MEUS POETAS PREFERIDOS

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só as que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

Fernando Pessoa

Soneto da Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do amor ( que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinícius de Morais

Motivo

"Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

-não sei, não sei. Não sei se fico

ou se passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

Cecília Meireles

O homem; as viagens

O homem, bicho da Terra tão pequeno

Chateia-se na Terra

lugar de muita miséria e pouca diversão,

faz um foguete, uma cápsula,um módulo

toca para a Lua

desce cauteloso na Lua

planta bandeirola na Lua

experimenta a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra

O homem chateia-se na Lua

Vamos para Marte – ordena as suas máquinas.

Elas obedecem, o homem desce em Marte

pisa em Marte

experimenta

coloniza

civiliza

humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizada, que lugar quadrado

Vamos à outra parte?

Claro – diz o engenho

sofisticado e dócil

Vamos a Vênus.

O homem põe o pé em Vênus,

vê o visto – é isto?

idem

idem

idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter

proclamar justiça junto com injustiç

repetir a fossa

repetir o inquieto

repetitório.

Outros planetas restam para outra colônias.

O espaço todo vir Terra-a-Terra

O homem chega ao Sol ou dá uma volta

Só para temer?

Não vê que ele inventa

roupa insiderável de viver no Sol.

Põe o pé e:

Mas que chato é o Sol, falso touro

espanhol domado.

Restam outros Sistemas fora

do solar a colonizar

Ao acabarem todos

só resta ao homem

(estará equipado?)

a dificílima dangerosíssima viagem

de si a si mesmo:

pôr o pé no chão

do seu coração

experimentar

colonizar

civilizar

humanizar

o homem

descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas

a perene,insuspeitada alegria

de con – viver.

Carlos Drummond de Andrade

 

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