35. CORPO DOCENTE DO ENSINO PRIMÁRIO

Há pormenores da vida escolar relacionados com o professorado que poderão ajudar-nos a compreender a situação geral, como determinantes do ambiente e exemplos frisantes da actividade comum. Mesmo certos casos considerados excepcionais e fora do âmbito corrente, ajudar-nos-ão a formar ideia exacta do condicionalismo de vida e de trabalho em que a grande parte do professorado teve de embutir-se, consciente ou inconscientemente.

Torna-se difícil, quanto a este aspecto, fazer comentários pertinentes, pois só com explanação demorada poderá traçar-se o esboço da situação angolana, reflexo da portuguesa metropolitana, que para ali foi mais ou menos fielmente transplantada, com vantagens evidentes e com prejuízos notórios. Por isso, passaremos desde já à enumeração de factos, de que tivemos conhecimento e que reputamos de interesse para divulgação pública.

No dia 25 de Abril de 1945, um diploma legislativo autorizava os governadores de província, em Angola, a elevarem até ao limite máximo possível a gratificação mensal atribuída aos professores de posto, assim como a que se pagava pela regência dos cursos nocturnos, quando o julgassem conveniente. As importâncias até então pagas — salientavam as próprias autoridades — tinham sido estabelecidas já em 27 de Julho de 1937, estavam muito desfasadas, e reconhecia-se que o trabalho realizado merecia maior pagamento.

Em 23 de Maio do mesmo ano de 1945, foi determinado que, durante os meses de Outubro e Novembro de cada ano se efectuasse o recenseamento da população escolar não-indígena, em relação ao ano lectivo seguinte. Em Luanda e outras cidades principais, a designar expressamente pelos responsáveis pela administração pública, seria levado em conta o número de crianças em idade pré-escolar, compreendidas entre os três e os seis anos. Deveriam, por certo, considerar-se apenas as povoações dotadas de jardins-escolas oficialmente criados, pois seria incompreensível de outro modo. Nós sabemos que muito poucos estavam em funcionamento.

Com a data de 1 de Março de 1946, foi acrescentado o "parágrafo único" ao Art. 42º do decreto de 22 de Fevereiro de 1923. Tratava do problemas das férias nas escolas-oficinas, agora designadas por Escolas Elementares Profissionais de Artes e Ofícios. Segundo o que fora estabelecido, tinham três semanas de férias em Fevereiro ou Março; porém as autoridades escolares eram de opinião que, pelo menos no Baixo Cunene, seria preferível transferi-las para o mês de Julho. Fazia-se referência expressa à Escola de Artes e Ofícios de Pereira de Eça. No tempo quente, Fevereiro ou Março, os rios tinham grandes enchentes e as comunicações ficavam interrompidas durante muito tempo, impedindo as pessoas de viajarem com segurança e comodidade.

Segundo dispunha o diploma de 6 de Março de 1948, o ano escolar iniciava-se, em Angola, no dia 1 de Abril e terminava em 10 de Fevereiro; o ano lectivo iniciava-se também a 1 de Abril e findava a 22 de Dezembro. Os períodos escolares ficavam compreendidos entre 1-IV/30-VI, 10-VII/23-IX e 1-X/22-XII. Quando a Páscoa não coincidisse com férias, seriam feriados os três dias que a antecediam.

Não deixaremos sem referência uma ocorrência curiosa e até interessante, uma atitude individual de um agente de ensino, que reputamos expressiva e merecedora de registo.

Segundo se lê num documento publicado com a data de 12 de Dezembro de 1945, foi reconhecido à professora Carminda Coutinho Canhão, de Novo Redondo, que exerceu as funções sem diploma de nomeação legal, desde 1 de Novembro a 23 de Dezembro de 1943 e de 21 de Outubro a 23 de Dezembro de 1944, o direito de receber os respectivos vencimentos. Quanto ao primeiro período referido, aquela senhora decidira por deliberação pessoal não suspender as aulas a fim de atender os alunos no tempo que se aproximava da prestação de provas de exame, apesar de ter sido exonerada do cargo que exercia como professora interina, por portaria de 25 de Outubro daquele ano; em relação ao segundo, recebera ordem por escrito, com data de 4 de Outubro de 1944, da Repartição Central dos Serviços de Instrução para se manter em exercício até se apresentar a sua substituta, Maria Adelaide Granados de Refoios, embora estivesse já exonerada desde 19 de Setembro. Isto comprova como trabalhavam os serviços públicos!

No dia 24 de Abril de 1937 tinha sido estabelecido que só deveriam ser admitidos a concurso para o preenchimento dos lugares do quadro do ensino primário de Angola os professores que tivessem menos de quarenta e cinco anos de idade, se não estivessem a trabalhar neste território, pois neste caso a determinação deixaria de ser considerada. E em 25 de Fevereiro de 1939 aquele limite de idade baixou para trinta e seis anos. Pretendia-se com esta medida, tanto quanto possível, preencher os lugares com elementos jovens, deduzindo daí que se mantivessem mais tempo em serviço, sobretudo os metropolitanos, antes de regressarem definitivamente a Portugal. Não sabemos se o objectivo foi alcançado.

Com a data de 6 de Dezembro de 1944, foi decidido que aos agentes de ensino primário com diploma das respectivas escolas de habilitação profissional e tivessem já exercido o magistério em Angola se somasse à idade mínima estabelecida para o concurso o número de anos correspondente ao tempo de serviço aqui prestado; pretendia-se atrair antigos mestres que tinham idade superior à do limite do concurso. Na apreciação do tempo de serviço, em igualdade de posição, seria valorizado o que tivesse sido prestado neste território.

O decreto de 16 de Março de 1945 criou em Angola o Quadro Docente Eventual do Ensino Primário, constituído apenas por dez lugares de professores contratados, com o vencimento mensal de 1.500$00. Reconhecia-se a necessidade de atender as exigências da população escolar, que se dizia estar a aumentar bastante. Apreciando a medida, temos de concordar que os responsáveis se contentavam com pouco ou pensavam que os interessados com pouco se contentariam.

A partir de 27 de Março de 1946, o quadro eventual mencionado passou a ser constituído por cinco homens e cinco senhoras. A inovação nada adiantava, talvez até atrasasse! Poderiam ser nomeados os indivíduos que tivessem feito o curso geral dos liceus, com aprovação em exame; a sua colocação seria feita por despacho, atendendo à conveniência do serviço. O concurso era válido por cinco anos. Quando a lista dos concorrentes fosse esgotada, seria aberto novo concurso, antes de expirar o prazo, pois o concurso esvaziado já não daria satisfação às necessidades Pela mesma altura, em data que não podemos determinar, definia-se que os postos escolares de Angola poderiam ser providos com:

—Professores diplomados pelas escolas do magistério primário de Portugal, dos Açores e da Madeira;
—Indivíduos com diploma válido para concurso ao quadro de professores eventuais;
—Professores com o exame de estado previsto no decreto de 10 de Dezembro de 1940;
—Regentes escolares com o respectivo diploma;
—Indivíduos com a prática pedagógica da Escola de Aplicação e Ensaios.

As autoridades do tempo tomariam uma medida deste tipo com a verdadeira seriedade?! Custa a acreditar!

Em 2 de Julho de 1947, foi tornado extensivo a todos os professores do ensino primário, tanto das escolas como dos postos escolares, o uso do caderno de sumário diário das lições ministradas, até aqui obrigatório apenas para os que trabalhassem em escolas com mais de dois lugares. Com tal medida, pretendia-se unificar os métodos e processos de ensino e também imprimir orientação única à inspecção pedagógica, pelo que se viam "vantagens demonstradas pela experiência" em adoptar este princípio normativo da organização burocrática escolar.

No dia 7 de Março de 1951, foi determinado que o trabalho dos agentes do ensino primário tivesse as classificações de "bom", "suficiente" ou "deficiente", as quais seriam atribuídas em conferência de inspectores, podendo os interessados recorrer da decisão que lhes dissesse respeito, requerendo que o seu caso particular fosse apreciado pelo governador-geral. A classificação de "deficiente" teria efeitos correspondentes à de "mau", até então por vezes atribuída, e seria instaurado processo disciplinar aos agentes do ensino a quem fosse imputada, para averiguação das causas daquela classificação e aplicação de sanções correspondentes. Não se falava de sanções a aplicar aos que a concedessem levianamente! Seremos todos iguais perante a lei !?

Um decreto com a data de 8 de Novembro de 1951 permitia o alargamento dos quadros docentes do ensino primário. Nesses termos, pelo disposto na portaria de 31 de Janeiro de 1952, foram estabelecidos os que se reportavam às principais cidades angolanas, determinando até o número de professores e de professoras, pormenor que hoje não podemos deixar de considerar ridiculamente minucioso. Quanto a Luanda e Benguela, englobavam-se os agentes de ensino que trabalhavam nas respectivas escolas elementares profissionais de artes e ofícios. A respectiva distribuição era:
 
 
 

 
H
M
 
Luanda
19
19
38
Malanje
03
04
07
Benguela
05
06
11
Lobito
03
04
07
Nova Lisboa
05
06
11
Sá da Bandeira
09
10
19
Mocâmedes
05
06
11
 
 

No dia 31 de Outubro de 1953, foram aumentados os lugares de professor de instrução primária, da província de Angola, com mais vinte unidades. E em 4 de Dezembro determinou-se que, em face das inúmeras solicitações apresentadas por pessoas nisso interessadas, fosse dada preferência de colocação às esposas de funcionários que estivessem colocados nas mesmas localidades, com carácter de estabilidade, ou a distância que permitisse a coabitação, dentro do condicionalismo geográfico que cada caso particular oferecesse. Com esta medida procurou-se dar satisfação a solicitações justas e até resolver problemas que de outra forma talvez não tivessem solução; mas abriu-se também uma válvula que permitiu numerosos erros e por vezes precedências condenáveis. O que se estabeleceu para as escolas primárias em breve se estendeu aos outros graus do ensino, ocasionando abusos e dando-lhes aspecto de legalidade. Não foram isolados os casos em que os lugares ficaram de reserva para pessoas determinadas, que só mais tarde viriam a ocupá-los, deixando de colocar funcionários em condições legais que poderiam desde logo preenchê-los...

Em 5 de Março de 1954, o ministro do Ultramar foi autorizado a nomear, em comissão de serviço, por períodos de três anos, para a regência das escolas do ensino primário dos núcleos de povoamento já criados ou que viessem a ser criados em Angola e Moçambique os professores do quadro do Ministério da Educação Nacional, com a concordância do titular desta pasta. As comissões de serviço eram renováveis a requerimento do interessado, por períodos iguais. Concluída a primeira comissão e desde que o trabalho prestado tivesse sido bem classificado, os professores em causa poderiam requerer o ingresso nos quadros docentes do território, preenchendo as vagas existentes. Por disposição de 17 de Maio seguinte, a localização das escolas a ocupar por estes professores seria da competência ministerial, por despacho exarado sobre proposta do governador-geral.

Com a data de 28 de Fevereiro de 1955, foi elevado para trezentos o número de lugares de professor do ensino primário da província de Angola, os quais seriam providos à medida que fosse reconhecida a sua necessidade. Em 1 de Junho do mesmo ano foi aberto um crédito para pagamento dos vencimentos a trinta e dois novos professores, previstos e colocados ao abrigo do decreto mencionado. E em 8 de Julho era aberto novo crédito para satisfazer ao pagamento dos ordenados dos professores dos liceus e escolas técnicas assim como a mestres profissionais, que tiveram de ser nomeados para satisfazer as exigências do ensino. Segundo se indicava, referiam-se-lhes os diplomas de 17 de Setembro de 1947 e de 25 de Agosto de 1948, não se indicando o número de agentes considerados.

Em 23 de Outubro de 1957 foram elevados para trezentos e cinquenta os lugares de professor primário de Angola. E em 7 de Junho de 1960 foram criados outros, atingindo-se o número de quinhentos e cinquenta

O órgão oficial publicou no dia 24 de Junho de 1959 um despacho do governador-geral Horácio José de Sá Viana Rebelo segundo o qual pode conhecer-se em pormenor os lugares de professor do ensino primário que competiam a cada povoação de Angola. Algum tempo depois, em 3 de Junho de 1960, foi estabelecida nova constituição dos respectivos corpos docentes, povoação por povoação, em todo o território. A consulta destes documentos permite fazer ideia clara e exacta da extensão da escolaridade. A sua dimensão não permite transcrevê-los.

Em 1 de Abril de 1961, estando em Luanda, o antigo governador-geral e agora ministro, Vasco Lopes Alves, assinou alguns importantes diplomas que merecem referência especial. Estava já a travar-se a luta pela independência e as medidas promulgadas tinham em vista opor a barreira cultural às aspirações de autonomia. No que diz respeito ao ensino primário tomaram-se as seguintes decisões:

—O número de regentes escolares foi elevado para trezentos e cinquenta, destinando-se grande parte deles a atender as solicitações dos postos escolares localizados nos bairros suburbanos de Luanda;

—A Repartição Escolar Distrital de Luanda passou a ser servida por um director e um subdirector;

—O governador-geral era autorizado a colocar nas escolas centrais das sedes das missões católicas professores primários diplomados, dos dois sexos, do quadro privativo da Província, os quais ficariam a receber os seus vencimentos através do orçamento estatal, como os demais a trabalhar em escolas do Estado, não podendo esses agentes do ensino ser desviados para outras funções;

—Os lugares de professor primário foram elevados em mais cinquenta unidades, a fim de poderem ser satisfeitas as solicitações dos superiores das missões;

—Foram criados lugares de subinspectores escolares, recrutados entre os professores que tivessem mais de cinco anos de serviço em Angola, com catorze valores de diploma, mediante a prestação de provas públicas;

—O número destes subinspectores foi fixado em dezassete e colocados nos distritos de Cabinda, Lunda, Malanje, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Moçâmedes, Huíla, Moxico e Cuando-Cubango (um em cada um), Benguela, Congo, Huambo e Luanda (dois em cada um).

Em 16 de Agosto desse ano de 1961, foi aprovado o Regulamento dos Concursos para Subinspectores de 2ª Classe a que se referia o diploma legislativo ministerial de 1 de Abril, acima mencionado. Reconhecia-se a urgência de começarem a fazer-se inspecções fiscalizadoras e orientadoras da actividade docente, sob os aspectos pedagógico e disciplinar, nos postos escolares e nas escolas. Tendo no entanto, pouco depois, sido fixado em quinze o número destes agentes, foi revogado nesta parte (em 16 de Agosto) o disposto naquele documento legal. Foi aprovado ainda novo Regulamento dos Concursos para Subinspectores Escolares, subscrito assim como o primeiro pelo inspector superior Manuel Ferreira Rosa, que antes tinha desempenhado as funções de chefe dos Serviços de Instrução Pública, em Angola.

Em 28 de Fevereiro de 1962, foram constituídas cinco zonas de inspecção do ensino primário, abrangendo cada uma delas os distritos:

—1ª ZONA Luanda e Cabinda, tendo a sede em Luanda;
—2ª ZONA Malanje, Cuanza-Norte, Uíge e Zaire, sediada em Malanje;
—3ª ZONA Huíla, Moçâmedes e Cuando-Cubango, localizada em Sá da Bandeira;
—4ª ZONA Huambo, Bié, Moxico e Lunda, e sede em Nova Lisboa;
—5ª ZONA Benguela e Cuanza-Sul, a partir da cidade de Benguela.

No dia 8 de Maio de 1961, o quadro eventual do ensino primário, a que se referiam os decretos de 16 de Março de 1945 e 7 de Dezembro de 1946, foi extinto e os seus componentes ingressaram no quadro geral. Poderiam ser admitidos também nele os indivíduos que estivessem nas condições previstas no Regulamento do Curso de Preparação Pedagógica, de 26 de Março de 1938, e os diplomados pelo curso estabelecido pela portaria de 27 de Abril de 1949, ampliando o número de lugares até ao limite indispensável para receber todos quantos o requeressem dentro do prazo estabelecido e das exigências legais. Era então ministro do Ultramar o Prof. Dr. Adriano Moreira.

Em 12 de Fevereiro de 1963, o quadro de professores primários de Angola foi aumentado em cento e cinquenta lugares, sendo criados mais duzentos lugares de professor de posto. Começava a dar-se a devida importância à escolaridade e acelerava-se o ritmo do seu crescimento até ao limite das possibilidades da ocasião. Todavia, o atraso que vinha de trás era grande e não podia ser suprimido em curto prazo.

O diploma legislativo de 23 de Maio de 1962 determinava que as vagas de professor primário do sexo masculino, existentes no quadro docente da província de Angola, pudessem ser providas sem precedência de concurso mediante requerimento dos interessados desde que estivessem nas condições legais. Às professoras casadas com professores de Angola era assegurada colocação junto dos respectivos maridos, dando-se-lhes preferência de nomeação para o provimento dos lugares do sexo feminino. Estas disposições eram consideradas como fazendo parte integrante do Regulamento do Ensino Primário, então em vigor.

E assim chegámos ao fim de mais um período marcante da História de Angola e início de outro de alto significado e grande importância, com a criação do Secretaria Provincial da Educação, que abriu novos caminhos e rasgou novos horizontes, mais amplos e mais luminosos, debruçados sobre o futuro.



 
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