Introdução

JASÃO FOI ENVIADO por Pélias numa expedição ao fim do mundo, a fim de recobrar o Velocino de Ouro, emblema de soberania. Quando Jasão voltou com a noiva, Medéia, Pélias foi fervido num caldeirão para rejuvenescer. A estória é uma versão da façanha por meio da qual se escolhe o Suplantador. O emblema da imortalidade, que o herói traz do nascente, provoca a morte do rei; os reis tornam-se imortais pela morte sacrificial. O feito de Jasão é também comunal e geográfico, e esses dois atributos talvez reflitam a situação da Idade Micênica bem como a do período ulterior de colonização, quando os gregos penetraram o mar Negro. Na Antiguidade o Velo de Ouro era racionalizado como um verdadeiro velo de carneiro, em que os habitantes da Cólquida guardavam o pó de ouro retirado de um rio. A Grécia micênica foi culturalmente unificadas, e as proezas comunais talvez reflitam a política do tempo. Mas o grupo de Jasão é também uma coleção tradicional de ajudantes, cada um dos quais contribui com uma habilidade especial. Muitas de suas aventuras ensejaram aos ajudantes a ocasião de exibir tais habilidades; outras explicam rituais, e outras ainda podem ser memórias autênticas de viagens de exploração. Grande parte da saga foi transferida para a Odisséia, como as peregrinações de Ulisses entre Tróia e a Feácia. Realizava-se em Lemnos uma cerimônia anual de combate, provavelmente parte de algum culto da fertilidade, que culminava numa orgia, como o desembarque dos argonautas. Um deus morituro da vegetação, Hilas, era anualmente chorado em Mísia. As Harpias, que assemelhavam, ao mesmo tempo, as górgonas e as sereias, talvez fossem outrora as guardiãs do Velocino, tendo Fineu por sentinela. Mas este foi cegado pelo Sol, por haver revelado o caminho. Figuram, porém, na estória para permitir aos filhos de Bóreas que exibiam seus poderes, assim como Pólux, o pugilista, derrota Âmico. As Rochas Azuis movediças sugerem icebergs, mas como destroem as pombas que trazem ambrósia para Zeus, o que elas protegem deve ser a Água da Vida. Os rituais mais primitivos do sacrifício do filho podem ser seguramente atribuídos aos habitantes da Cólquida: os membros de seu irmão, jogados por Medéia, são uma torva variante dos objetos mágicos lançados na Fuga do Feiticeiro. Jasão foi finalmente identificado como herói naval em Corinto, onde uma cerimônia anual chorava a morte de seus filhos. Jasão anunciou a expedição em busca do Velocino de Ouro, e todos os heróis da Grécia se juntaram a ele no afã de conquistar glórias. Argos, filho de Frixo, construiu um navio, para acalmar o espírito de seu pai. Atena colocou na proa um ramo falante do carvalho profético de Zeus em Dodona, e chamou ao navio Argo e aos heróis, argonautas. Eles zarparam de Iolco, entre as ilhas, no rumo de Lemnos. Ali não encontraram homens, apenas mulheres, que Afrodite afligira com um cheiro abominável, por não lhe haverem prestado as honras devidas. Daí que seus maridos houvessem tomado concubinas, mulheres cativas da Trácia, insultando as esposas, que os mataram a todos - maridos, filhos, pais e irmãos. Somente o rei Toas foi salvo por sua filha, Hipsípile. As mulheres de Lemnos choraram seus homens até que os argonautas desembarcaram, quando Afrodite as curou de seu mal, de modo que os argonautas puderam amá-las. Mas os argonautas deixaram seus filhos e meteram a proa em direção do Helesponto. E quando as mulheres de Lemnos descobriram que Hipsípile salvara o pai, venderam-no como escrava para Corinto com o filho, onde os Sete a encontraram ao chegar a Tebas. Os argonautas seguiram viagem para Cizico. Em Cizico, o rei homônimo - pois dera à sua cidade o próprio nome - recebeu-os com bondade. Os argonautas partiram à noite mas, encontrando ventos contrários, voltaram para a costa, sem saber que a terra a que chegavam era a terra que haviam deixado. Os cizicenses, ignorantes também do acontecido, agrediram-nos. Travou-se uma batalha, em que os argonautas mataram todos os adversários, incluindo o próprio Cizico. De manhã, choraram-no e sepultaram-no, e os cizicenses continuaram a chorá-lo por muito tempo. Em seguida, os argonautas desembarcaram em Mísia, e o jovem Hilas dirigiu-se a uma fonte em busca de água. As ninfas viram o rapaz, amaram-no e levaram-no consigo, para que vivesse com elas. Como ele não regressou, Héracles pôs-se a vagar pelas colinas à sua procura, chamando-o pelo nome. Assim Héracles deixou os argonautas, que se foram para a cidade dos bebrícios, cujo rei era Âmico. Este exigia de quantos desembarcassem em sua terra que medissem forças com ele e, assim, matara muitos viajantes. Mas depois que chegaram os argonautas, Âmico nunca mais lutou: pois Pólux, um dos filhos gêmeos de Zeus e Leda, o enfrentou e derrubou. Depois os argonautas passaram pelo Bósforo e aproaram para o norte, pois não sabiam o caminho da Cólquida. Apareceram em Samidessos, onde o rei Fineu, que era cego, os recebeu com bondade e lhes ofereceu um banquete, mas um par de harpias aproximou-se da mesa, arrebatou a comida e emporcalhou o resto. Neste momento, Zetes e Cálais, filhos alados de Bóreas, o Vento do Norte, levantaram-se, sacaram as espadas e afugentaram os imundos pássaros com cabeças humanas. Ora, queria o destino que os filhos de Bóreas morressem se falhassem na caçada, e as Harpias também, se não conseguissem escapar. Quando chegaram às Estrófades, as ilhas do vento que muda, tanto uns quanto as outras, exaustos, fizeram um pacto, jurando as harpias nunca mais voltar à casa de Fineu: assim permaneceram vivos os dois pares. Muito agradecido, Fineu revelou aos argonautas o caminho do Cólquida. Ele o conhecia e revelara-o a Frixo; como castigo, tivera de optar entre a morte e a cegueira, e preferia a cegueira. Por isso o Sol, pai de Eetes da Cólquida, enviara as harpias contra Fineu - por haver desprezado a sua luz e atraiçoado seu filho. Entretanto, os argonautas partiram na direção das Rochas Movediças. Erguidas à entrada do mar Negro, as Rochas Movediças impediam que alguém se dirigisse à Cólquida, e não deixavam passar navio algum. Nem sequer as pombas de Zeus as transpunham incólumes. Quando elas traziam a Zeus a ambrósia, o alimento da imortalidade, procedentes do levante, uma sempre se perdia, e o Pai era obrigado a substituí-la. Hera guiou o Argo através das rochas, mandando primeiro uma pomba, que fez com que as pedras se entrechocassem. Quando elas repincharam, os heróis remaram a toda pressa e o navio passou por elas, perdendo apenas a ponta da popa. A partir de então, as rochas se fixaram em seus lugares. Os argonautas prosseguiram rumo ao leste e chegaram ao grande rio de Fasis e à Cólquida. Jasão pediu ao Rei Eetes que entregasse o Velocino e os ossos de Frixo, cujo espírito não descansaria enquanto eles não voltassem à Hélade. Eetes estabeleceu condições para Jasão: unir os bois de bronze que vomitavam fogo e semear os dentes do dragão. Mas sua filha Medéia amou Jasão; deu-lhe um ungüento mágico e ensinou-lhe a maneira de instigar uns contra os outros os homens armados que nasciam dos dentes do dragão, atirando uma pedra ente eles. Assim, Medéia atraiçoou o pai e, com a sua ajuda, Jasão realizou as façanhas. Eetes planejou, então, matar Jasão. Mas Medéia conhecia a trama, procurou o herói e levou-o para o Bosque Sagrado de Ares, durante a noite. Com sua arte amansou a cobra que guardava o bosque e, se bem a cobra engolisse Jasão, vomitou-o a pedido dela. Jasão apoderou-se do Velocino de Ouro e dos ossos insepultos de Frixo e, com Medéia, levou-os para Argo e zarpou incontente, descendo o rio Fasis. Eetes perseguiu-os, enraivecido, pois Medéia levara também o filho dele, Absirto. Quando Eetes se aproximava do Argo, Medéia matou Absirto e atirou-lhe os membros, um por um, no caminho do pai, que teve que parar para recolhê-los e sepultá-los, a fim que a alma do filho não o perseguisse. Assim escaparam os argonautas, que cortaram rumo da Ilha de Circe. Circe era irmã de Eetes, mas purificou-os depois do assassinato. Os argonautas subiram a Danúbio, desceram o Pó e chegaram a Ea. Finalmente aportaram na África do Norte, e levaram Argo até o Golfo de Sirtis, onde Tritão foi encontrar-se com eles, entregando um torrão de terra ao argonauta Eufêmio e dando-lhe assim Sirene. Os argonautas regressaram a Iolco com o Velocino, e Pélias recebeu-os com bondade. Mas Pélias era inimigo de Jasão e, nesse intervalo, matara-lhe os pais - acreditando insensatamente que Jasão pereceria na viagem. Medéia prometeu mostrar às filhas de Pélias o que deveriam fazer para rejuvenescê-lo outra vez. Ferveu um velho carneiro num caldeirão e, usando suas ervas mágicas, fez surgir um cordeirinho novo em lugar do velho carneiro. As filhas do rei, Acleste, Evadne e Anfínome, fizeram o mesmo com o pai, mas, sem as ervas, Pélias morreu; Acasto, seu filho, sepultou-o e realizou jogos em sua honra. Acasto expulsou Jasão e Medéia da Tessália, e os dois levaram o Velocino de Ouro para Orcômeno, pendurando-o no templo de Zeus. A seguir, ambos seguiram para Corinto, onde viveram e tiveram filhos. O Rei de Corinto tinha uma filha, Gláucia, que amava Jasão, e o rei lhe deu Gláucia por esposa, para que Jasão pudesse ser seu herdeiro. Jasão, porém, não encontrou alegrias neste casamento, pois Medéia, tomada de cólera, enviou a Gláucia um vestido de noiva empeçonhado; Gláucia vestiu-o e foi consumida pelo fogo. Em seguida, Medéia matou os próprios filhos com uma espada, e fugiu para Atenas num carro tirado por serpentes, onde o pai já idoso de Teseu casou com ela. Jasão governou Corinto sem filhos, e dedicou a proa de Argo a Posseidon. Ia, às vezes, sentar-se debaixo dela, recordando o passado. Um dia, ela caiu sobre ele e matou-o.


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