24. AMBIENTE DIDÁCTICO-PEDAGÓGICO
Nos primeiros anos deste século, diversos professores começaram a dedicar o seu interesse à elaboração de trabalhos didácticos, destinados aos mestres e alunos das nossas escolas, tendo o objectivo de tornar mais fácil e mais eficiente tanto a docência como a discência. Por vezes, vislumbrou-se em tal actividade valiosa fonte de interesses, rendoso filão de vantagens económicas. Não são esses objectivos que nos prendem, apenas pretendemos focar o que essas iniciativas poderiam valer para o aperfeiçoamento dos métodos e processos de ensino e, consequentemente, para a divulgação dos conhecimentos e vulgarização da cultura.
Já no final do século passado se tinham distinguido alguns autores, dentre os quais, e prendendo-nos a Angola, não deixaremos de salientar Emílio Aquiles Monteverde, cujo nome conhecemos já, pois foi diversas vezes referido no volume anterior. Mas agora começava a verificar-se, com maior evidência, que a edição de livros escolares podia transformar-se em rendosa fonte de receita e meio de obter resultados pecuniários compensadores. Isso explica que tantos professores se dedicassem à elaboração de compêndios e que as edições se sucedessem. Se no espírito de muitos havia a preocupação da melhoria da aprendizagem e da elevação do nível do ensino, para outros, talvez a maior parte, nomeadamente as casas editoras, estava em causa o interesse material.
Não deixa de ter valor documental a identificação das obras que ajudaram os professores e alunos do segundo quartel do século XX a vencer a batalha da alfabetização. O possível e hipotético contacto com os compêndios utilizados pela geração a que pertenceram os nossos progenitores ajudar-nos-á a compreender os interesses e aspirações do tempo, projectando luz sobre a mentalidade dominante, as suas virtudes e os seus defeitos.
A análise cuidadosa de algumas dessas relíquias permite-nos concluir que muitos dos seus autores tiveram boa dose de equilíbrio e um senso comum notável; será fácil encontrar erros e detectar defeitos; mas não deixaremos de localizar qualidades, de prospectar competência, dedicação e idoneidade moral. Se muitos trechos pouco ou nada dizem aos professores e alunos de hoje, outros conservam uma frescura imarcescível e poderiam ajudar-nos ainda na tarefa da escolarização, da consolidação de conhecimentos, da formação, revigoração e estruturação do carácter.
Poderá notar-se nalguns casos acentuada tendência para se anteciparem ao seu tempo, preparando o futuro. Se em certos aspectos, como por exemplo na Geografia, os seus dados foram tornados inúteis pelas alterações posteriormente introduzidas, sob outros aspectos — como o da previdência social, solidariedade de pessoas e classes, auxílio filantrópico, respeito pelo semelhante, dignidade humana, crítica de defeitos, elogio da virtude, combate ao erro — o caminho indicado pelos autores de ontem, os pedagogistas de há mais de meio século, corresponde muito proximamente ao que ainda hoje se preconiza, aos nossos mais profundos e veementes desejos. Concluiremos que não estamos tão afastados como à primeira vista pode parecer. Preparamo-nos para trilhar exactamente os mesmos caminhos! A escola deve preparar as crianças e os adolescentes para serem adultos, mas adultos bons, saudáveis, cultos, virtuosos e felizes!
As facilidades técnicas permitem que os livros de hoje tenham atractivo de ilustrações que os de então não podiam aspirar a ter, vão além do que os mais optimistas poderiam imaginar ou desejar. No entanto, o enriquecimento básico, estrutural, não foi tão acentuado como à primeira vista poderíamos ser tentados a acreditar.
Não deixaria de ser agradável, não deixaria de ser interessante, dispor hoje de uma selecção dos textos literários que há meio século foram apresentados como modelares. Poderia até recuar-se mais e catar jóias ainda mais antigas. Poderiam servir de fundamento a frutuosas lições, permitindo que os nossos mestres e alunos mergulhassem profundamente no ambiente do passado, tomando refrescante banho de tradicionalidade.
A leitura dos livros, jornais e revistas que circularam e se leram nos tempos antigos, há mais de meio século, permite-nos mais perfeito e mais profundo conhecimento do condicionalismo herdado dos que estão imediatamente antes de nós!
A lista dos livros usados nas escolas do tempo fornece-nos indicações preciosas quanto ao valor e mérito dos autores, dos editores e mesmo dos professores de então. No caso angolano, este pormenor perde um tanto o seu verdadeiro e real valor, visto que estava demasiadamente preso ao condicionalismo metropolitano, isto é, aos autores e editores naturais, residentes e a trabalhar em Portugal. Que saibamos, apenas dois trabalhos foram elaborados por professores angolanos, a Carta Escolar da Colónia de Angola e as Primeiras Noções de Economia Doméstica. Quer-nos parecer que o primeiro trabalho era designado também, por exemplo em 1932, com o nome de Mapa Escolar de Angola; o seu autor foi o professor e inspector Armando Teles, de seu nome completo Armando Simões Teles; o segundo compêndio aparece-nos por vezes sob o título mais simplificado de Economia Doméstica e a sua elaboração pertenceu a R. Delgado, nome abreviado do professor Ralph Lusitano Delgado de Carvalho; os dois professores exerceram ambos o magistério na cidade de Luanda. Devemos esclarecer que alguns dos livros auxiliares foram escritos por outros docentes a trabalhar em diversos pontos de Angola.
A análise dos compêndios adoptados permite-nos tirar conclusões válidas quanto à metodologia adoptada, quanto à perfeição didáctica dos processos de aprendizagem em uso, seu valor prático, seriedade de actuação, extensão e objectividade dos conhecimentos ministrados. Mesmo que tenhamos em conta o facto de os compêndios e a matéria neles inserida serem alvos distantes e objectivos ideais, apresentados como limite teórico da capacidade dos melhores alunos e professores, sempre permitirão apercebermo-nos da realidade pedagógica e do ambiente escolar, que assentava sobre os tópicos por eles divulgados.
Observando os mapas que representam Angola, teremos noção exacta da sua divisão administrativa, da importância das suas cidades, das regiões mais desenvolvidas ou mais atrasadas — muito diferentes do que eram no momento da independência. Se atendermos, por exemplo, à carta de Angola inserida na Corografia de Portugal, de Vicente de Almeida de Eça, na sua edição de 1905, mesmo estando já fora do período considerado neste segundo volume, podemos concluir que o seu espaço geográfico não coincide com o actual, pois as fronteiras passavam por outros pontos, pelo menos em certas zonas do interior do continente, muito aquém ou muito além das de agora. E a diferença seria de centenas de quilómetros!
Não deixa de ter interesse a comparação entre o que então se ensinava e hoje está fora dos programas, do que foi introduzido de novo e que então não era considerado. Com esta análise podemos chegar à conclusão de que em muitos pontos nada se ganhou, noutros pontos houve retrocesso, embora haja progressos a registar, particularmente no que diz respeito à actualização dos conhecimentos e centros de interesse.
Esta comparação poderia fazer-se não só sobre os compêndios de leitura, mas também sobre outros livros de matéria mais específica — Gramática, Geografia, História, Ciências Naturais, Aritmética, Geometria. Não deixaremos de reparar que então se usavam livros e estudavam assuntos hoje postos de parte, como a Economia Doméstica e os Rudimentos de Agricultura.
A observação dos compêndios será mais exacta do que a análise dos programas. Os livros reflectem melhor o ambiente didáctico, pois são mais vivos, mais próximos e mais reais do que as rubricas dos programas, esquemáticas e remotas, directrizes a considerar até para a elaboração dos manuais. Estes influem muito sobre a actuação prática dos mestres e os programas pouca influência exercem, mesmo porque os professores se não dão ao trabalho de os consultarem. As lições são preparadas olhando os compêndios e não as rubricas do programa escolar.
A mais breve análise nos levará a concluir que se prestava particular atenção à caligrafia (hoje muito descurada), sendo utilizados modelos apropriados para o seu treino. Há quem recorde que quase todos os alunos escreviam com letra cuidada, dando-se até a circunstância de todos os discípulos de determinados professores fazerem letra semelhante, muitas vezes bem parecida com a do mestre, quando ele levava a exigência a um grau elevado. Hoje pouca importância se lhe dá, o que não deixa de ser um defeito. Nos anos que antecederam a independência de Angola, notava-se ainda que os alunos vindos das escolas do interior, mesmo mal preparados sob outros aspectos, escreviam com melhor caligrafia do que os alunos da cidade — algumas vezes com desenho muito aproximado, notório quando haviam tido o mesmo professor nativo.
Não queremos deixar de referir o pormenor de ser indicada bibliografia auxiliar do professor, nalguns casos constituída por obras que, dentro do condicionalismo em que viviam, podemos considerar modelares. Hoje não se faz isso. Todavia, não poderemos sustentar que o sistema seja melhor, mais perfeito!
Vamos deixar aqui longa lista de livros que foram ou poderiam ter sido usados nas escolas de Angola. Para simplificar, reunimos em lista única livros de períodos diversos; muitas vezes a mesma obra obtinha aprovação em apreciações sucessivas. Podemos dizer que está em consideração um período de cerca de quinze anos, de 1925 a 1940, aproximadamente, considerando duas listas diferentes mas identificadas.
LIVROS OFICIALMENTE APROVADOS, PARA O ENSINO PRIMÁRIO,
EM ANGOLA
1ª CLASSE
Cartilha Maternal, de João de Deus;
Cartilha Escolar, de Domingos Cerqueira;
Cartilha Experimental, de Alfredo Fernandes;
Método Legográfico, de Borges Grainha;
O A B C, da Livraria Nacional Educação;
A Cartilha Moderna, de Manuel Antunes Amor;
Leituras, de Ulisses Machado;
Leituras, de Filipe de Oliveira e Chagas Franco;
Leituras, da Livraria Educação Nacional;
Leituras, de João Grave e Cardoso Júnior;
Leituras, da Colecção Escolar Progredior;
Cadernos Caligráficos, de António Simões
Lopes;
Método de Escrita Direita, de António Lopes do
Amaral;
Método de Escrita Direita, de Godinho;
Pautas Caligráficas, da Colecção Escolar
Progredior.
2ª CLASSE
Leituras, de Filipe de Oliveira e Chagas Franco;
Leituras, de João Grave e Cardoso Júnior;
Leituras, de Ulisses Machado;
Leituras, da Livraria Educação Nacional;
Leituras, da Colecção Escolar Progredior;
Leituras, de Manuel Subtil, Cruz Filipe, Faria Artur e Gil Mendonça;
Conhecimento da Terra Portuguesa, de Vicente de Almeida de Eça;
Cousas Geográficas, de Faria Artur e Dias Louro;
Primeiras Noções de Geografia, de Acácio
Guimarães;
Ciências Físico-Naturais, Higiene, Agricultura, Economia
Doméstica e Agrícola, de José Fernandes Moura
e Júlio Diamantino de Moura;
Caderno de Problemas, de Faria Artur, Cruz Filipe;
Álbum de Desenho, de Gil Figueira.
3ª CLASSE
Leituras, de Filipe de Oliveira e Chagas Franco;
Leituras, de João Grave e Cardoso Júnior;
Leituras, de Ulisses Machado;
Leituras, de Rita dos Mártires, Francisco dos Santos
e José Nunes Baptista;
Leituras, de Augusto Pires de Lima e Américo Pires de
Lima;
Conhecimento da Terra Portuguesa, de Vicente de Almeida de Eça;
Corografia de Portugal, de Faria Artur e Dias Louro;
Cousas Geográficas, de Faria Artur e Dias Louro;
Primeiras Noções de Geografia, de Acácio
Guimarães;
Caderno de Exercícios e Problemas de Aritmética e
Geometria, da Colecção Escolar Progredior;
Caderno de Exercícios e Problemas de Aritmética e
Geometria, da Livraria Educação Nacional;
Álbum de Desenho, de Gil Figueira;
Ciências Físico-Naturais, Higiene, Agricultura, Economia
Doméstica e Agrícola, de José Fernandes Moura
e Júlio Diamantino de Moura;
Geografia, de António Figueirinhas;
Geografia, de M. de Vasconcelos e Sá.
4ª CLASSE
Leituras, de José Nunes Baptista, José Bartolomeu
Rita dos Mártires, António Francisco dos Santos, Ulisses
Machado e José Nunes Graça;
Leituras, de Ulisses Machado:
Leituras, de Rita dos Mártires, Francisco dos Santos
e José Nunes Baptista;
Leituras, de João Grave;
Leituras, da Livraria Chardron;
Leituras, de Filipe de Oliveira e Chagas Franco;
Leituras, de Augusto Pires de Lima e Américo Pires de
Lima;
Exercícios Preparatórios de Composição
e Redacção, de António Augusto Barros de Almeida;
Exercícios de Redacção, de Cardoso Júnior;
Exercícios Ortográficos, de António Francisco
dos Santos;
Gramática Portuguesa, de Adriano António Gomes;
Gramática Portuguesa, de António Figueirinhas;
Aritmética, Sistema Métrico e Geometria, de Almeida
Lima;
Aritmética, Sistema Métrico e Geometria, de Almeida
Lima, Ulisses Machado e Augusto Luís Zilhão;
Aritmética, Sistema Métrico e Geometria, de Ulisses
Machado;
Aritmética, Sistema Métrico e Geometria, de Augusto
Luís Zilhão;
Aritmética Prática, de Eduardo Ismael dos Santos
Andrea;
Aritmética e Geometria, da Série Escolar Figueirinhas;
Aritmética e Geometria, da Colecção Escolar
Progredior;
Caderno de Problemas, de Faria Artur, Cruz Filipe, etc.;
Caderno de Exercícios e Problemas de Aritmética e
Geometria, da Livraria Educação Nacional;
Caderno de Exercícios e Problemas de Aritmética e
Geometria, da Colecção Escolar Progredior;
Corografia de Portugal, de Vicente de Almeida de Eça;
Corografia de Portugal, de Faria Artur e Dias Louro;
Conhecimento da Terra Portuguesa, de Vicente de Almeida de Eça;
Atlas Auxiliar, de João Soares;
Atlas Geográfico, de Júlio Monteiro;
Noções Elementares de Corografia Portuguesa, de
José Nicolau Raposo Botelho;
Lições de Geografia, de Faria Artur e Dias Louro;
Primeiras Noções de Geografia, de Acácio
Guimarães;
Corografia, da Colecção Escolar Progredior;
Atlas Primário para a Corografia, da Colecção
Escolar Progredior;
Carta Escolar da Colónia de Angola, de Armando Teles;
Geografia, de M. Vasconcelos e Sá;
Geografia, de António Figueirinhas;
História de Portugal, de Acácio Guimarães
e Marcelino Mesquita;
História de Portugal, de H. Lopes de Mendonça;
História de Portugal, de Jaime Séquier;
História de Portugal, de Faria Artur e Dias Louro;
História de Portugal, de Chagas Franco;
História de Portugal, de João Grave e Cardoso
Júnior;
Ciências Físico-Naturais, Higiene, Agricultura, Economia
Doméstica e Agrícola, de José Fernandes Moura
e Júlio Diamantino de Moura;
Ciências Naturais, da Série Escolar Educação;
Ciências Naturais, da Série Escolar Figueirinhas.
OBRAS AUXILIARES E DE CONSULTA
Desenho, de Albino Pereira Magno;
Agricultura, de António Simões Lopes;
Botânica e Agricultura, de António Xavier Pereira
Coutinho;
Economia Doméstica, de Ralph Delgado;
Canto Coral e Música Elementar, de António Silveira
Pais;
Escola Musical, de Tomás Borba;
O Canto Coral nas Escolas Primárias, de Portela;
Toadas da Nossa Terra, de Portela;
Canto Infantil, de Afonso L. Vieira;
Jogos e Canções Infantis, de A. C. Pires de Lima;
História de Angola, de Alberto de Lemos;
Resumo Histórico de Angola, de Norton de Matos;
Relatório do Governador do Distrito de Cuanza-Sul, de
1922, de António Leite de Magalhães;
Tropas Negras, de Francisco de Aragão;
África Portentosa, de Gastão Sousa Dias;
Colónias Portuguesas, de Ernesto de Vasconcelos;
Sul de Angola, de João de Almeida;
O Brasil e as Colónias Portuguesas, de Oliveira Martins;
Populações Indígenas de Angola, de Ferreira
Dinis;
Cinquenta Fábulas de Fedro, de José Pereira Tavares;
Moral e Educação Cívica, de Chagas Franco;
Moral e Educação Cívica , da Colecção
Escolar Progredior;
Economia Doméstica, da Série Escolar Figueirinhas;
Economia Doméstica, da Colecção Escolar
Progredior;
Caderno Escolar, da Livraria Escolar Progredior;
Caderno de Trabalhos Manuais, de Joaquim Xavier;
Caderno de Trabalhos Manuais, de Ernesto Coelho;
Caderno de Desenho, da Colecção Escolar Progredior;
Álbum de Desenho, de Gil Figueira;
A Cartilha Moderna — Livro do Professor, de Manuel Antunes Amor;
Metodologia do Desenho, de Gil Figueira;
Trabalho Manual Escolar, de Viana de Lemos;
A Modelação Escolar, de Viana de Lemos;
Guia Prático dos Trabalhos Manuais Educativos, de Ezequiel
Solana.
Alguns trabalhos escolares, que se destinavam a mais de uma classe, estão reunidos no mesmo volume. Até sabemos haver casos em que uma só obra se destinava a todas as classes.
Além dos indicados, era permitido usar outras obras, por exemplo os Cadernos de Problemas. Usavam-se quadros parietais apropriados para a aprendizagem da leitura pelo Método de João de Deus. Era autorizado também o uso de quadros sinópticos da História de Portugal. Embora só raras vezes se falasse neles, sabemos que era permitido usar dicionários os vocabulários.
Alguns compêndios aparecem-nos com nomes alterados, de um ano para o outro, assim como variam os nomes dos autores, sobretudo quando em grupo. As selectas literárias, que apresentámos sempre com o título de "Leituras", têm nalguns casos designações um pouco diferentes, embora a maior parte delas tenha aquela denominação. Os livros escolares referidos foram utilizados no período que vai de 1925 a 1932, inclusive.
Com data de 14 de Março de 1933, foi publicada uma portaria pela qual se determinava que os livros aprovados para o ensino primário continuassem em vigor no ano seguinte. Determinava-se ainda que os livros e compêndios escolares seriam, daí em diante, escolhidos e aprovados para um período de quatro anos; ficava vedada aos professores qualquer interferência na apreciação e aprovação das obras adoptadas para uso nas escolas. Começava a manifestar-se um autoritarismo pedagógico que se prolongou por algumas dezenas de anos e cada vez se foi endurecendo mais e mais, produzindo os seus frutos, válidos e aceitáveis uns, enquanto outros foram altamente nocivos, mesmo demolidores, ou pelo menos desmoralizantes...
No decorrer do segundo quartel do século XX, começou a desenvolver-se um processo de promoção didáctica, que deve ser observado com atenção e certa reserva, pois nem sempre os objectivos correspondiam ao que aparentavam. O interesse dispensado por alguns professores, e outros indivíduos mais ou menos relacionados com o ensino, inclusive autoridades escolares e casas editoras, à tarefa da elaboração e publicação de livros para as crianças a frequentar as diversas classes, denota que tal actividade oferecia a possibilidade de conseguir volumosos resultados materiais que não eram para desprezar. Em boa parte dos casos, não poderá aceitar-se que apenas estivesse em vista o interesse pela difusão do ensino e a melhoria dos métodos pedagógicos, o aperfeiçoamento dos processos de aprendizagem. Deveria estar em causa, com maior frequência, a sedução financeira, a ambição do lucro.
O facto de os organismos oficiais responsáveis terem necessidade de indicar quais os livros aprovados, deixando ao professor relativa liberdade de escolha, leva-nos a concluir que muitos outros seriam apresentados para apreciação, sem a conseguirem, por não oferecerem um mínimo de qualidade, exactidão e perfeição. A análise desses trabalhos, se nos fosse possível fazê-la, ajudar-nos-ia bastante a formar ideia clara e precisa das condições em que tudo isso decorria; cotejando os rejeitados com os que mereceram a aprovação poderíamos avaliar o mérito de uns e de outros e os defeitos que se patenteavam; dar-nos-ia ainda a possibilidade de ajuizar com maior exactidão o valor pedagógico das entidades que tinham ocasião de se pronunciarem. Não pode aceitar-se dogmaticamente que apenas o respeito pelo progresso educativo e o culto da justiça exercessem influência. Quando há interesses materiais em confronto, quando estão em jogo conveniências materiais, movimentam-se muitas influências, agitam-se muitos conhecimentos...
Em 25 de Novembro de 1933, foi aprovada a nova lista dos livros e compêndios escolares que no quadriénio de 1934 a 1938 poderiam ser adoptados pelos professores de Angola para uso nas suas escolas. Referimo-nos já a uma longa lista de obras didácticas, obtida pela sobreposição de várias relações de livros aprovados. Desta vez considerava-se um período mais largo, de quatro anos lectivos, pelo que a sua aprovação revestia-se de maior interesse, traduzindo-se em maiores lucros. Não deixaremos de notar a repetição dos mesmos nomes e das mesmas editoras (o que já antes se verificara); as escolas começavam a oferecer actividades rendosas, sob o aspecto financeiro. Nem sempre se considerou apenas o aperfeiçoamento da sociedade humana. Mesmo que isso nos desagrade e nos repugne, temos de aceitar que a difusão da escolaridade e a vulgarização da cultura ficou devendo serviços à complexa estrutura capitalista, a interesses grosseiramente mercantis!
São os seguintes os livros aprovados para as escolas do ensino
primário de Angola, no quadriénio de 1934-1938:
LEITURAS (1ª CLASSE)
Livro de Leitura, de António Figueirinhas, Série
Escolar Educação;
Livro de Leitura, de Romeu Pimenta e Domingos Evangelista;
Livro de Leitura, de João Grave e F. J. Cardoso Júnior;
Livro de Leitura, de Ulisses Machado;
O Meu Livro de Leitura, de José Maria dos Santos e Carlos
Alberto Pinto Abreu;
Primeiros Passos, de Joaquim Tomás, Chagas Franco e Ricardo
Rosa y Alberty;
LEITURAS (2ª CLASSE)
Livro de Leitura, de António Figueirinhas, Série
Escolar Educação;
Livro de Leitura, de Romeu Pimenta e Domingos Evangelista;
Livro de Leitura, de Manuel Subtil, Cruz Filipe, Faria Artur
e Gil Mendonça;
Livro de Leitura, de João Grave (acrescentado em 3 de
Março de 1934);
O Meu Livro de Leitura, de José Maria dos Santos e Carlos
Alberto Pinto Abreu;
Pouco a Pouco, de Joaquim Tomás, Chagas Franco e Ricardo
Rosa y Alberty;
LEITURAS (3ª CLASSE)
Livro de Leitura, de António Figueirinhas, Série
Escolar Educação;
Livro de Leitura, de Romeu Pimenta e Domingos Evangelista;
Livro de Leitura, de Ulisses Machado;
Livro de Leitura, de João Grave (aumentado em 3 de Março
de 1934);
Leituras, de César Pires de Lima e Américo Pires
de Lima;
Leituras, de Manuel Subtil, José da Cruz Filipe, Faria
Artur e Gil Mendonça;
Mais Adiante, de Joaquim Tomás, Chagas Franco e Ricardo
Rosa y Alberty;
LEITURAS (4ª CLASSE)
Livro de Leitura, de António Figueirinhas, Série
Escolar Educação;
Livro de Leitura, de Romeu Pimenta e Domingos Evangelista;
Livro de Leitura, de Ulisses Machado;
Livro de Leitura, de João Grave (aumentado em 3 de Março
de 1934);
Leituras, de Augusto Pires de Lima e Américo Pires de
Lima;
Leituras, de Manuel Subtil, Cruz Filipe, Faria Artur e Gil Mendonça;
Finalmente, de Joaquim Tomás, Chagas Franco e Ricardo
Rosa y Alberty.
ARITMÉTICA E GEOMETRIA (3ª E 4ª CLASSES)
Aritmética, de Fonseca Lage;
Aritmética, de Ulisses Machado;
Noções Elementares de Aritmética, de Augusto
Luís Zilhão (aumentado em 12 de Janeiro de 1935);
Geometria, de António Figueirinhas, Série Escolar
Educação;
Geometria, de C. A. Marques Leitão;
Noções Elementares de Geometria, de Augusto Luís
Zilhão (aumentado em 12 de Janeiro de 1935).
GEOGRAFIA (3ª E 4ª CLASSES)
Geografia, de Acácio Guimarães;
Geografia, de Pereira, Mota & Patrício, Colecção
Escolar Progredior;
Atlas Primário, da Colecção Escolar Progredior;
Geografia Primária, de Mário de Vasconcelos e
Sá (aumentado em 3 de Março de 1934);
Corografia de Angola, de Adriano da Costa Mendes (aumentado
em 31 de Agosto de 1935).
HISTÓRIA (4ª CLASSE)
História de Portugal, de António Figueirinhas,
Série Escolar Educação;
História de Portugal, de Chagas Franco;
Apontamentos sobre a História de Angola, de José
Figueiredo;
História de Angola, de Alberto de Lemos (livro facultativo).
CIÊNCIAS DA NATUREZA (4ª CLASSE)
Ciências Naturais, de António Figueirinhas, Série
Escolar Educação;
Compêndio de Ciências Naturais, de Alexandre Alberto
de Sousa Pinto.
GRAMÁTICA ( 4ª CLASSE)
Gramática Elementar, de António Figueirinhas, Série
Escolar Educação;
Gramática Prática da Língua Portuguesa,
de Amândio Ferreira Leal;
Gramática Portuguesa, de Silvestre da Silva Sanches;
Gramática Prática Elementar da Língua Portuguesa,
de F. J. Cardoso Júnior (aumentado em 3 de Março de 1934).
MORAL E EDUCAÇÃO CÍVICA
Moral e Educação Cívica, de António
Figueirinhas, Série Escolar Educação;
Moral e Educação Cívica, de Augusto Moreno.
A mais sumária análise das obras e autores referidos levar-nos-á a concluir que alguns deles já eram conhecidos dos professores e alunos dos anos anteriores, enquanto outros apareciam pela primeira vez, para garantirem uma presença que se prolongou por algumas dezenas de anos. Os nomes dos autores repetem-se demasiadamente, e isso leva-nos a pensar na existência de uma oligarquia dominadora do panorama escolar português, provavelmente resultado de manobras estudadas e política de interesses demasiadamente concordante e centralizadora. Grande parte das obras referidas eram conhecidas pelos indivíduos que, no momento da independência, tinham atingido ou estavam próximo de cinquenta anos de idade. Algumas eram, sob o aspecto pedagógico, razoavelmente bem elaboradas, mas nem sempre foram essas as que obtiveram a preferência do professorado, que também enfermava de defeitos graves.
Angola está fracamente representada entre os autores mencionados. São angolanos (de origem ou por terem trabalhado neste território, sem disso fazermos questão), quer no magistério quer noutras actividades, Ralph Delgado, Fonseca Lage, Adriano da Costa Mendes, José Figueiredo e Alberto de Lemos (historiador conhecido, estudioso da acção lusa neste território, mas que nunca foi professor).
O autor designado por Fonseca Lage tanto pode ser José da Fonseca Lage (de quem se encontram notas biográficas em Primeiras Letras em Angola) como Bernardino da Fonseca Lage (professor em Angola, segundo afirma o diploma que aprovou o seu trabalho).
José Figueiredo apresenta-nos um dilema: — haverá dois professores de nome igual ou parecido ou será um só indivíduo com permanência de algumas dezenas de anos? Tratando-se de uma só individualidade, teria o nome completo de José de Brito Figueiredo e no final da carreira desempenhava funções de destaque, na estrutura escolar.
Por determinação de 27 de Fevereiro de 1937, foi adicionada à lista dos livros escolares adoptados em Angola, aprovada pela portaria de 25 de Novembro de 1933, a obra Leituras Coloniais, da autoria do inspector escolar Albano Alberto de Mira Saraiva e do coronel de engenharia Carlos Roma Machado de Faria Maia, que poderia ser usado como trabalho subsidiário dos livros de leitura das quarta classe.
Em 31 de Março de 1943, foi autorizado o uso de dois compêndios escolares da autoria de Bernardino da Fonseca Lage. Um tinha o título Aritmética e o outro o de Geometria.
Não podemos deixar de pensar que o professor de Angola José
da Fonseca Lage escreveu diversos trabalhos de géneros literários
bem diferentes, mas interessou-se também pelo aperfeiçoamento
didáctico. Apesar da semelhança do nome, não é
possível afirmar que seja seu o livro Aritmética (de
Fonseca Lage), sendo mais provável que seja do mesmo autor de Geometria.
Trabalhou em Luanda e noutras localidades angolanas, como professor e em
outras funções, nos primeiros vinte anos do século
XX, portanto a uma distância razoável, mas não excessiva.
Podemos pensar que houvesse entre os dois relação de parentesco,
mas nem isso é possível afirmar, por falta de provas.
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