Um budista é alguém que, motivado pelo medo dos sofrimentos
do ciclo do renascimento e dos domínios inferiores de existência,
se refugia nas Três Jóias: o Buda, o Dharma (os ensinamentos)
e o Sangha (a comunidade espiritual). Através da prática
e da experiência, um budista sabe que as Três Jóias
têm a capacidade de protegê-lo contra a queda em domínios
inferiores de existência. Certa vez, o mestre do século XI,
Po-to-wa, observou que, quando visitava um monastério, mesmo entre
os monges mais antigos que estavam lá dentro em oração,
havia alguns que nem sequer eram budistas. Muitos deles não tinham
uma compreensão adequada das Três Jóias. O que fortifica
o desejo de alcançar o nirvana é assumir o refúgio.
O Buda é um ser que está totalmente livre de todas as
ilusões e falhas, que é dotado de todas as boas qualidades
e que obteve a sabedoria eliminando a escuridão da ignorância.
O Dharma é o resultado da sua iluminação. Após
ter alcançado a iluminação, um Buda ensina, e o que
ele ensina é chamado de Dharma. O Sangha é constituído
por aquelas pessoas que se engajam na prática dos ensinamentos dados
pelo Buda. Estas são as definições básicas
das Três Jóias. A atividade do Buda é dar os ensinamentos
e mostrar o caminho. A atividade ou a função do Dharma é
eliminar os sofrimentos e as suas causas, as ilusões. A função
do Sangha é tornar prazeroso o empreendimento da prática
deste Dharma. Você deve olhar o Buda com respeito. A sua atitude
em relação ao Dharma deve ser de desejo veemente, tentando
realizar a experiência disso dentro da sua mente, e você deve
considerar o Sangha como companheiros nobres que o ajudam no processo do
caminho. O Buda é o mestre que nos mostra o caminho para a iluminação,
o Dharma é o verdadeiro refúgio no qual procuramos proteção
contra os sofrimentos e o Sangha consiste de companheiros espirituais através
das etapas do caminho.
Um dos benefícios do refúgio é que todas as más
ações que você cometeu no passado podem ser purificadas,
porque refugiar-se acarreta a aceitação da orientação
do Buda, bem como seguir um caminho de ação virtuosa. Grande
parte das ações negativas que você cometeu no passado
pode ser aliviada ou reduzida e o seu estoque de mérito aumentado.
Tendo procurado refúgio nas Três Jóias, estaremos protegidos
não apenas contra o dano presente, mas também contra o dano
do renascimento nos domínios inferiores de existência, e a
total iluminação da Fraternidade Búdica pode ser rapidamente
obtida. Não devemos desistir nunca das Três Jóias,
mesmo se isso custar as nossas vidas. No Tibet, tem havido muitos casos
nos quais os chineses tentaram forçar as pessoas a abandonarem a
sua fé. Muitas pessoas reagiram dizendo que não poderiam
desistir de sua fé e, em vez disso, escolheram desistir de suas
vidas. Este é o verdadeiro comprometimento de quem se refugia.
Tsong-kha-pa diz que, se o seu medo e a sua convicção
são meras palavras, então refugiar-se também é
apenas palavras. Porém, se o seu medo e a sua convicção
na capacidade das Três Jóias de protegê-lo contra este
medo estão profundamente enraizados, então o seu refúgio
também será muito poderoso.
Os próprios objetos dos refúgios alcançaram um
estado que é totalmente livre do medo e do sofrimento. Se os próprios
objetos não tivessem obtido esse estado, não teriam a capacidade
de nos proteger, assim como uma pessoa que caiu não pode nos ajudar
a levantar. Aquelas pessoas das quais procuramos proteção
devem ser livres do sofrimento e do medo; de outro modo, mesmo que possam
ter o desejo de fazê-lo, elas não terão a capacidade
de nos protegerem. O Buda Shakyamuni não somente é livre
do sofrimento e do medo, como também é extremamente habilidoso
em liderar os seres sensíveis pelo caminho certo. Podemos compreender
isso refletindo sobre os diversos ensinamentos que o Buda deu para se adequar
aos diversos interesses e disposições dos seres sensíveis.
Ele nos deixou ensinamentos que podem nos alcançar não importa
qual seja o nosso nível de desenvolvimento espiritual. Quando compreendermos
a importância disso, também começaremos a admirar todas
as religiões do mundo, porque o verdadeiro objetivo do ensinamento
delas é ajudar outras pessoas.
Tsong-kha-pa diz que, se você reflete sobre as grandes qualidades
que tornam alguma coisa um objeto de refúgio e
desenvolve uma convicção profunda e centralizada nos
três objetos de refúgio, não há jeito de não
ser protegido. O que precisamos é de uma profunda sensação
de medo dos sofrimentos dos domínios inferiores e de confiar na
capacidade das Três Jóias de nos protegerem contra eles. Nós
desenvolvemos esta confiança através da meditação
sobre as qualidades do Buda, do Dharma e do Sangha.
A compaixão do Buda é sem preconceitos. Ele não
faz distinção entre os seres sensíveis que o ajudam
e aqueles que não o fazem. O seu trabalho em beneficio de todos
os seres sensíveis é sem preconceitos. Estas qualificações
só são completas no Buda e, portanto, ele e as suas muitas
formas e emanações são o refúgio, juntamente
com os ensinamentos que ele tem dado e com a comunidade que o imita e se
engaja em sua maneira de praticar.
A fala do Buda é de tal ordem que, se lhe é feita qualquer
pergunta ou muitas perguntas diferentes ao mesmo tempo, diz-se que ele
é capaz de entender a essência de todas elas e que pode responder
em uma única declaração. Em consequência, as
respostas estão em harmonia com a compreensão de quem fez
a pergunta.
A sabedoria do Buda é capaz de perceber toda a abrangência,
convencional e absoluta, dos fenômenos, exatamente como se estivesse
olhando alguma coisa na palma da sua mão. Conseqüentemente,
todos os objetos do conhecimento são percebidos e estão ao
alcance da sua sabedoria.
A mente do Buda também é onisciente. A razão pela
qual é possível para uma mente de Buda perceber a esfera
inteira dos fenômenos sem exceção é que ele
alcançou um estado totalmente livre de todas as obstruções
ao conhecimento. As obstruções ao conhecimento são
as impressões ou predisposições deixadas na mente
pelas ilusões — ignorância sobre a natureza da realidade,
apego e rancor — desde o início dos tempos. Quando estas impressões
são removidas, nos ganhamos o estado chamado de onisciência,
porque não existe mais nenhuma obstrução ao conhecimento.
Ganhamos o estado onisciente da mente que percebe todo o alcance dos fenômenos
sem qualquer obstrução.
A mente do Buda é espontaneamente movida pela compaixão
ininterrupta quando ele vê seres sensíveis sofrendo. No início
do caminho, o Buda desenvolveu uma forte compaixão em relação
a todos os seres sensíveis e, ao longo do caminho, trouxe aquela
compaixão ao seu nível definitivo. Sendo um estado virtuoso
da mente e baseada na clara natureza da mente, a compaixão tem o
potencial de aumentar infinitamente.
O corpo, a fala e a mente dos Budas estão sempre ativamente
envolvidos na tarefa de trabalhar pelo beneficio das outras pessoas. Eles
realizam os desejos dos seres sensíveis e os conduzem através
das etapas do caminho de uma maneira habilidosa apropriada às diversas
necessidades, interesses e disposições dos seres sensíveis.
Tsong-kha-pa diz que, se a sua fé no Buda é firme, em conseqüência
da sua recordação da grande delicadeza e das outras qualidades
dele, a sua fé nos outros dois, o Dharma, os ensinamentos dele,
e o Sangha, a comunidade espiritual, virá naturalmente e todo o
cânone das escrituras budistas será como um conselho pessoal.
Portanto, tendo desenvolvido uma forte fé no Buda, você também
deve desenvolver uma forte fé nos seus ensinamentos.
As estátuas ou imagens de um Buda, independentemente do seu
material ou da sua forma, nunca devem ser criticadas. Você deve respeitá-las
como o faria com o próprio Buda. Tendo-se refugiado no Buda, você
não deve se preocupar com o material do qual a imagem é feita,
mas respeitá-la de qualquer maneira. Você nunca deve transformar
as estátuas de Buda em objetos de comércio ou usá-las
como garantia para um empréstimo. Certa vez, um discípulo
de Atisha lhe pediu para comentar sobre uma estátua de Manjushri,
o Bodhisattva da Sabedoria, e disse que, se Atisha a considerasse boa,
ele gostaria de comprá-la. Atisha disse que a pessoa não
pode fazer julgamentos a respeito do corpo de Manjushri, mas que, no que
dizia respeito à escultura, ela era bastante medíocre. Porém,
depois ele colocou a estátua em sua cabeça como um sinal
de respeito. Parece que, quando Atisha falou que a escultura era bastante
medíocre, queria dizer que ela não parecia muito boa, portanto
o artista deveria ser mais cuidadoso. Os artistas têm uma responsabilidade
muito grande em pintar imagens e esculpir estátuas com uma boa aparência.
Caso contrário, há um grave perigo de fazer muitas pessoas
acumularem ações não-virtuosas, porque às vezes,
devido à aparência estranha das imagens, não podemos
evitar o riso.
O método que conduz ao estado onisciente é o caminho.
O caminho e a cessação constituem o Dharma, o verdadeiro
refúgio. O Dharma é algo que não podemos absorver
imediatamente; precisa ser compreendido através de um processo gradual.
No contexto da prática de refúgio, você precisa ter
muito talento para ser virtuoso enquanto evita as ações negativas.
Isto é o que é chamado de a prática do Dharma. Se
você tem medo dos sofrimentos dos domínios inferiores de existência,
deve transformar a sua mente e impedir que ela se entregue a ações
negativas que causam a sua queda. Isso depende muito do fato da sua prática
ser ou não séria e do seu comprometimento em acumular ações
virtuosas e evitar as ações negativas, o que, por sua vez,
depende do fato de você ter ou não uma profunda convicção
na lei do karma.
Existem dois tipos diferentes de experiência, a desejável
e a indesejável, e cada um deles tem a sua própria causa.
O sofrimento, que é a experiência indesejável, é
chamado de o ciclo da existência (samsara) e tem a sua origem nas
ilusões e nas ações não-virtuosas que elas
nos impelem a cometer. A forma definitiva de felicidade, que é a
experiência desejável, é o nirvana e resulta da prática
do Dharma. A origem dos sofrimentos e dos domínios inferiores de
existência são as dez ações negativas (descritas
no Capítulo 7). A prosperidade desejada e o renascimento em domínios
favoráveis de existência são causados pela observância
da moralidade pura ou da prática das dez ações virtuosas.
Para evitar o seu renascimento em domínios inferiores de existência
e ter de suportar o sofrimento lá, você precisa pôr
um fim às suas causas dirigindo o seu corpo, a sua fala e a sua
mente para as ações virtuosas. O grau do seu comprometimento
com a prática séria depende muito de quão convencido
você está, de quão profunda é a sua convicção
na lei de causa e efeito, de quão completamente você acredita
que os sofrimentos e as infelicidades indesejáveis são consequências
de ações negativas e de quão convencido você
está de que as conseqüências desejáveis, como
a felicidade, a satisfação e a prosperidade, são os
resultados das ações positivas. Portanto, em primeiro lugar,
é muito importante desenvolver uma profunda convicção
na infalibilidade da lei do karma.
Tendo se refugiado no Dharma, como um compromisso de afirmação,
a pessoa deve demonstrar respeito aos textos budistas. Você não
deve pular nem mesmo uma única página e os textos devem ser
mantidos em um local limpo. Você não deve ter uma atitude
possessiva em relação às escrituras; não deve
vendê-las ou dá-las como garantia para pegar dinheiro emprestado.
Não deve colocar os seus óculos ou as suas canetas em cima
das escrituras. Quando virar a página, não deve lamber o
seu dedo. Diz-se que Geshe Chen-ngawa costumava se levantar quando via
os textos sendo transportados e, posteriormente, como não podia
mais se levantar devido à sua idade ainda costumava curvar as suas
mãos. Quando Atisha estava no Tibet ocidental, havia um praticante
tântrico que não queria ser ensinado por ele. Um dia, Atisha
viu um outro tibetano marcando o lugar do texto que estava lendo enquanto
palitava os dentes. Atisha pediu a ele que não fizesse aquilo e,
em conseqüência, o praticante tântrico viu o comprometimento
de Atisha com os preceitos de se refugiar, ficou muito impressionado e
tornou-se discípulo dele.
Nós também devemos ter fé no Sangha, a comunidade
espiritual. Quando falamos sobre o Sangha, referimo-nos principalmente
àqueles seres superiores que, como um resultado de sua prática
diligente, compreenderam o Dharma dentro de suas próprias mentes
e penetraram a natureza da realidade. O verdadeiro Sangha são aquelas
pessoas que estão sempre engajadas na prática do Dharma,
que preservam os preceitos adequadamente, que são excelentes na
sua observância da moralidade, que são sempre confiáveis,
honestos e puros de coração e que estão sempre cheios
de compaixão.
Tendo se refugiado no Sangha, você nunca deve insultar um monge
ou uma monja que mantém a vida ordenada. Deve ser respeitoso com
eles. Dentro da comunidade Sangha, você não deve ser sectário
ou ter qualquer rivalidade. Em lugares como a Tailândia, o Sangha
é mantido com grande respeito. Como as pessoas os respeitam, em
contrapartida os monges não devem se comportar deselegantemente
para não causar nos leigos a perda da fé. Em geral, não
acho que seja necessariamente bom haver uma grande comunidade de monges,
como havia no Tibet, mas é melhor haver monges verdadeiramente puros,
mesmo que seja apenas uma pequena comunidade. Tornar-se ou não um
monge é uma questão de escolha pessoal. Porém, tendo
escolhido levar a vida de monge ou monja, naturalmente é melhor
não ser uma vergonha para a doutrina. Caso contrário, não
somente é ruim para você como também pode fazer com
que outras pessoas percam a sua fé e acumulem desnecessariamente
ações não-virtuosas. Diz-se que Drom-ton-pa nem sequer
passaria por cima de um pequeno pedaço de pano vermelho ou amarelo,
porque representava as vestes de monges e monjas.
Tsong-kha-pa diz que refugiar-se é realmente a entrada para
a comunidade budista, e se o nosso refúgio é mais do que
simples palavras e é realmente sentido em profundidade, seremos
invulneráveis aos males provindos dos seres humanos e mais facilmente
faremos progresso em nossa prática. Compreendendo estes benefícios,
devemos tentar reforçar o nosso medo do sofrimento e desenvolver
uma forte fé e convicção na capacidade das Três
Jóias de nos proteger desses sofrimentos. Devemos tornar a nossa
prática do refúgio tão poderosa quanto possível
e tentar nunca agir contra os preceitos que assumimos. Assim, com a consciência
da morte e o medo dos domínios inferiores da existência, descobriremos
que as Três Jóias têm a capacidade de nos proteger,
que são uma verdadeira fonte de refúgio.
O Buda é o mestre que revela o verdadeiro refúgio e o
Sangha são os companheiros no caminho que conduz à iluminação.
O verdadeiro refúgio é o Dharma, porque através da
compreensão do Dharma nos tornaremos livres e seremos aliviados
do sofrimento. O Dharma consiste da cessação e do caminho
para a cessação. A ausência ou a libertação
das ilusões é chamada de cessação. Se não
aplicarmos o antídoto apropriado, as nossas falhas e ilusões
continuarão a surgir. Porém, depois da aplicação
do antídoto, uma vez que uma ilusão seja totalmente desenraizada,
nunca surgirá novamente. Este estado livre das ilusões ou
das manchas da mente é chamado de cessação. Em resumo,
qualquer coisa que queiramos abandonar, tal como o sofrimento e sua origem,
pode ser eliminada por intermédio da aplicação de
forças opostas. A cessação final, também conhecida
como nirvana, é um estado de completa libertação.
Os Budas, os totalmente iluminados, são inconcebíveis;
o Dharma, o ensinamento deles, é inconcebível e o Sangha
também é inconcebível. Portanto, se você desenvolver
uma fé inconcebível, o resultado também será
inconcebível. Está dito nas escrituras que se os benefícios
de se refugiar nas Três Jóias pudessem se tornar visíveis,
todo o universo seria pequeno demais para contê-los, assim como os
grandes oceanos não podem ser medidos com as suas mãos. Tendo
em mente estes grandes benefícios, você deveria alegrar-se
com a oportunidade de fazer oferendas às Três Jóias
e de refugiar-se nelas. Você será capaz de aliviar as influências
de ações negativas cometidas, além de obstruções
kármicas. Todas elas serão eliminadas e você será
considerado como um ser sublime, o que agradará às Três
Jóias.