GESTALT É VIDA
 
 

     Gestalt* se faz em um constante movimento de desconstrução e reconstrução de algo. A estrutura anterior já não suporta as demandas atuais. Nessa constante “luta entre cristalização e mudança”, o indivíduo se mantém no fluxo da vida. E o que é viver senão deixar-se singrar por mares desconhecidos, com a certeza de que chegará a um porto diferente, tendo se modificado durante a jornada? Vida é movimento, sentimento, conscientização. É aceitação de si mesmo, desejo, desenvolvimento, crescimento, conhecimento. É explorar as potencialidades particulares, num constante descobrir a si mesmo. E a Gestalt-Terapia faz parte da vida; é vida, na medida em que tem como base a crença no potencial humano, isto é, todo ser humano é capaz de ... e de individualiza cada vez mais explorando e desenvolvendo aquilo que lhe é peculiar.
     Oque mais é Vida? Pode ser tantas coisas... pode ser a tristeza que parece infinita quando sentimos ou a alegria que desejamos eternizar. Pode ser a raiva forte como um terremoto devastador ou a angustia que parece destruir e que também constrói algo novo...  O que é para mim, pode não ser para você. E assim partimos de um porto seguro das definições para um desconhecido - quem sou eu e quem é o outro? É a relação terapêutica. É onde nós (cliente e terapeuta) nos conhecemos a cada instante, surpreendendo-nos conosco mesmos - porque nós também estamos em movimento, em constante construção e desenvolvimento do eu. A relação permite crescimento mútuo - trocas, onde ambos se percebam humanos, diferenciados, sujeitos a tropeços, quedas e reerguimentos. A relação caminha para a espontaneidade que, para nós Gestalt-Terapeutas, é o símbolo de um viver mais saudável. Como dizia Fritz: “Quanto mais o caráter repousa sobre conceitos prontos, formas fixas de comportamento e computação, menos capaz ele é de usar os seus sentidos e intuição. Quando o indivíduo tenta viver de acordo com idéias pré-concebidas de como o mundo deveria ser, ele se afasta de seus próprios sentimentos e necessidades. O resultado dessa alienação dos sentidos é o bloqueio do seu potencial e a distorção de sua perspectiva” (in Isto é Gestalt. p.21).
     E o que é espontaneidade? É fazer tudo o que se deseja sem pensar? Não... por certo impulsividade não é igual a espontaneidade. Li uma definição com a qual concordei e deixo-a aqui para que o leitor reflita: “O espontâneo não é impensado, mas sim coerente e intuitivo. Está relacionado com tudo que elaboramos e que nos estrutura. A espontaneidade se estende abrangendo uma autonomia interior, um grau de liberdade de ação ante as possibilidades do viver e do criar.” (Monografia “Encontros Criativos”- Angela Gonçalves, UERJ, Nov. 1993). A espontaneidade é tão ausente quanto mais se busca. É um dos paradoxos da vida.
     E o que é Gestalt-Terapia? São tantas as influencias na construção desse enfoque terapêutico. Mesmo assim, é mantida a sua essência. Como o bambu que enverga em uma ventania, mas não quebra e mantém sua integridade, a Gestalt-Terapia atravessa décadas, desde sua criação (1951- com a publicação do livro Gestalt Therapy, por Frederick Perls). Como defini-la? Como senti-la? Como fazê-la? A Gestalt-Terapia não se prende a explicações. Podemos conhece-la melhor vivendo-a, experimentando-a. Uma das bases da terapia é o viver no presente, no AQUI e AGORA. Isto é diferente de não pensar no futuro e deixar de fazer planos e metas. O viver no presente é o pré-requisito para um ótimo futuro. Reflita, caro leitor: se você só pensa no futuro, com metas rígidas e sem relação com o que você vive, fora da realidade, qual a probabilidade de ser feliz no presente e no futuro? A flexibilidade é um dos atributos que se precisa para viver bem. Só vivendo no presente pode-se desenvolvê-la. Segundo Paulo Coelho, viver bem o presente “é segurar a colher de óleo, sem deixar que este derrame, e deliciar-se com todas as belezas do palácio.”(in O Alquimista). Viver o presente é aprender a “escutar a vida”, é conscientizar-se de si mesmo, do mundo que o cerca, de como se relaciona com ele. Diz-nos George Kneller: “A vida, ela mesma, mais vasta do que a impressão que temos dela, fala-nos de incontáveis maneiras: nas palavras de um amigo, no movimento de uma sinfonia, numa aragem através de um canteiro de flores, no arfar das cidades, nas sirenes das fábricas, no murmúrio da dor, nas exclamações de êxtase...”(Arte e Ciência da Criatividade, p.111).
     Aprender a escutar a vida que existe dentro de nós é uma arte... sinto a Gestalt-Terapia deste modo: “É a arte de despertar para si mesmo, a partir da conscientização do viver pessoal. Este movimento possibilita o caminhar em direção a um viver mais centrado, onde as mudanças ocorrem baseadas na aceitação do que se é”(Adriana Marques). Tão simples quanto a frase de Gertrud Stein: “Uma rosa, é uma rosa, é uma rosa”(in In and out the garbage pail, p.16), é a leveza que se sente quando nós nos aceitamos como somos. É claro que sempre queremos mudar alguma coisa em nós, no outro, no mundo... é a nossa eterna inquietude. No entanto, quando percebemos o que somos e aceitamos, paradoxalmente damos lugar a mudança e a um viver onde o caminhar pode ser um caminhar com as próprias pernas e não com as pernas do outro.
     Terminamos com um pensamento de Fernando Pessoa que nos toca pela sua percepção de vida: “A espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é. E é difícil explicar a alguém o quanto isso me alegra e quanto isso me basta. Basta existir para ser completo.”
 

* Gestalt: palavra de origem alemã que significa configuração, estrutura.

Adriana Marques Dos Santos
Gestalt-Terapeuta e Psicóloga - CRP 05/21755

Referências bibliográficas:

- Cotrim, G. & Parisi, M. - Fundamentos da Educação: Historia e Filosofia da Educação.
                                          SP: Saraiva, 1986.
- Gonçalves, A. A. M. L. - Encontros Criativos (Monografia de Graduação) RJ: Instituto
                                         de Psicologia, UERJ, 1993.
- Kneller, G. - Arte e Ciência da Criatividade. SP: Summus, 1969.
- Steven, J. O. - Isto é Gestalt. SP: Summus, 1977.
 
 
 

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