No século passado os jovens
galanteavam as mocinhas com juras de amor eterno, comparando-as à beleza do ceú,
do mar e das flores. Tudo em trabalhados sonetos.
As moçoilas adoravam.
Numa chuvosa manhã de 1849, a sinhá-moça
Honorata Cerqueira de Resende recebeu das mãos de uma mucuma (escrava de
serviços caseiros) versos enviados por um presumível e misterioso admirador.
O coração de Honorata palpitou de alegria ao
receber o papel perfumado. "Oh!!"
Leu os versos uma vez, duas, três, quarto, cinco e
nada entendeu. Ficou decepcionada e perplexa.
Honorata pediu ajuda de amigas mas elas também
não entenderam patavina.
Uma cópia dos versos apareceu na Faculdade do
Largo de São Francisco e os estudantes, entre gargalhadas, decifraram logo o
enigma.
Os versos eram bestialógicos - versos bem feitos,
bem metrificados, com boa rima mas sem nenhum sentido, sem pé nem cabeça.
Para os estudantes, o autor dos versos só podia
ser Bernardo Guimarães, o Rei do Bestialógico.
Bernardo nunca assumiu a autoria da brincadeira,
talvez porque o pai da moça, o coronel João Cerqueira de Resende, não era
dado às letras e muito menos à bestialogia. Mas o estilo dos versos é de B.G.,
conforme se pode verificar abaixo.
Nas tascas imbecis da tesa Grécia,
Perdia-se um baú o rei tetrarca.
E em batéis de elixir metia a Parca
Fingindo amor à póstera Lucrécia.
De que te vale um lírio se, na
sécia,
Te deres de deitar o vil monarca
No fundo do barril da Dinamarca
Só p'ra listrar um gato com facécia?
Costurando os espaços do pagode,
Entre as mil sanguessugas perfumadas
Galileu segurava o pé de um bode.
Assim eu ponho o mérito das fadas
Nas casacas tiranas de um bigode
Por não te ver entre as sílfides rimadas.
Esse causo está registrado no livro E assim nasceu a Escrava Isaura,
de José Armelim, neto de B.G. |