O Ano Missionário
1. Na Carta Pastoral sobre o Espírito Santo, Senhor que dá a Vida, dissemos que o ano de 1998 por ser aquele que é consagrado à Pessoa do Paráclito no triénio preparatório do Grande Jubileu do Ano 2000 é naturalmente um Ano Missionário1.
Foi a vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos reunidos no Cenáculo que deu origem à actividade missionária da Igreja. São Lucas resume nas seguintes palavras esse acontecimento extraordinário: "Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em diversas línguas, conforme o Espírito os impelia que falassem". Os ouvintes "peregrinos que tinham vindo a Jerusalém para a festa tradicional judaica ao ouvirem as palavras de Pedro, acabaram por perguntar: "Que devemos fazer?" E converteram-se cerca de três mil pessoas, que se "agregaram" ao pequeno grupo saído do Cenáculo (cf. Actos 2, 4-41).
Ao longo de vinte séculos esse acontecimento decisivo do Pentecostes tem vindo a repetir-se, estendendo-se a todos os continentes. Portugal pode dar graças a Deus por ter sido chamado, na época das descobertas, para anunciar o Evangelho em vários pontos do globo. Mas há muita gente, em todo ele, a quem não chegou ainda a Boa Nova de Jesus Cristo. Daí o apelo constante da Igreja, apelo que ela repete, de maneira insistente, agora pela boca de João Paulo II: "Que cada um de vós se torne hoje testemunha audaz do Evangelho de Jesus Cristo, indo ao encontro de tantas vidas famintas de Deus"2.
2. Cremos que é chegado o momento de todos os cristãos de Portugal darem uma resposta generosa ao apelo que o Santo Padre faz a "cada um" de nós. Queremos, pois, que o ano de 1998 seja, para todos, Ano do Espírito, Ano da Missão.
Não faltaram, entre nós, em séculos passados, missionários que levassem a outros povos e a outros continentes o anúncio evangélico, destacando-se, entre eles, S. João de Brito, no Oriente, e o Padre António Vieira, no Brasil. Se é importante evocar aqui a memória de missionários que partiram deste pequeno país até para que o seu exemplo nos estimule não podemos deter-nos em tempos que já não são os nossos. Como tivemos oportunidade de escrever a propósito do V Centenário das Descobertas, importa que "as comemorações de um passado histórico [...] desenvolvam nas nossas comunidades o espírito de missão"3, além de que a primeira das prioridades pastorais da Igreja em Portugal é edificar comunidades vivas de fé, de amor e de dinamismo missionário4.
3. O Ano do Espírito convida-nos, consequentemente, a rejuvenescer a vida interna da Igreja e a projectá-la para um forte dinamismo de anúncio aos povos que ainda não conhecem Jesus Cristo. «As Igrejas particulares e as instituições de vida consagrada dão sinais de vitalidade quando se esquecem de si mesmas, até da escassez de recursos humanos, para obedecerem ao mandato do Senhor: "Ide pelo Mundo Inteiro"» (Mt 28, 6)5.
No âmbito nacional, o centro das celebrações do Ano Missionário será Fátima. Conforme está previsto na programação do Santuário, da Páscoa até Outubro de 1998, todos os peregrinos que ali forem terão oportunidade de descobrir o apelo evangélico à conversão e à alegria de proclamar ao mundo inteiro a Boa Nova de Jesus. São do Papa João Paulo II as seguintes palavras: "Da Cova da Iria parece desprender-se uma luz consoladora, cheia de esperança, que diz respeito aos factos que caracterizam o fim do segundo milénio... Será pois necessário despertar e alimentar em todas as comunidades uma viva consciência missionária"6.
4. O espírito do Ano Missionário impregnará, por certo, todas as actividades eclesiais deste ano de 1998. As dioceses e paróquias prosseguirão o esforço de revitalizar o espírito evangelizador e missionário de todos os cristãos. Neste campo têm uma especial missão os Institutos Missionários, hoje ainda "absolutamente necessários não apenas para a actividade missionária ad gentes, como é sua tradição, mas também para a animação missionária, tanto nas Igrejas de antiga tradição cristã, como nas mais jovens"7. Que tal animação, especialmente neste ano, seja um meio eficaz para renovar a Igreja e a tornar mais sensível e solidária com os anseios e esperanças, angústias e sofrimentos que atingem as mulheres e os homens do nosso tempo.
Indicamos, para isso, algumas perspectivas de acção:
a) Edificar comunidades vivas de fé, de amor e de dinamismo missionário, que ajudem a construir a Igreja que desejamos8.
b) Aprofundar o espírito de oração com preocupações universais9.
c) Valorizar a ascese de vida em solidariedade com os mais pobres.
d) Sensibilizar as comunidades eclesiais, no sentido de despertarem vocações missionárias e de voluntariado ao serviço do desenvolvimento10.
e) Criar uma consciência viva de solidariedade e cooperação com as Igrejas mais carenciadas11.
f) Difundir informação missionária que mostre a riqueza das jovens Igrejas do terceiro mundo, ajude a descobrir os valores das diferentes culturas e contribua para desenvolver o espírito de paz e compreensão entre os povos.
g) Coroar o Ano Missionário, em Outubro, mês especialmente dedicado às Missões, com um intenso programa de catequese, celebrações e cooperação, tendo em atenção os elementos recomendados pela Igreja como suporte de toda a actividade missionária: oração, sacrifício, esmola e vocações.
Esperamos que este Ano dê novo dinamismo às Obras Missionárias Pontifícias, nomeadamente à União Missionária (sacerdotes, religiosos e religiosas) e à Infância Missionária (ou Santa Infância) e promova um forte incentivo vocacional e missionário nas dioceses, paróquias e outras instituições eclesiais, especialmente nas famílias, associações e grupos apostólicos.
Que por intercessão da Senhora de Fátima e de Santa Teresa do Menino Jesus, Padroeira das Missões, o Ano Missionário constitua um novo impulso sob a acção do Espírito Santo, para que possamos dar uma resposta concreta ao apelo do Papa: Portugal convoco-te para a Missão.
Lisboa, Epifania do Senhor, 6 de Janeiro de 1998
Notas
1 Carta Pastoral O Espírito Santo, Senhor que dá a Vida, n. 32.
2 Discurso na Cerimónia de Chegada a Portugal, Aeroporto da Portela, 10/5/1991, n. 3.
3 Nota Pastoral A Celebração do V Centenário das Descobertas, Fátima, 19/5/1987, n. 8.
4 Cf. Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), Linhas de Força de Uma Pastoral Conjunta, Fátima, 11/11/1993.
5 CEP, Carta Pastoral O Espírito Santo, Senhor que dá a Vida, n. 16.
6 Discurso aos Bispos de Portugal, 3/5/1991, n. 5.
7 João Paulo II, Redemptoris Missio, n. 66.
8 Cf. CEP, Cartas Pastorais Os Cristãos Leigos na Comunhão e Missão da Igreja, em Portugal, n. 6 e O Espírito Santo, Senhor que dá a Vida, n. 29.
9 Cf. CEP, Carta Pastoral O Espírito Santo, Senhor que dá a Vida, n. 7.
10 Cf. Sagrada Congregação do Clero, Normas directivas para a colaboração das Igrejas particulares entre si e para a melhor distribuição do clero no mundo, 25/3/1980, n. 31.
11 Cf. João Paulo II, Redemptoris Missio, n. 8.