A noite, uma comunidade
Durante a noite, a cidade se converte num cenário
povoado de personagens unidos por um código e uma linguagem únicos,
como verdadeiros membros de uma comunidade que tem algo de sociedade secreta.
E apenas por intermédio dos habitantes dessa hora, do contexto em
que atuam, das forças que os movem e as que eles mesmos geram, que
poderemos chegar ao esboço de uma psicossociologia da noite. O tema
se manteve salvo para os poetas como um tabu inviolável.
talvez pela inquietação que seu conteúdo terrível
e sexual despertou desde sempre em pesquisadores e censores.
A noite implica um comportamento diferente
do que o praticado no transcurso do dia. A tensão vital baixa, as
defesas e os mecanismos de autocensura se debilitam, amparados por um âmbito
social que se torna permissivo, indulgente.
A mudança se dá em três
níveis; biológico, psicológico e cultural. Tomando
como modelo um exemplo orgânico, será mais fácil a
compreensão de aspectos psicológicos e sociais do acontecer
noturno. O sono é cúmplice de uma dramatização
fugaz. mais brilhante que a realidade: o sonho. Da mesma maneira, a escuridão
da noite origina essa outra forma de vida, que desliza num clima onírico
que exalta as fantasias e no qual é possível toda metamorfose
e troca de papéis. Em suma, essa conduta noturna participa de muitas
das características do 50nho. Assim como no sonhar algumas pessoas
substituem outra e os desejos reprimidos se satisfazem simbolicamente,
na noite a mulher que se perdeu pode ser substituída por outra,
e um erotismo que não encontra oportunidade de se concretizar se
desloca para o baile.
A alternância entre o dia e a noite
determina a alternância de condutas, condiciona o aparecimento de
aspectos bem diferenciados do eu, quase uma dupla vida que nos faz recordar
um caso arquetípico e extremo: a Madona das sete luas. Durante o
dia, o homem tem suas horas planejadas pelo trabalho, está sujeito
a uma ética de produtividade, ao passo que a noite lhe abre a possibilidade
do lazer
Este vazio é que faz surgir um personagem:
o noctívago. Éele quem mais sente a angustiante solidão
noturna, inevitavelmente aparentada ao medo da morte. Busca então
uma companhia que lhe permita superar essa fobia da noite. Sua insegurança
o leva a se agrupar, a constituir uma "patota" que compartilha de uma mesma
ideologia. As amizades da noite têm características particulares
de lealdade e grau de comunicação.
O noctívago é um claustrofóbico,
sente-se sufocando entre as quatro paredes de sua casa. Foge, então,
mas a substitui por um lugar determinado - o café, por exemplo -
no qual "faz ponto' habitualmente.
O mundo noturno tem sua própria moral,
sua própria escala de valores. Por ser a hora da solidão,
é também a de uma busca desesperada de comunicação.
O noctívago sai de sua casa com a fantasia de um encontro, ou de
um reencontro; geralmente só consegue uma aventura na qual, embora
pareça paradoxal, o sexual não é o mais importante:
o necessário é o contato.
Em face dessa conduta do indivíduo,
a sociedade responde proporcionando-lhe urna estrutura que lhe permita
institucionalizar sua evasão. Um autêntico mercado de diversões
no qual o noctívago age como consumidor e no qual os véus
mais sutis ou as formas mais Vitimares envolvem o mesmo produto: O sexo.
Quando uma cidade cresce, o ritmo
da vida noturna e o sexo se transformam em produtos de consumo. O fato
revela urna crise social na qual a satisfação de necessidades
se torna inadiável. Tudo se reveste de um caráter urgente,
já que não há pretextos de longo alcance: só
importa o aqui e agora. Essa vida compulsiva de diversões está
ligada a uma economia de desperdício porque o dinheiro não
tem valor estável. Aparecem lugares hierarquizados, exclusivos,
nos quais o consumidor reúne, ao lado do prazer da diversão,
uma satisfação para sua necessidade de prestígio.
A ânsia por identificar-se com as elites de poder e dinheiro desencadeia
uma submissão às leis da moda que regem tanto o vestuário
quanto os lugares de reunião. Nesse mundo noturno vive-se numa permanente
situação de impostura, já que a noite permite a escamoteação
e o disfarce.
Mas a sociedade não
age apenas como cúmplice: é também censura e controle.
A institucionalização, o caráter público que
se dá aos lugares de diversão facilita o controle. Uma boate,
um bar e até um denso circuito de ruas escuras, por estarem sujeitos
a um certo tipo de regulamentação, parecem menos pecaminosos.
Essa vigilância social diminui o sentimento de culpa daqueles que
freqüentam a noite e tranqüiliza as consciências das autoridades
que exercem a função moralizadora.
fonte: ver creditos
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