamento
e permiti-lo controlar a mente, terá perdido a visão. Por
outro lado, se você absorver o pensamento, verá que a natureza
dele é vazia e ele se dissolverá, como as ondas que se elevam
do oceano e desaparecem de volta no próprio oceano. Nada há
de errado com o surgimento de um pensamento discursivo, quando você
percebe que ele surge da consciência pura e dissolve-se de volta
na consciência pura.
Quando você for hábil para reconhecer que os pensamentos
discursivos nada mais são que a manifestação da própria
consciência intrínseca, que são vazios e sem existência
inerente verdadeira, você os deixará passar e dissolver-se
de volta em sua fonte vazia. Em resumo, você precisa ser cuidadoso,
nesta prática de conduta como caminho, para não ser perturbado
pelas distrações e dominado por seus hábitos; a discriminação
e apego. Como praticante, sua prática deveria ser como um rio que
flui - incessante e estável.
4. Fruição
(dos quatro estágios, para chegar à natureza primordial,
este é o final)
A quarta e última etapa é o modo pelo qual a fruição
é atingida. A fruição é o reconhecimento de
nossa própria natureza, da consciência intrínseca,
originalmente pura, livre de confusão. Esta experiência que
é o resultado de visão, meditação, e conduta,
é a experiência de iluminação ou liberdade última
da confusão da natureza da existência cíclica. Se sua
prática é forte, então, mesmo antes de sua morte,
ao realizar esta natureza e manifestá-la de acordo com estes quatro
estágios, você estará liberado. Não sendo assim,
a liberação ocorrerá no momento da sua morte ou no
estado do bardo. Por meio das bênçãos da realização
desta prática, é certo que a liberação ocorrerá
durante um destes períodos.
É imperativo ter uma forte fé em seu professor raiz,
aquele que o introduz à natureza da mente, de tal forma que você
possa reconhecer a sua própria natureza. Estas são as instruções
piedosas para o sucesso nesta prática. O resultado final de quiescência,
intuição da sabedoria primordial, mahamudra e mahasandhi,
nada mais são do que isto.