20. ORGANIZAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA
A mais singela apreciação de como funcionaram em Angola os serviços burocráticos referentes ao ensino poderá dar-nos indicações preciosas quanto ao interesse dispensado a este sector da vida social, e permitir-nos-á detectar defeitos de base que impediram o desenvolvimento e expansão da escolaridade.
Sabemos que só em 1845 começou a existir, oficialmente, a instrução pública, estabelecendo-se a partir daí a organização escolar. O decreto de 1869 remodelou antigas estruturas, adaptando-as às exigências do tempo e respeitando as influências que nessa altura se manifestavam e tiveram reflexo no desenvolvimento das condições de vida das populações e territórios africanos. No começo do século XX, houve necessidade de fazer novo reajustamento, reformando antigos esquemas e procurando abrir caminho a manifestações pedagógicas e culturais novas, actualizadas, ou que pretendiam apresentar-se como tal. Vimos já quais eram os pontos mais salientes da orientação escolar. Vamos agora procurar acompanhar de perto, embora esquematicamente, as iniciativas de modernização e aperfeiçoamento que se foram registando, sobretudo a partir da segunda década do século em curso.
Ao findar o ano de 1919, o Conselho Inspector de Instrução Pública estava organizado, com pequenas e insignificantes modificações (algumas delas já referidas, como por exemplo as de 1914), segundo as normas estabelecidas pela portaria provincial de 6 de Outubro de 1905, portanto, muito desactualizado. Em face disso, procurou-se introduzir algumas alterações nos diferentes organismos que se prendiam à instrução, com o objectivo expresso de incrementar o ensino e aperfeiçoar a máquina pedagógica.
Em 29 de Dezembro do ano de 1922, criou-se a Repartição Superior de Instrução Pública, que ficava dependente da Secretaria do Interior. No tempo da Monarquia, os serviços escolares estavam subordinados à Secretaria-Geral. O desenvolvimento da instrução, em Angola, não satisfazia as necessidades da população. Defendiam-se dois tipos de ensino; um era destinado aos filhos de europeus e dos nativos assimilados, e outro tinha em vista as crianças nativas de famílias ainda em estádio considerado primitivo, quer dizer, em vias de se tornaram civilizadas. Os primeiros eram encaminhados para as escolas primárias, cujo plano de estudo era praticamente idêntico ao de Portugal, enquanto os segundos tinham à sua disposição as escolas-oficinas e depois as escolas-rurais, pelo menos em teoria. Aqueles recebiam instrução literária mais desenvolvida, embora muito limitada, e estes eram preparados para exercerem uma actividade profissional, ministrando-lhes apenas ligeira e rudimentar preparação intelectual, que não ia além do exame do primeiro grau do ensino primário, não sendo muitos os que conseguiam atingir este desenvolvimento.
Antes de prosseguirmos, não deixaremos de salientar que, mesmo nas escolas portuguesas metropolitanas, o primeiro grau da instrução primária foi, durante bastante tempo, o limite obrigatório da instrução pública legalmente exigido e, por consequência, o que era proporcionado à população escolar. Em face de tão limitados objectivos, não admira que grande parte da população portuguesa ficasse ainda aquém, não conseguindo vencer a barreira da alfabetização, a leitura e escrita de nível elementar e de uso corrente.
Em Angola, segundo os termos dos diplomas legais, a instrução e preparação profissional dos nativos ficava dependente da Repartição Superior dos Negócios Indígenas, por conseguinte, fora da alçada e da orientação dos serviços mais especificamente dedicados à instrução e à escolaridade. Viu-se, pouco depois, o erro cometido, mas não pôde, não quis ou não soube evitar-se tão inoportuna experiência, tão deprimente como inoperante situação.
Em 8 de Maio de 1926, foi organizado o quadro de funcionários privativos da Direcção dos Serviços de Instrução. Segundo informações indirectas que conseguimos recolher, este organismo tinha sido criado em 14 de Novembro de 1925, a partir da Repartição Superior de Instrução Pública. De certo modo, e segundo expressão do texto legal, dava-se cumprimento ao que havia sido determinado pelo decreto do Alto-Comissariado, em 29 de Dezembro de 1922, atrás referido. O quadro em questão ficaria a ser constituído pelo respectivo director, por um primeiro oficial, um segundo oficial e um serventuário de segunda classe. Determinava-se ainda que os funcionários da antiga Repartição Superior de Instrução Pública transitariam para a Direcção dos Serviços de Instrução, mantendo todos os seus direitos e sendo-lhes conservadas todas as regalias adquiridas ao longo dos anos de serviço que cada um tivesse prestado.
Tem a data de 16 de Abril de 1927 o diploma que aprovou e mandou pôr em execução a Reorganização do Ensino Primário na Província de Angola. A administração escolar competia, em cada distrito, a uma Junta Distrital do Ensino. Era constituída pelo governador do distrito, director distrital da Fazenda, secretário do Governo, e dois professores —- eleitos pelos seus colegas para um período de três anos. Teria apenas atribuições relativas ao ensino primário.
No aspecto geral, a orientação do ensino era exercida através da Direcção dos Serviços de Instrução Pública, Inspecções Escolares e Conselho de Instrução Pública.
O Conselho de Instrução Pública seria constituído pelos seguintes elementos:
—Governador-geral ou secretário provincial do Interior;
—Director dos Serviços de Instrução;
—Director dos Serviços e Negócios Indígenas;
—Director dos Serviços de Saúde e Higiene;
—Director das Missões Religiosas;
—Vogal representante dos inspectores;
—Vogal representante dos professores liceais;
—Vogal representante dos professores primários;
—Vogal representante dos mestres profissionais.
A inspecção escolar seria exercida por três inspectores. Os primeiros a exercer tais funções foram nomeados pelo governador-geral; os que viessem a seguir seriam recrutados, por concurso, entre os professores.
O mesmo diploma determinava também que se promovessem congressos, conferências e reuniões de carácter pedagógico, que se publicasse mensalmente o Boletim do Ensino, que sempre que possível se organizassem missões de estudo ao estrangeiro ou pelo menos a Portugal, e que se criassem Bolsas de Estudo que permitissem a continuação da preparação académica aos Pupilos da Província de Angola, escolhidos entre os estudantes que revelassem notáveis qualidades de inteligência e aptidões destacadas, de grande vantagem e utilidade para o país.
A publicação do diploma legislativo que temos vindo a analisar fez com que, pouco depois, em 29 de Outubro do mesmo ano, fossem extintos os Corpos Inspectores de Instrução Pública; vinham actuando nos moldes da portaria de 6 de Outubro de 1905, por consequência não satisfaziam já plenamente as exigências do ensino. Eram constituídos pelo Conselho Inspector de Instrução Pública, Juntas Distritais de Instrução e Juntas Concelhias de Instrução.
O secretário do extinto Conselho Inspector transitaria, com todos os direitos e regalias que usufruía, sem necessidade de nova nomeação, para o recentemente criado Conselho de Instrução Pública.
Na mesma data de 29 de Outubro de 1927, foi posto em vigor o Regulamento do Conselho de Instrução Pública da Colónia de Angola.
Deve reparar-se que, em Abril, ainda o território era oficialmente designado por "Província". A alteração verificou-se a partir do dia 1 de Outubro.
Vamos prender-nos um pouco ao diploma legislativo de 16 de Abril de 1927, assinado pelo alto-comissário António Vicente Ferreira, a fim de podermos estabelecer com relativa exactidão os princípios e bases que orientavam as diversas fases e graus do ensino de nível primário. Continuava a haver distinção entre os assimilados e europeus e os indígenas em vias de se tornarem civilizados. Para os primeiros instituía-se o ensino infantil e o primário geral, enquanto para os outros se estabelecia o ensino elementar profissional e o ensino profissional propriamente dito, mais avançado do que o primeiro.
O ensino infantil não passava de teoria e bons desejos. Seria ministrado em regime coeducativo e propunha-se o desenvolvimento integral da criança, de modo a beneficiá-la física, moral e intelectualmente, preparando-a para receber o ensino primário. Um dos objectivos a alcançar consistia na "fixação e criação de hábitos de ordem, asseio e higiene, pontualidade e método de trabalho". Abrangeria três classes, dos quatro aos sete anos.
O ensino elementar profissional, tal como o infantil, não passava também de teoria e bons propósitos. Era ministrado às crianças indígenas nas escolas rurais e destinava-se a criar hábitos de higiene, de compostura e de trabalho, predispondo os alunos a receber facilmente os benefícios da civilização, preparando o ingresso nas escolas-oficinas, das quais se considerava estádio preliminar. O ensino seria ministrado numa só classe e único curso, inicialmente em línguas indígenas mas com progressiva transição para a prática da língua portuguesa. Recomendava-se expressamente que a sua instalação se fizesse... com sobriedade.
O ensino profissional era ministrado nas escolas-oficinas, e tinha a finalidade de dar aos indígenas educação profissional, criando neles hábitos de trabalho e proporcionando-lhes os conhecimentos literários compatíveis com o seu desenvolvimento intelectual. Compreendia duas partes:—- a geral, com a instrução literária elementar; e a técnica, que tenderia para a especialização. Adoptar-se-ia, sempre que possível, o regime de internato; se isso não fosse possível, optar-se-ia pelo de semi-internato. No primeiro caso, não era permitida a coeducação de sexos. Seriam criadas em todas as circunscrições administrativas onde ainda não existissem. Anexa à escola haveria uma granja agrícola, integrada no estabelecimento.
Em 15 de Maio de 1929, era aprovado e entrava em vigor o texto da Organização dos Serviços de Instrução Pública da Colónia de Angola. Fixava normas e estabelecia regras a seguir na direcção das actividades escolares. As exigências burocráticas passaram a exercer um império cada vez mais pesado. À medida que os serviços da instrução se difundiam e alargavam, aumentavam as solicitações estruturais e as necessidades de ordenação.
Em 7 de Agosto desse mesmo ano, foram aprovados numerosos modelos oficiais de impressos a usar nas escolas e a preencher pelos funcionários e professores. Podemos mencionar o registo biográfico dos agentes do ensino, o cadastro das escolas, a relação dos lugares a prover, a lista dos professores que adquiriam o direito da nomeação definitiva ou o aumento de vencimento por diuturnidades, os mapas da efectividade de serviço, a lista graduada dos concorrentes aos lugares, o sumário diário das matérias ensinadas, os impressos do recenseamento escolar, diplomas, certificados, guias, relação dos alunos propostos a exame, termos de matrícula, termos de exame, registo diário de frequência, guias médicas, requisições, livros de registo de correspondência expedida e recebida, modelos para a realização do inventário, registo de passeios e visitas de estudo e além de tudo isto os mapas de estatísticas diversas. Teve-se em conta o perfeito funcionamento dos estabelecimentos de ensino e também a actividade burocrática de todos os departamentos e secções dos Serviços de Instrução Pública.
Não estava, porém, tudo feito, faltava alguma coisa para pôr em funcionamento a então ainda incipiente máquina burocrática escolar. No dia 19 desse mesmo mês de Agosto de 1929, foram criadas quatro circunscrições escolares em Angola, relativamente ao ensino primário. A primeira tinha a sede em Luanda e abrangia os distritos de Luanda, Zaire e Congo; a segunda estava sediada em Malanje, e abarcava os quatro distritos de Malanje, Lunda, Cuanza-Norte e Cuanza-Sul; a terceira ficou em Nova Lisboa, estendendo a sua acção pelos distritos de Huambo, Benguela, Bié e Moxico; finalmente, a quarta tinha o centro em Sá da Bandeira e superintendia nos distritos de Huíla e Moçâmedes.
Reconhecia-se a importância da actividade docente, fosse ela exercida directamente pelos respectivos serviços ou por outras entidades. Aceitava-se também a importância de reunir dados e somar resultados obtidos nos mais diversos sectores. Assim, em 3 de Julho de 1930, foi determinado que os diversos serviços públicos enviassem, anualmente, à Direcção dos Serviços de Instrução Pública, para efeitos estatísticos, os elementos respeitantes à matrícula, frequência e aproveitamento dos alunos das escolas por eles mantidas. Havia interesse em reunir numa soma única o número de alunos de todas e quaisquer escolas de Angola, mesmo que o seu funcionamento não dependesse do organismo coordenador da actividade didáctica. Recordemos que as próprias escolas-oficinas estiveram entregues a um sector diferente e que havia outros estabelecimentos de ensino especializado, como a Escola de Enfermagem, a Escola dos Correios e Telégrafos, a Escola de Artes Gráficas, etc.
A Direcção dos Serviços de Instrução Pública continuava a conquistar vantagens e direitos, compatíveis com a elevada função que lhe competia. Embora possa parecer um pormenor sem importância, não deixa de ser interessante referir que, em 23 de Julho do mesmo ano, foi reconhecido àquele departamento burocrático o direito de ter telefone privativo na sua secretaria. E logo a seguir, no dia 31 de Outubro de 1930, foram atribuídas três linhas aos Serviços de Instrução —- gabinete do director, secretaria, e Liceu Salvador Correia.
Um dos graves erros que os governantes portugueses nunca souberam ou quiseram evitar, e que prejudicou enormemente o desenvolvimento de Angola e a marcha do seu progresso, foi o das sucessivas e muito próximas alterações das normas administrativas, fruto quase sempre de as medidas terem sido tomadas ao sabor das conveniências, das impressões de momento, do capricho dos responsáveis ocasionais, da concepção pessoal dos interesses colectivos. Se nalguns casos isso nos permite reconhecer o mérito de um ou outro governante e a oportunidade das medidas tomadas —- no caso das escolas, por exemplo, o de Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, no século XIX, ao impor o exame de aptidão pedagógica; e no século XX, o de Filomeno da Câmara Melo Cabral, criando o ensino liceal, e o de Venâncio Deslandes, ao instituir o ensino universitário —- não deixará de reconhecer-se que o sistema prejudicou muito a marcha normal da evolução social, atrasando a consecução dos objectivos em vista.
Vem este comentário a propósito da medida tomada em 26 de Novembro de 1931, extinguindo a circunscrição escolar de Malanje, e incorporando o território que a constituía na de Luanda. Em face disso, ficou a haver em Angola apenas três circunscrições escolares, cujas sedes estavam fixadas nas cidades de Luanda, Nova Lisboa e Sá da Bandeira. Recorde-se que a data da sua criação e da divisão do território em quatro circunscrições tinha sido a 19 de Agosto de 1929.
Ainda no decorrer daquele ano de 1931, em 10 de Dezembro, foi constituído, junto dos Serviços de Instrução Pública, um organismo designado por Conselho Administrativo, que teria o encargo de gerir os fundos especiais arrecadados ao abrigo das diversas disposições legais em vigor neste território. Seria formado pelo inspector escolar de Luanda, pelo director de uma das escolas primárias da mesma cidade, expressamente nomeado para tal cargo, e ainda por outro professor de instrução primária de nomeação definitiva; o primeiro exerceria as funções de presidente, o segundo seria o secretário e o terceiro ficaria como tesoureiro. Aceita-se, em princípio, que este deveria estar colocado também em Luanda, embora o diploma não seja explícito neste ponto, assim como não sabemos se era nomeado ou escolhido pelos seus colegas, sendo mais provável a primeira hipótese.
Em 13 de Julho de 1932, foi regulada a forma de provimento do lugar de chefe da Repartição dos Serviços de Instrução Pública, que substituiu a Direcção dos Serviços de Instrução, pouco antes extinta, por diploma de 28 de Junho do mesmo ano. Aquele organismo ficava integrado na Direcção dos Serviços da Administração Civil. As alterações verificadas vêm reforçar o que atrás dissemos acerca da frequência das modificações estruturais dos serviços públicos, com a correspondente nocividade dos resultados das actividades burocráticas no processo de desenvolvimento cultural e difusão da escolaridade.
Admitia-se que o cargo fosse objecto de provimento vitalício, determinando-se que só poderiam ser escolhidos indivíduos com a necessária competência, anteriormente demonstrada no exercício do magistério primário, durante pelo menos cinco anos; esclarecia-se que poderiam ser nomeados também os inspectores do ensino primário ou os professores do ensino secundário.
Continuou a registar-se, pelo menos em hipótese, o desfasamento que já anteriormente se verificava, exercendo o cargo de chefe dos Serviços de Instrução um professor do ensino primário elementar que tinha como subordinados os professores do ensino liceal e até os próprios reitores dos liceus. Desta vez foi nomeado, com carácter transitório, o ex-director da Escola Normal Rural de Teixeira da Silva, que não funcionava por determinação do governador-geral e, por isso, aquele agente do ensino podia ser empregado em lugar de relevo, que não deixaria de ser cobiçado por muitos professores! Este diploma é o primeiro de uma série assinada e publicada em Luanda pelo ministro Armindo Rodrigues Monteiro; saiu com a data de 13 de Junho, por lapso tipográfico bem evidente.
Na mesma data de 13 de Julho de 1932, foi estabelecida a constituição do Conselho de Instrução Pública, de que faziam parte:
—Director dos Serviços de Administração Civil,
que seria o presidente;
—Reitor do Liceu Salvador Correia;
—Inspector da Primeira Zona Escolar;
—Dois vogais, livremente escolhidos pelo governador.
Não deixará de reparar-se no pormenor de não estarem directamente representados os professores, pois os dois vogais eram de livre escolha e, por conseguinte, poderiam não ser membros da classe docente, primária ou liceal. O exercício do Conselho de Instrução Pública era gratuito e os seus componentes deveriam reunir-se pelo menos uma vez por mês.
A Reorganização do Ensino Primário, que tem a data de 8 de Fevereiro de 1933, determinava que o ano escolar começasse, em Angola, no dia 16 de Março e terminasse em 30 de Janeiro, alterando o que havia sido estabelecido em 16 de Abril de 1927. O ano lectivo começaria na primeira segunda-feira de Abril e terminaria em 23 de Dezembro. As quintas-feiras seriam destinadas a actividades circum-escolares de interesse educativo. Não se fazia menção do Natal nem do Carnaval. Os exames efectuavam-se no decorrer do mês de Janeiro. As matrículas eram feitas na segunda quinzena de Março.
Em relação ao ensino liceal, os anos escolar e lectivo não eram absolutamente concordantes, mas aproximavam-se dos do ensino primário. Por disposições de 4 de Maio de 1935, foi estabelecido que o ano escolar começasse em 1 de Abril e terminasse em 30 de Janeiro; o ano lectivo iria de 4 de Abril a 23 de Dezembro.
Na mesma data, 8 de Fevereiro de 1933, foi estabelecida nova divisão territorial, quanto ao ensino primário. A primeira circunscrição escolar, de Luanda, abrangia as então províncias de Luanda e Malanje; a segunda circunscrição, sediada em Nova Lisboa, compreendia as de Benguela e Bié; a terceira circunscrição, em Sá da Bandeira, estendia-se por toda a província da Huíla. Declarava-se, expressamente, que esta divisão substituiria, para todos os efeitos, a que fora estabelecida em 26 de Novembro, atrás referida.
Em 12 de Março de 1938, foram introduzidas importantes alterações na estrutura escolar angolana, que punham em vigor, neste território, as determinações de 27 de Julho anterior. Passaram a admitir-se crianças de seis anos de idade, sempre que os estabelecimentos de ensino pudessem comportá-las, e foram abertos os postos escolares já previstos pelo diploma legislativo em questão, o de 27 de Julho de 1937. Foi ordenado ainda que se estabelecessem normas de apuramento do aproveitamento dos alunos, diferentes das que eram usadas até então.
Em 8 de Janeiro de 1941, foram extintas as circunscrições escolares. Tinham sido estabelecidas, como vimos, em número de quatro (Luanda, Malanje, Nova Lisboa e Sá da Bandeira), a 19 de Agosto de 1929, tendo a de Malanje sido extinta e englobada na de Luanda em 26 de Novembro de 1931, e feita nova remodelação em 8 de Fevereiro de 1933. Em substituição das circunscrições foram criadas as zonas escolares, correspondentes às províncias que então havia.
Recordamos que houve tempo em que tivemos cinco províncias —- Luanda, Malanje, Benguela, Bié e Huíla —- e houve outra ocasião em que se criou a província do Congo e estabeleceu o concelho autónomo de Luanda, alguns anos mais tarde.
Em cada zona escolar haveria um director, encarregado dos problemas disciplinares e administrativos do ensino primário, escolhido entre os professores efectivos, sob proposta do chefe dos Serviços de Instrução Pública. Podia ser dispensado da actividade docente, embora em princípio estivesse obrigado a exercê-la.
Os inspectores escolares deixariam de fazer parte das juntas do ensino e teriam a missão de orientar pedagogicamente os professores, prestando-lhes assistência e dando-lhes apoio, de acordo com a orientação recebida do chefe dos Serviços de Instrução.
Vem a propósito dizer que nunca houve em Angola, por parte dos responsáveis pelos problemas escolares, a decidida intenção de criar nos agentes do ensino verdadeira dedicação pela escola, a qualidade que mais e melhor poderia contribuir para a solução dos diferentes problemas pedagógicos. A pouco e pouco —- e sem que as autoridades escolares se apercebessem disso, ou então apercebendo-se e deixando culposamente deteriorar a classe, tornando pouco produtivo um dos mais importantes sectores da vida pública —- foi-se perdendo o interesse pela boa preparação dos alunos transformando um núcleo que outrora registara dedicação exemplar num grupo que punha acima de tudo as suas conveniências, interesses e simpatias. Houve responsáveis que atendiam demasiadamente aos resultados pecuniários, sacrificando-lhes o cumprimento dos seus deveres. Começou e exigir-se uma perfeição didáctico-pedagógica um tanto artificiosa, para que os agentes do ensino não estavam preparados, que não estavam dispostos a adoptar, de cujos resultados duvidavam, entrando-se assim sistematicamente no caminho da duplicidade...
Os agentes da inspecção estavam obrigados a fazer, pelo menos, duas visitas anuais a cada estabelecimento de ensino. Teriam entre si uma reunião por ano, efectuada sob a presidência do chefe dos Serviços de Instrução Pública, a fim de trocarem impressões, estabelecerem normas de actuação, discutirem as propostas apresentadas. Os inspectores fiscalizariam também a acção dos directores das zonas escolares, fariam os inquéritos superiormente determinados, colaborariam no estudo e na elaboração de programas, livros didácticos (o mal começou a entrar por aqui), legislação a promulgar; proporiam a criação, a transferência ou a extinção de escolas e postos escolares, conforme vissem ser mais conveniente para o bom funcionamento do serviço e o interesse das populações.
O diploma que temos estado a seguir e a comentar determinava ainda que a nomeação dos júris de exame para o ensino primário pertenceria ao chefe dos Serviços de Instrução Pública, tendo passado mais tarde, e incompreensivelmente, para as atribuições dos governadores de distrito.
Em 9 de Janeiro de 1937, foi criado o lugar de adjunto do chefe da Repartição Central de Instrução Pública, que seria ocupado pelo inspector do ensino primário de Luanda. Este pormenor poderá ajudar-nos a compreender o aumento de serviço registado, que obrigou a tomar medidas tendentes a dar-lhe satisfação.
Muito curiosa e interessante é a disposição expressa no regulamento de passagens de classe e exames do ensino primário geral, aprovado em 24 de Outubro de 1936. Por ela ficamos a conhecer a localização dos júris de exame final e, consequentemente, a relativamente pequena expansão da escolaridade; permite-nos avaliar os sacrifícios que aos alunos, na maior parte dos casos crianças pequenas, e às respectivas famílias eram exigidos para poderem obter o seu diploma...
Na primeira circunscrição escolar, com sede em Luanda, os exames realizavam-se apenas na capital e em Santo António do Zaire, Salazar, Uíge, Malanje e Henrique de Carvalho; na segunda circunscrição, os júris funcionavam na sua sede, Nova Lisboa, e em Benguela, Novo Redondo, Ganda, Quibala, Silva Porto e Luso; quanto à terceira circunscrição, os alunos poderiam prestar provas em Sá da Bandeira, Moçâmedes e Caconda.
Cada uma destas localidades congregava os candidatos residentes e a frequentar as escolas dos respectivos concelhos e dos municípios mais próximos, expressamente indicados no texto regulamentar.
Em 11 de Novembro de 1938, o novo regulamento alargava os exames a todas as escolas oficiais.
Por determinação superior, assinada em 27 de Maio de 1942, o chefe dos Serviços de Instrução Pública, em Angola, viu alargadas as suas atribuições, sendo delegada neste funcionário superior, em numerosos pontos, a competência que até então pertencia ao governador-geral. Tomou esta decisão o primeiro magistrado, Álvaro de Freitas Morna. Segundo aquele diploma, o chefe dos Serviços de Instrução poderia:
—Autorizar o seu pessoal a apresentar-se à Junta Médica;
—Conceder licenças disciplinares para serem gozadas em Angola;
—Conceder licenças graciosas, que poderiam ser gozadas no exterior;
—Autorizar os professores a passar férias fora da localidade
em que prestavam serviço;
—Dar posse aos funcionários dele dependentes;
—Liquidar o tempo de serviço;
—Assinar apostilhas nos diplomas de funções públicas;
—Mandar passar certidões de registos e cadastros, que teria
de assinar;
—Atender reclamações relativas à qualificação
docente;
—Assalariar e despedir pessoal eventual;
—Autorizar a restituição de documentos dispensáveis,
existentes nos arquivos e processos individuais;
—Assinar a correspondência a ser enviada para o Ministério
das Colónias;
—Autorizar pequenas despesas, inferiores a cinco contos;
—Preparar e autorizar a abertura de concursos para o provimento de
lugares;
—Aprovar e mandar publicar a lista dos concorrentes no Boletim Oficial
de Angola;
—Transferir postos escolares de uma localidade para outra.
Começa aqui a dar-se ao responsável pelo sector da Educação a verdadeira importância que o cargo exercido merecia que lhe fosse dada, passando a ser responsável directo e imediato pelo andamento de muitos problemas e solução de inúmeras dificuldades burocráticas. A sua liberdade, contudo, não era tão grande como os diplomas legais aparentavam; estava sujeito às pressões dos políticos locais e de Lisboa; nem sempre encontrava nos subordinados o apoio, ajuda e compreensão de que carecia; o movimento da máquina administrativa era lento, exerciam-se influxos emperrantes, pois eram muitos os que dificultavam sem nada recear e poucos os que facilitavam, temendo consequências desagradáveis.
Em 26 de Março daquele ano de 1938, foi assinada uma determinação legal que permitia, aos indivíduos com mais de dez anos, a admissão a provas de exame extraordinário do ensino primário elementar, por motivo da deslocação de seus pais ou encarregados de educação para fora do território. O regulamento em vigor já previa exames extraordinários para indivíduos maiores de dezoito anos; verificou-se que as condições de vida e as circunstâncias especiais que aqui se manifestavam exigiam maior flexibilidade de critério e maior benignidade, não sacrificando os habitantes ao cumprimento farisaico da lei, feita para os servir e não para os oprimir.
A portaria do Governo-Geral de Angola, com data de 26 de Março de 1938, reconheceu haver muitos pedidos de diplomas para o exercício do ensino particular. Por isso se via ser indispensável garantir às populações a confiança nos serviços e na fiscalização exercida pelo Estado. Reconheceu- se ser conveniente exigir um mínimo de preparação intelectual legal aos candidatos ao cargo de professor, mesmo em estabelecimentos de ensino que não estavam directamente sob a responsabilidade do Estado, incluindo também aqueles que pretendessem exercer esta actividade no âmbito individual, e assentou-se que deveria ser exigido, como preparação escolar mínima, o curso geral dos liceus ou habilitações equivalentes. Para preparar professores que exercessem a sua actividade nas escolas agrícolo-pecuárias, estas a cargo do Estado, instituiu-se um estágio de prática do ensino na Escola Elementar Profissional da Casa dos Pobres, em Luanda, e pensou-se em estabelecer outro na Escola Elementar Agrícolo-Pecuária de Catete, que funcionava anexa à Estação Experimental do Algodão.
A realização da Exposição-Feira de Luanda, no ano de 1938, foi evento de grande repercussão em Angola. Por motivo deste conhecido e ao tempo famoso certame, a portaria de 2 de Julho desse ano determinou que as férias do ano lectivo de 1938-1939 fossem alteradas, juntando num único período as de 1/15 de Julho e de 1/7 de Outubro, que passariam para 1/20 de Agosto. Pretendia-se dar aos professores e alunos a possibilidade de ministrarem e receberem valiosas lições de coisas, durante as visitas efectuadas, quer individualmente quer em grupo. Aconselhava-se que estas deveriam ser conveniente e meticulosamente preparadas. Houve ainda outras alterações dos períodos lectivos, que não interessa definir aqui. As férias de Natal, por exemplo, abrangeriam apenas os dias 24/26 de Dezembro; e, nos estabelecimentos de grau superior ao primário, os dias 29 e 30 de Dezembro seriam ocupados pelas sessões dos conselhos escolares para apuramento dos resultados, confirmação do aproveitamento dos alunos e registo da frequência. Hoje torna-se incompreensível o motivo das alterações!
Por portaria de 18 de Novembro de 1939, foi determinado que se fizessem exames de admissão aos liceus, instituídos em Angola pelo decreto de 21 de Julho anterior, que pôs em vigor neste território o de 5 de Junho de 1935. Deveriam efectuar-se no período que vai de 22 de Janeiro a 10 de Fevereiro de cada ano.
Em Luanda, prestariam provas de exame os candidatos residentes nas províncias de Luanda e Malanje e no distrito de Cuanza-Sul, que pertencia à província de Benguela. E em Sá da Bandeira fariam exame os alunos das províncias de Bié e Huíla e dos distritos de Benguela e Huambo, da província de Benguela. Temos de aceitar que pouca preocupação houve para facilitar a vida dos cidadãos, pois todas as crianças interessadas eram forçadas a congregar-se nas duas cidades que tinham liceu. Pouco depois veio a reconhecer-se que estas provas poderiam realizar-se sem dificuldade em outras localidades. Efectivamente, em 6 de Março de 1940, foi determinado que se realizassem os exames de admissão aos liceus em todas as povoações em que houvesse exames liceais, mesmo que fossem apenas os do Primeiro Ciclo, nos termos da portaria de 31 de Dezembro de 1938, desde que houvesse pelo menos vinte candidatos a esses exames. Seriam efectuados pelos respectivos júris e as despesas que acarretassem correriam por conta das câmaras ou comissões municipais locais. Não podemos deixar de estranhar que fosse estabelecido um número mínimo tão elevado, que tornava impraticável em grande número de casos a prestação de provas.
Poderia admitir-se que houvesse a intenção de incentivar directa ou indirectamente os pretendentes, que se tornariam promotores e angariadores de novos candidatos, para poderem satisfazer as exigências, evitando deslocações cansativas, enormes sacrifícios e elevadas despesas. No entanto, mais lógico será admitir que as facilidades oferecidas pouca influência poderiam exercer quanto à difusão do ensino, tornando-se completamente improfícuas.
Em 21 de Julho de 1943, foi determinado que daí em diante passasse a exigir-se a apresentação do certificado de vacinação antivariólica para a matrícula em todas e quaisquer escolas de Angola. Esse documento deveria, sempre que possível, ser passado pelos delegados de saúde de cada concelho. O regulamento da vacina contra a varíola vinha já de 16 de Setembro de 1911, mas nessa altura não se prestou a merecida atenção à profilaxia escolar, pois a actividade estudantil não era tida ainda na devida consideração, tanto em Portugal como em qualquer dos territórios que administrava, incluindo Angola, como já tivemos ocasião de verificar.
Não descurando o assunto profilático, em 17 de Novembro seguinte, estabeleceu-se a obrigatoriedade de os Serviços de Saúde constituírem brigadas sanitárias para procederem à inspecção das escolas oficiais e particulares de todo o território, no início e no fim de cada ano escolar. Seriam formadas por um internista, um estomatologista, um otorrinolaringologista e um oftalmologista. Onde estas brigadas não pudessem chegar, deveria deslocar-se lá o delegado de saúde. O serviço prestado à população escolar seria inteiramente gratuito para todas as crianças ou adolescentes, ricos ou pobres. Exigia-se que fossem lavradas fichas médicas de cada um dos estudantes observados; ficariam arquivadas no estabelecimento de ensino e seriam zelosa e cuidadosamente conservadas. Depois de feita a observação clínica, seria indicado o tratamento conveniente, e recomendadas consultas de especialistas que fossem reputadas necessárias ou simplesmente se reconhecessem aconselháveis.
O vocábulo "internista", transcrito do diploma, com significação mal definida, deve levar-nos a entender que o indivíduo visado seria médico de clínica geral e deveria ter feito estágio nos hospitais públicos.
A medida a que acabamos de fazer referência recorda-nos outra, de vinte e dois anos antes. Por diploma com a data de 7 de Outubro de 1921, os médicos de Luanda, Dr. Luís Baptista da Assunção Velho (que chegou a ser professor do Liceu Salvador Correia), Dr. Manuel do Nascimento de Almeida (também professor do Liceu de Luanda), Dr. João Lopes da Cruz Júnior e Dr. Miguel dos Santos (responsável pelo Serviço de Estomatologia do Hospital D. Maria Pia), foram encarregados de estudar em conjunto a forma mais prática e eficiente de exercer assistência sanitária nas escolas de Angola, quer nos estabelecimentos de ensino literário quer nos de ensino técnico, na linguagem da época.
Não possuímos informações que nos levem
a concluir quais os resultados obtidos, que talvez não tenham sido
satisfatórios, pois se o fossem deixariam memória. Não
queremos deixar de registar o facto de já então se atender
ao papel que as escolas poderiam desempenhar, para defesa da sanidade geral
e das condições higiénicas, profilácticas e
dietéticas das populações. Com um pouco de boa-vontade
e de optimismo, podemos ver nesta disposição um antecedente
remoto da Saúde Escolar, sector da actividade médica
e administrativa que nem sempre foi compreendido e apreciado, que poucas
vezes teve quem lhe dedicasse o necessário e indispensável
interesse.
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