51. DIFUSÃO DO ENSINO TÉCNICO

Costumamos designar, abreviadamente, por ensino técnico o que oficialmente foi denominado ensino industrial e comercial, englobando não só as escolas de ensino médio como os institutos, considerados já como estabelecimentos de ensino superior, embora de começo o não tenham sido, sendo considerados de ensino médio.

O avanço das ciências verificado em todo o mundo, sobretudo na segunda metade do século XX, nos anos que se seguiram à segunda grande guerra, fez com que as escolas de preparação profissional ganhassem importância e projecção. Isso lhes permitiu conquistar um lugar destacado ao lado de outras tradicionalmente mais cotadas, lugar a que aspiravam desde longa data — uma estruturação defeituosa impediu que mais depressa conquistassem o prestígio e reconhecimento gerais. Falamos, logicamente, do sistema escolar português e não fazemos menção nem consideramos comparativamente o que se passava no resto do mundo. A consolidação da sua influência ficou a dever-se mais a factores externos do que propriamente à sua valorização metódica e programada, ficando em dívida quanto ao seu engrandecimento — obteve-o, mas não o conquistou.

Mais de uma vez se manifestou, nos primeiros decénios do século e mesmo no seu terceiro quartel, a oposição surda ou claramente expressa entre os liceus e as escolas técnicas; se uns se escudavam no prestígio que vinha de séculos, os outros baseavam-se nas exigências actuais, que dia a dia se tornavam mais prementes. Essa posição não deixava de ser um tanto quixotesca, esgrimindo contra moinhos de vento. A grandeza, o prestígio do passado, não justifica defeitos de hoje; dizer que as condições da vida moderna são favoráveis ao ensino profissional não desculpa o baixo nível do ensino proporcionado aos seus alunos. As escolas industriais e comerciais, por vezes, ostentavam desprezo pela mais cuidada preparação literária dos estabelecimentos concorrentes.

Os próprios professores, ao iniciarem a carreira docente, davam preferência à nomeação para os liceus, que proporcionava maior prestígio, eram quase automaticamente considerados mais competentes... Também sabiam que, em regra, os alunos eram mais aplicados e os que tinham verdadeira vocação para o magistério sentiam-se mais perfeitamente "realizados". Os estudantes que aspiravam entrar na Universidade sabiam que uma boa preparação prévia lhes facilitava o ingresso e os resultados futuros.

No dia 3 de Junho de 1964, foi autorizada a criação de secções autónomas dos liceus, escolas técnicas e outros estabelecimentos de ensino, quando a sua população escolar o justificasse. Esta medida apoiava-se nas disposições do decreto-lei de 5 de Dezembro de 1958, portanto já com meia dúzia de anos de experiência verificada. As secções eram normalmente criadas quando os alunos ocupassem mais de um edifício, relativamente distantes entre si, que dificultassem a assistência dos responsáveis; e criavam-se também ainda que o edifício fosse só um, quando se tornava necessário estabelecer o regime de desdobramento. Com tais medidas, tinha-se em vista atingir fins pedagógico-didácticos e objectivos disciplinares.

Em 8 de Agosto do mesmo ano de 1964, foram criadas em Angola alguns estabelecimentos de ensino técnico e extintos outros. Assim, foram extintas as antigas escolas técnicas elementares de cada uma das localidades a seguir referidas e substituídas pelas seguintes:

Escola Industrial e Comercial de Cabinda;
—Escola Industrial e Comercial de Carmona;
—Escola Industrial e Comercial de Salazar;
—Escola Industrial e Comercial de Gabela;
—Escola Industrial e Comercial de Luso.

Seriam ministrados ali os estudos que então constituíam o ciclo preparatório e ainda as cadeiras abrangidas pelos cursos de preparação ou cursos de formação de serralheiros, montadores-electricistas, geral do comércio e o que era designado de formação feminina.

Por determinação de 9 de Outubro de 1964, foi mandado aplicar em Angola e Moçambique o que dispunha o decreto de 3 de Agosto do mesmo ano; este diploma aprovou o regime de frequência dos institutos industriais e comerciais, em cursos nocturnos, por indivíduos de reconhecida formação e competência técnica, já empregados na indústria ou no comércio. Dava-se-lhes, desta forma, a possibilidade de se aperfeiçoarem profissionalmente e de valorizarem as suas aptidões, aumentando e consolidando o saber adquirido em estudos anteriores ou na prática do trabalho quotidiano.

No dia 4 de Setembro de 1965, foi estabelecida a Escola Industrial e Comercial do Lobito, anteriormente criada apenas como escola comercial; isso permitia que fossem ministrados aqui os cursos que interessavam à prática do comércio e também os que mais se prendiam com as actividades industriais.

Podemos mencionar que, nestes casos, e sob o aspecto estatístico, se contavam dois estabelecimentos, embora na contagem corrente se considerasse só um. Na verdade, uma coisa são as concepções técnicas e os valores estatísticos, e outra muito diferente o consenso geral e a apreciação popular.

Em igual data, foi também transformada uma escola técnica elementar do distrito de Cuanza-Sul, tendo sido instituída a Escola Industrial e Comercial de Novo Redondo, o que veio valorizar bastante o panorama docente desta cidade.

Em 31 de Janeiro de 1966, foi alargado o plano do curso da secção preparatória de formação de montadores-electricistas, no terceiro e quarto anos, sendo incluída a disciplina de Desenho Esquemático, que se reconhecia poder contribuir muito para a valorização profissional dos alunos matriculados. Pouco a pouco, ia enriquecendo o escorço didáctico-pedagógico das escolas do ensino técnico profissional, adaptando o ensino às necessidades e exigências dos tempos que estavam decorrendo.

No dia 14 de Maio do mesmo ano, a Escola Industrial e Comercial Artur de Paiva, que funcionava em Sá da Bandeira, passou a ministrar os cursos de pintura e de escultura decorativa, em regime de formação. Dava-se satisfação a aspiração antigas e legítimas, completava-se tanto quanto possível o panorama escolar angolano, permitindo que os seus jovens pudessem fazer uma escolha oportuna e adequada do ramo de trabalho e ocupação útil a desempenhar no futuro.

Na data de 6 de Junho de 1966, foi aplicado ao Ultramar e consequentemente também a Angola, o Regulamento dos Institutos Industriais, que vinha já de 4 de Novembro de 1950, e também o Regulamento dos Institutos Comerciais, este aprovado em 23 de Abril de 1951. Tais documentos sofreram numerosas alterações, procurando adaptá-los mais perfeitamente à realidade africana, aos seus interesses e exigências, tendo em consideração valores muito específicos, integrados no sistema político e social que se pretendia instalar ou conservar, se já estabelecido. Mesmo assim, em 10 de Outubro do mesmo ano, foram introduzidas ainda algumas modificações, alterando o texto originalmente aprovado. Ignoramos se os diplomas referidos tinham já sido tornados extensivos às escolas angolanas, em todo ou em parte, ou se só então foram aplicados aqui.

No dia 20 de Agosto de 1966, foi criado na Escola Industrial e Comercial de Benguela o curso de especialização de desenhador da construção civil em regime de formação; por sua vez, na Escola Industrial e Comercial de Cabinda era instituído o curso geral do comércio, em regime de aperfeiçoamento, pois o de formação básica vinha desde a sua fundação.

Algumas semanas depois, em 24 de Setembro, era criado também curso idêntico na Escola Industrial e Comercial de Carmona. As autoridades portuguesas responsáveis pela difusão e desenvolvimento da escolaridade em Angola, com estas medidas, tornavam possível que pudesse aproveitar os seus benefícios cada vez maior número de alunos. No entanto, o ritmo adoptado era ainda lento se tivermos em conta as grandes necessidades da população, o interesse em as satisfazer e o atraso que se havia verificado.

Por diploma de 25 de Julho de 1967, duas escolas técnicas elementares pouco antes criadas foram elevadas a categoria superior, tendo dado lugar à Escola Industrial e Comercial de Henrique de Carvalho e à Escola Industrial e Comercial do Cubal, o que valorizava enormemente as localidades e regiões onde estavam sediadas; seriam ministrados ali os cursos electrotécnicos, formação feminina, geral do comércio e das secções preparatórias para o ingresso nos institutos.

Na mesma ocasião, foi aumentado o pessoal docente de várias escolas técnico-profissionais de Angola que funcionavam nas cidades de Luanda, Sá da Bandeira, Malanje, Salazar, Moçâmedes, Benguela, Lobito, Silva Porto, Cabinda, Carmona, Gabela e Luso.

Exactamente um mês mais tarde, em 25 de Agosto, era autorizada a entrada em funcionamento, na Escola Industrial e Comercial da Gabela, das secções preparatórias para o ingresso nos institutos, a partir do ano lectivo de 1967-68.

No dia 22 de Abril do ano seguinte, 1968, foi criado na Escola Industrial e Comercial de Cabinda o curso de formação de electromecânicos, que substituiria o de serralheiro e o de montador-electricista; deveria entrar em funcionamento no ano lectivo de 1968-69.

Continuavam a registar-se tentativas de valorização e enriquecimento do panorama escolar angolano, no sector técnico. Assim, no dia 19 de Julho de 1968, instituiu-se na Escola Industrial de Luanda o curso de montador-electricista, em regime de formação. A indústria electrónica, segundo se dizia no diploma da sua criação, vinha acusando apreciável desenvolvimento na capital de Angola, pelo que se tornava necessário fazer esforços no sentido de promover a formação de técnicos especializados, dando condições para que pudesse dispor de mão-de-obra competente.

No dia 23 de Outubro seguinte, foi autorizado que entrasse em funcionamento na Escola Industrial e Comercial de Silva Porto, no Bié, o curso de formação de electromecânicos, em substituição dos de serralheiros e montadores-electricistas, que deixavam de funcionar neste estabelecimento.

Já no final de 1968, no dia 21 de Dezembro, foi criado na Escola Industrial e Comercial de Nova Lisboa, no Huambo, o curso de especialização de desenhadores da construção civil que, segundo se dizia, estava já a funcionar, mas em regime de formação. A iniciativa tinha o objectivo de dar aos que concluíam o curso de carpinteiros-marceneiros melhor preparação profissional; isso poderá explicar que ao mesmo tempo se considerasse como de formação sob um aspecto e de especialização sob outro ponto de vista. O sector da construção civil estava a desenvolver-se muito e ocupava muita gente, proporcionava bom salário e emprego garantido, sem necessidade de longos e desmoralizantes períodos de espera. Devemos ter presente que neste período grande número de cidades angolanas teve um desenvolvimento espectacular; o incremento das construções urbanas interessava grandemente as entidades administrativas e ainda mais as empresas particulares especializadas neste ramo.

São poucas as referências ao ensino técnico profissional nos anos civis de 1969 e 1970. Quanto ao primeiro, apenas registámos que no dia 16 de Janeiro, estando em Luanda o ministro Silva Cunha, titular do Ministério do Ultramar, assinou e mandou publicar o diploma que criava no colonato da Cela a Escola Industrial e Comercial de Santa Comba, onde seriam professadas as cadeiras que constituíam os cursos de electromecânica, formação feminina e geral do comércio. E em 17 de Setembro desse ano foi criado na Escola Industrial e Comercial de Novo Redondo o curso de electromecânico, para substituir o de montador-electricista, que tinha reduzida frequência de alunos. No dia seguinte, 18 de Setembro, criou-se idêntico curso na Escola Industrial e Comercial do Luso, em substituição dos de montador-electricista e serralheiro mecânico. Verificou-se a mesma coisa em 31 de Dezembro do mesmo ano, na Escola Industrial e Comercial de Salazar, isto é, foi criado o curso de formação de electromecânico para substituir os de serralheiro e montador-electricista.

Em relação ao ano civil de 1970, apenas recolhemos a informação de que, no dia 6 de Outubro, na Escola Industrial e Comercial de Sá da Bandeira foi criado o curso de mecânico de motores diesel, para funcionar como especialização do de formação de serralheiros. Cremos ser esta a única referência a tal modalidade, que em teoria deveria ter interessado muito mais, pois os motores por compressão de óleos representavam importante papel na economia angolana, tinham aplicação corrente em quase todas as indústrias, ou pelo menos nas mais representativas, assim como no sector dos transportes rodoviários.

Entremos em 1971. No dia 23 de Janeiro, foram criados numerosos desdobramentos de escolas técnicas, da forma seguinte:

Secção Industrial e Comercial de Negage;
—Secção Industrial e Comercial de Golungo Alto;
—Secção Industrial e Comercial de Vila Nova de Seles;
—Secção Industrial e Comercial de Mariano Machado;
—Secção Industrial e Comercial de Robert Williams;
—Secção Industrial e Comercial de Vila Teixeira da Silva;
—Secção Industrial e Comercial de Bela Vista;
—Secção Industrial e Comercial de Caconda;
—Secção Industrial e Comercial de Vila Folgares;
—Secção Industrial e Comercial de Porto Alexandre.

Continuou a manifestar-se particular interesse pelo desenvolvimento escolar angolano, tendo sido criados novos núcleos de ensino do tipo referido, nas localidades e datas a seguir mencionadas:

Secção Industrial e Comercial de Santo António do Zaire;
—Secção Industrial e Comercial de Ambrizete;
—Secção Industrial e Comercial de Calulo;
—Secção Industrial e Comercial de Quibala, todas em 1 de Fevereiro.
—Secção Industrial e Comercial de Dondo, Cambambe, em 11 de Fevereiro.
—Secção Industrial e Comercial de Jamba, no dia 14 de Agosto de 1971.
—Secção Industrial e Comercial de Quibaxe;
—Secção Industrial e Comercial de Andulo, em 4 de Setembro de 1974.

Devemos esclarecer que, somente em poucos casos, temos indicação dos estabelecimentos principais a que estas secções ficavam ligadas para efeitos administrativos; a de Quibaxe dependeria da de Salazar e a de Andulo da de Silva Porto. E a da Jamba ficaria sendo como que um prolongamento da escola preparatória da mesma povoação, tendo em vista o prosseguimento dos estudos sem que os estudantes tivessem necessidade de sair de junto da sua família; tal despacho foi assinado pelo governador-geral Rebocho Vaz. Este objectivo identifica-se noutras decisões.

Por diploma com a data de 4 de Outubro de 1971, foi tornado extensivo aos territórios ultramarinos portugueses o disposto em 25 de Janeiro de 1968, que aprovou e pôs em execução no espaço geográfico europeu os programas das diversas cadeiras e cursos dos institutos industriais. Parece-nos revestir-se de interesse comparativo a indicação das diversas matérias estudadas ao longo dos cursos ministrados, assim:

—Matemática;
—Física geral;
—Física especial (A, B e C);
—Mecânica;
—Processos de construção;
—Resistência dos materiais;
—Estabilidade das construções;
—Pontes;
—Edifícios;
—Electricidade;
—Máquinas eléctricas;
—Instalações eléctricas;
—Correntes fracas;
—Tecnologia mecânica;
—Ferramentas;
—Caldeiras;
—Mecânica técnica;
—Máquinas e seus componentes;
—Hidráulica geral aplicada;
—Topografia;
—Elementos de topografia;
—Estradas e caminhos de ferro;
—Mineralogia e geologia;
—Tecnologia minerometalúrgica;
—Prospecção e exploração de minas;
—Química geral;
—Química inorgânica;
—Química analítica;
—Química industrial;
—Electroquímica;
—Técnica de iluminação;
—Elementos de electricidade;
—Aquecimento e ventilação;
—Ensaios de máquinas eléctricas;
—Contabilidade;
—Organização industrial;
—Filosofia;
—Organização Política da Nação.

Os alunos tinham trabalhos laboratoriais referentes a análises biológicas, bromatológicas e afins; estudavam ainda geometria descritiva, desenho de máquinas e desenho de construções; nas oficinas, efectuariam trabalhos práticos relativos a construção civil, minas, carpintaria, electrotecnia, máquinas e trabalhos de fundição de metais. O texto dos documentos foi inserido como "2º Suplemento" do Boletim Oficial de Angola do dia 15 de Setembro de 1971, e abrange quase cem páginas.

Foi criada na Escola Industrial e Comercial de Cabinda, com a data de 29 de Julho de 1972, uma Secção Agrícola que tinha em vista ministrar o curso de formação de agentes rurais. Podiam citar-se outros exemplos relativos a Malanje, Silva Porto, Carmona e Santa Comba. Em 14 de Maio de 1972, foi criado em Luanda, anexo ao Serviço de Emprego, entidade dependente da Secretaria Provincial do Trabalho, Previdência e Acção Social o Centro de Formação Profissional. Estava prevista a elaboração de um regulamento próprio, que definisse a sua acção e orientasse a actuação dos seus responsáveis, tendo em vista o interesse daqueles que precisavam recorrer ao seu auxílio e protecção; deveria ter também em conta o melhor aproveitamento das aptidões e a valorização pessoal dos trabalhadores. Nada sabemos da sua actividade.

No dia 30 de Maio de 1975, portanto já bem perto da independência, foi decretada a reconversão dos institutos industriais em escolas superiores de tecnologia, que passariam a designar-se por Institutos Tecnológicos.

Embora se não fizesse referência aos institutos comerciais, o paralelismo que, desde já longa data, existia entre os dois tipos de estabelecimentos leva-nos a pensar que esta medida abrangeria também estes, dando aos seus alunos as mesmas vantagens, as mesmas facilidades. O princípio da equidade não pode nem deve deixar de ser respeitado. Mesmo assim, não nos é possível afirmar que isso acontecesse.



 
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