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Romance mais-leve-que-o-ar
E novela de entretenimento, Contada com discreta inflação de sentimentos E profusão de imagens e metáforas, Onde os leitores conhecerão As desventuras de um brasileiro chamado Alberto Santos Dumont, E de como um dia ele voou por sua conta e risco. |
"Nobody will fly for a thousand years!"
Wilbur Wright
Este livro nasceu como argumento para um filme. Nunca pretendeu ser a biografia definitiva, oficial e inconteste de Santos Dumont. A verdade é que eu não tinha muita simpatia pelo protagonista. Ao ser apropriado pelo culto militar, Santos Dumont se transformou numa figura insossa, símbolo de um patriotismo medíocre e ressentido, tipicamente brasileiro, uma espécie de semideus franzino e amarelinho, injustiçado apenas por ter nascido nesta terra de carnaval e bonomia. Enfim, uma daquelas histórias exemplares que sempre estão a nos enfiar na cabeça, apenas para confirmar que nascemos para ganhar e não levar. A verdade é que esse patriotismo vesgo fez a Santos Dumont coisa bem pior do que os pombos costumam fazer, sem a menor cerimônia, nas estátuas dos ilustres espalhadas em praça pública. Ainda bem que os pombos não se enganam. De resto, a responsabilidade é toda minha. |
PARTE 1:
O Prodígio do Mundo Ocidental, ou Um Fazendeiro do Ar na Gália. (1893-1902. Com passagens em 1932) 13 PARTE 11:
PARTE III:
Parte IV:
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Fragmento, no começo do livro.
Paulicéia Desvairada
Morreu no banheiro de um hotel de luxo, na praia, em Santos. Uma bela manhã de 23 de julho, em 1932. Os paulistas estavam rebelados desde o dia 9, contra o regime de Getúlio Vargas. Arrufos da elite, sabe-se. No mesmo dia um homem entrou esbaforido no gabinete do chefe da revolução. Era gordo, poeta e tira. Um outro homem gordo, vesgo e general, com ar de arruaceiro de cervejaria alemã, o recebeu contrafeito. O poeta-tira chamava-se Emílio de Menezes. O de cara de beberrão inconveniente era Bertoldo Klinger, que mais tarde iria tentar reformar outra coisa que o irritava profundamente além da democracia: a ortografia da língua portuguesa. O gordo das musas de distrito, ignorando a rispidez do general, foi logo contando da tragédia. Alberto Santos Dumont, orgulho da pátria, acabara de cometer suicídio. O general detestou saber que o alucinado inventor escolhera matar-se logo em plena revolução, ainda mais no banheiro de um hotel. Coisa mais suspeita matar-se num banheiro. Sabia que o suicida padecia de destelhámento do juízo, metia-se onde não era chamado e não andava ultimamente comportando-se como uma glória nacional. Assim, antes que o caldo entornasse e a honra da pátria acabasse respingada, ordenou que fosse suspenso o inquérito policial e, da mesa de autópsia, saísse um cadáver com morte honesta e sem equívocos, como devem ser as mortes de grandes patriotas. Era evidente que Alberto Santos Dumont, se abilolado não se encontrasse, jamais cometeria gesto tão impensado. Homens como ele morrem na cama para a consternação dos justos e exemplo à juventude. Então, para arrematar, ordenou que, nos comunicados distribuídos à imprensa fosse suprimido um outro inconveniente biográfico. O homem morrera celibatário. Morrer solteiro, sem deixar viúva e numerosa descendência! Como, no futuro, os mestres iriam explicar a solteirice do herói sem despertar suspeitas entre os pubescentes alunos? Melhor esquecer detalhe de somenos importância. E assim foi feito. Canção do Exilio
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Destaque na página 107: Diálogo entre uma mulher cubana e Santos Dumont
Passei pouco tempo em Nova Iorque, mas não senti nenhuma simpatia pela cidade. Achei muito suja, parecia que estava ainda sendo construída. Você precisava passar mais tempo por lá, acho que é a cidade mais incrível da América. Será? Você já esteve no Rio de Janeiro? Não, nunca estive no Rio. Interessante, eu não teria pensado no Rio como uma cidade da América. Mas fica na América, não fica? Sim, claro. Mas é a mesma coisa que tentar dizer que nós, cubanos, somos americanos. E por acaso nao são? Acho que sim. Cuba fica no Caribe, não fica? E o Caribe fica na América. Acontece que a palavra americano só é usada para os que nasceram nos Estados Unidos. É verdade, mas eu nunca tinha me dado conta realmente disso. Eu sempre me considerei americano também. Talvez porque você tenha nascido no Brasil. O Brasil é um país grande, não é? O tamanho de um país não tem a menor importância. Às vezes eu tenho a impressão de que o Brasil é uma ilha menor que Cuba, se você me entende. Mas é um país rico, não é? Muito rico, tão rico que nos acostumamos a desperdiçar. Você não está sendo muito severo? |
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Outro livro muito bom de Márcio Souza: "O empate de
Chico Mendes", editora Marco Zero, 1990.
Agora que a questão da Amazónia está quente, quente,
o livro ajuda a saber mais.