“1975. Pela Primeira vez
na vida, estou fora do meu país. Estou sozinho na Índia.
E sozinho subi as montanhas para sentir a neve e ficar um pouco comigo
mesmo, avaliando as experiências vividas neste país meio mágico.
É um silêncio
impressionante. Tudo branco. Rapidamente entrei em meditação
e nunca antes tinha ido tão fundo. Houve um momento em que meus
olhos e aquilo que eles enxergavam, tornaram-se uma só coisa. A
tênue luminescência da tarde que se extinguia, tornou-se um
oceano de luz indescritível. Eu não era mais eu; nem estava
mais confinado a este corpo, a este lugar e a este tempo. Percebia num
clarão, o pulsar das moléculas e o palpitar das galáxias.
Percebia, de uma forma liberadora a minha própria pequenez e, ao
mesmo tempo a incomensurável grandeza do Ser Humano. Compreendia,
de uma forma impossível de descrever, que toda a matéria
é ilusória é a vida e a própria morte. E entendi
que não poderia haver outra razão para o nascimento, senão
a da aquisição deste bem-aventurado estado de consciência.
Eu estava dissolvido
na Luz e eu era Luz, Luz que estava dissolvida no som e que era Som, e
eu oscilava etéreo nos acordes do Universo. Não estava no
mundo exterior nem no mundo interior. Era como se existisse um outro que
extrapolasse a dualidade do "dentro e fora", do “eu e não-eu”, do
“ser e não-ser”, para, afinal, fundir o tamás e o rajás
na definitiva dimensão de sattwa.
Permaneci algumas
horas assim e, quando, desafortunadamente retornei à consciência
limitada das formas, já era noite e eu estava banhado em lágrimas
que congelavam meu rosto. Lembrei-me de que tinha um corpo e notei que
estava no meio da neve, à noite, sem comida, sem lanterna, sem bússola...
Olhei em volta mas não enxerguei nada. A escuridão era total.
Mesmo que não o fosse, minhas pegadas haviam sido cobertas pelo
gelo que se acumulou à minha volta. Achei que ia morrer nesta noite.
Várias vezes questionei-me sobre esse momento e quis saber como
é que reagiria. Pois foi uma sensação de imensa paz,
como se houvesse terminado uma tarefa assaz árdua. Foi descontração,
leveza e um sorriso. Recostei-me para sentir a sonolência do frio
que apaga a chama da vida. E fiquei esperando pelo último compromisso,
do qual ninguém escapa. Foi quando surgiram imagens na minha mente,
recordando minha infância, desde fatos que eu já não
lembrava mais, até os últimos dias na Índia, nos quais
aprendera tanta coisa boa. Gostei de rever aquilo tudo: deu um saldo positivo.
Só que... a missão não tinha sido cumprida. Tudo aquilo
tinha sido só a preparação para algo maior que deveria
ser feito por mim e começando pelo Brasil. Vi, em detalhes, tudo
o que deveria fazer ao voltar ao meu país.
Então decidi
viver. Resolvi caminhar. Mas o meu corpo, habituado a temperaturas tropicais,
não se movia mais. Mentalizei a cor vermelha e fiz bhástrika.
Melhorou bastante. Senti o coração bater forte, a adrenalina
no sangue e consegui caminhar. Porém, de que adiantaria caminhar
na neve, no escuro. Lembrei me de que Theos Bernard tinha sido morto naquelas
mesmas montanhas. E surpreendi-me por estar me preocupando com isso depois
das vivências a que tinha sido submetido! Cheguei a conclusão
de que era preciso viver. Que a vida é uma dádiva sagrada
e que eu tinha algo a realizar na Terra.
Concentrei me em
Shiva e estabeleci que se issonão fosse uma ilusão minha,
se de fato fosse importante a realização dessa missão,
eu intuísse o caminho.
Segui na direção intuída
e não foi preciso caminhar muito tempo. Percebi uma luzinha. Era
a caverna de um Saddhu que só falava um dialeto incompreensível.
Ele me serviu uma bebida muito quente que sorvi com avidez. Não
sei o que era. Não tinha álcool. mas era bem forte como se
tivesse gengibre e outras especiarias. A bebida e o fogo acesso fizeram
a minha cama e deixei-me adormecer imediatamente.
Fui acordado pelo milagre
da vida que fazia renascer a luz, à medida que os raios de um sol
gelado rasgavam as nuvem em minha direção.
Olhei em minha volta. Não havia
ninguém, nem havia caverna. Teria sido tudo um sonho, afinal, muito
bonito?!”
DeRose
Este artigo é um extrato do livroYôga: Mitos e Verdades do prof. DeRose.
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