|
Aqui a mensagem está em duas partes, mas cada uma delas apresenta a mesma mensagem. Os versículos 1-10 descrevem o rei de Tiro do ponto de vista de Deus. Como o rei de Babilônia, o rei de Tiro era orgulhoso, arrogante e jactancioso. Ele se achava divino, e assim declarava ter uma glória que não lhe pertencia (versículos 2,6,9). O profeta descreve sarcasticamente a grandeza do monarca nos versículos 3-5. Pela sua arrogância, o orgulhoso rei colherá o julgamento de Deus. O julgamento sobre ele é que Deus o abaterá (versículos 7-10). Os versículos 11-19 repetem esta mensagem. O retrato sarcástico que o profeta faz do rei reaparece nos versículos 12-16. O aumento no nível de imagens e figuras na linguagem aumenta o sarcasmo. O rei pensava de si mesmo em termos absolutamente altos, mas para Deus isto era pura loucura. A referência ao Éden no versículo 13 não é literal, mas significa que o rei imaginava-se privilegiado acima de todos os outros. Ele pensava que era especial, como querubim ungido de Deus ou como algém que vivesse na própria montanha de Deus (versículo 14). Ele se retratava nos termos mais gloriosos. Pela sua arrogância, Deus o julgaria severamente (versículos 16-19). Novamente, portanto, quando lemos esta passagem no seu contexto, vemos que não tem nada a ver com a origem de Satanás.
Lucas 10:18
Em Lucas 10:18, Jesus diz: "Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago." Aqueles que pensam que Satanás é um anjo rebelde decaído acreditam que este versículo estabelece o assunto convincentemente. Contudo, de novo, precisamos olhar para esta afirmação no seu contexto.
Em Lucas 10:1 e seguintes, Jesus tinha enviado setenta discípulos numa missão de pregação. Realmente, era mais do que apenas uma missão de pregação, pois Jesus também os enviou para curar e expulsar demônios (versículos 9,17). É importante entender exatamente o que estes setenta discípulos cumpriram e o que o próprio Jesus cumpriu em seu ministério. Enquanto Jesus estava nesta terra, ele guerreou contra o reino de Satanás. Antes que Jesus pudesse estabelecer seu reino (o reino de Deus), ele tinha que invadir o território do inimigo, vencê-lo e tornar o inimigo (Satanás) impotente e fraco. Isto ele fez pregando o evangelho e demonstrando visivelmente seu poder. As curas miraculosas, e especialmente a expulsão de demônios, não eram atos casuais de bondade; elas eram em vez disso assaltos diretos sobre o reino de Satanás. Proclamando a "libertação dos cativos" no evangelho (veja Lucas 4:18), Jesus estava proclamando a derrota de Satanás e do pecado. Jesus veio libertar o homem do domínio de Satanás, um domínio esumido em pecado e morte.
É no contexto desta guerra espiritual que temos que entender os milagres associados com o ministério de Jesus e, mais tarde, dos apóstolos. Os milagres associados eram físicos, demonstrações visíveis, exemplos, ilustrações do que Jesus pode fazer pelos homens espiritualmente. Em nenhum lugar isto fica mais claro do que na expulsão de demônios. A possessão por demônios era uma manifestação óbvia do domínio de Satanás sobre pessoas. Que maior domínio sobre uma pessoa Satanás poderia ter do que invadir seu corpo, através de um demônio, e comandar seus atos? Quando Jesus expulsava demônios ele estava libertando pessoas da garra de Satanás, Ele estava destruindo o domínio do Maligno sobre elas. Era uma demonstração especialmente clara, ao nível físico, do poder do evangelho, e era uma ilustração de como Jesus podia libertar os homens do reino de Satanás e pô-los sob o reino de Deus.
O mesmo é verdade também quanto às curas milagrosas de Cristo. Doença e morte eram manifestações do poder de Satanás sobre o homem. Curando os doentes, Jesus estava livrando pessoas do poder de morte exercido por Satanás, assim vencendo-o. Observe o que Jesus disse sobre a mulher que tinha uma doença causada por um espírito em Lucas 13:16: "... esta filha de Abraão, a quem Satanás trazia presa há dezoito anos" não deveria ela ter sido libertada, no sábado? Jesus estava demonstrando, em suas curas milagrosas, seu poder sobre Satanás, seu poder para livrar os homens do domínio de Satanás. A cura era uma ilustração do que Jesus pode fazer por nós espiritualmente, através do seu evangelho. Assim, não é coincidência que Mateus ligue as atividades de pregar o evangelho e a cura dos doentes em Mateus 4:23: "Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda a sorte de doenças e enfermidades entre o povo." Estas duas atividades iam juntas muito naturalmente.
Quando os setenta discípulos retornaram, relataram seu grande sucesso a Jesus. regozijando porque "... os próprios demônios se nos submetem pelo teu nome!" (Lucas 10:17). Jesus os havia enviado como um exército para invadir o território de Satanás e guerrear. Sua campanha tinha tido um tremendo sucesso. Satanás sofreu uma derrota com cada demônio que eles expulsaram. Jesus respondeu com um reconhecimento: "Ele lhes disse: Eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago. Eis aí vos dei autoridade para pisardes serpentes e escorpiões, e sobre todo o poder do inimigo, e nada absolutamente vos causará dano". (versículos 18-19). Observe a menção de Jesus a "... sobre todo o poder do inimigo". Satanás estava sendo derrotado no ministério de Jesus. Os setenta discípulos tinham compartilhado esse ministério, e isso culminaria na maior vitória sobre Satanás: a morte e a ressurreição de Cristo que decisivamente derrotaram o poder de Satanás de pecado e morte, respectivamente. Assim, quando Jesus diz: "... eu via a Satanás caindo do céu como um relâmpago", ele estava descrevendo quão grandemente seu ministério estava derrotando o poder de Satanás sobre os homens. O poder de Satanás não mais seria incontestável e absoluto. Em sua obra, Cristo estava destruíndo o aparentemente invencível poder do pecado e da morte. Em linguagem que relembra Isaías 14:12-14, Jesus compara o poder anterior de Satanás a uma estrela, e essa estrela agora caiu. Apocalipse 9:12 e Mateus 24:29 também usam a imagem de uma estrela cadente para descrever a derrota do poder.
Portanto, novamente, o texto que alegamente prova a origem do diabo não é sobre a origem de Satanás de modo nenhum. É somente introduzindo tal idéia no texto que ele pode prestar algum serviço a tal doutrina.
Apocalipse 12:7-9
Talvez a passagem mais popular quando se fala sobre a origem de Satanás seja esta, Apocalipse 12:7-9. Ela diz: "Houve peleja no céu. Miguel e os seus anjos pelejaram contra o dragão. Também pelejaram o dragão e os seus anjos; todavia, não prevaleceram; nem mais se achou no céu o lugar deles. E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos".
Quem quer que alguma vez tenha olhado para o Apocalipse de João sabe que nele abundam estranhos símbolos. É somente pela violência de tratar a linguagem simbólica literalmente, e por ignorar o contexto, que podemos tirar uma história da origem de Satanás deste texto.
Apocalipse 12 é uma descrição simbólica das circunstâncias espirituais que causaram e conduziram à perseguição que os leitores de João enfrentaram. João escreveu o Apocalipse para dar aos seus primeiros leitores uma visão de seu sofrimento, para vê-la num contexto mais amplo. Eles foram apanhados numa tremenda luta entre Deus e Satanás. O diabo estava tentando destruir a igreja, usando Roma como seu agente. João, assim, estava dando aos seus leitores uma perspectiva de sua situação que poderia ajudá-los a suportá-la. Como uma descrição simbólica e figurativa não devemos, certamente, lê-la literalmente, nem devemos tratá-la como alguma espécie de narrativa cronológica e histórica do que tinha acontecido.
Apocalipse 12 é admitida como uma passagem difícil, mas os estudantes que vêem o livro do ponto de vista de seu contexto histórico geralmente concordam que ele é sobre a vitória do povo de Deus e a derrota de seu inimigo, Satanás. A primeira parte do capítulo (versículos 1-6) apresenta diante de nós uma história de nascimento de uma criança do sexo masculino que se torna o dominador das nações. Esta imagem representa Cristo (a alusão ao Salmo messiânico, Salmo 2, em Apocalipse 12:5 confirma isto). Contudo, um grande dragão (Satanás) imediatamente desafia seu aparecimento. O aparecimento de Jesus desencadeia uma grande guerra espiritual (versículo 7). O domínio de Satanás sobre a situação humana tinha, até agora, ficado indisputado. Quando Cristo aparece, o poder de Satanás sobre o homem é efetivamente destruído, e Satanás sofre uma derrota esmagadora (versículo 9). A história básica que João apresenta aqui nos versículos 7 e seguintes é que Satanás perdeu sua tentativa de ganhar domínio sobre a humanidade. Ee e suas forças não são adversários para Deus e suas forças. Ele não pode derrotar Deus e seu Filho. Numa grande destruição, Satanás é lançado abaixo, simbolizando sua ruína.
Que Satanás tenha sido atirado à terra é, eu penso, significativo. É uma mudança na frente de batalha. Desde que Satanás não pôde derrotar Deus no reino espiritual, ele então volta sua atenção para o reino físico, onde ele espera ser vitorioso. É a mesma batalha pelo domínio espiritual sobre o homem, mas agora é uma batalha espiritual travada na terra. Agora, em vez de tentar destruir o Filho de Deus (tentativa que fracassou), ele tenta destruir o povo de Deus que vive na terra. Satanás inunda a terra com suas mentiras, enganos, tentações, etc., em seu esforço para destruir o povo de Deus, mas isto também fracassa (versículos 11,17).
Apocalipse 12:7-9 é sobre como Satanás recebeu uma derrota esmagadora pelo aparecimento e obra de Jesus. João escreveu isto para encorajar seus leitores que estavam sofrendo por causa do ataque de Satanás através de um poder mundial perverso, Roma. Eles poderiam suportar se soubessem que a vitória era deles. Conhecer a origem de Satanás não teria feito nada para encorajá-los a perseverar sob provações severas.
Então, donde veio Satanás?
Se nenhuma das passagens que são comumente citadas como relatos da origem de Satanás são realmente sobre sua origem, então donde ele veio? Bem, não estou certo de que a Bíblia revela a resposta para nós exatamente. Podemos ter uma curiosidade sobre o assunto, mas temos que não permitir que tal curiosidade nos instigue a encontrar respostas que ali não se encontrem.
Continuar
|
|