Desde há bastante tempo que nutro certa simpatia pelo povo cabo-verdiano. As imagens dos tempos de liceu, os colegas de faculdade, o conhecimento pessoal da colónia cabo-verdiana de New Jersey, terão contribuído para isso.
Contudo, quando visitei Cabo Verde pela primeira vez, fiquei encantado com o olhar sereno do homem da rua, a forma harmoniosa como aquela gente vive, a maneira delicada como recebem quem chega.
Durante perto de um mês pude constatar que raramente aquele povo eleva a voz. Passeei sozinho de dia e de noite em cidades como Mindelo ou em pequenas povoações como Santa Maria, parecendo-me que o banditismo, a segregação racial e a falta de respeito pelo semelhante não existem naquelas terras.
Vi franceses, russos, senegaleses, brasileiros, alemães, cubanos e sul-africanos serem indistintamente bem acolhidos. Senti que os portugueses são tratados com um carinho especial.
Apercebi-me da existência de gente rica e remediada a par com muita gente pobre. Mas não vi a miséria e a fome que tenho encontrado noutros países africanos.
Conheci razoáveis aeroportos, portos de mar e redes viárias. Pareceu-me existirem empresas públicas relativamente bem organizadas, por exemplo nas áreas dos combustíveis, agro-alimentar e de medicamentos. Assim como verifiquei a existência de empresas particulares - nacionais e estrangeiras - com apreciável dinamismo, por exemplo na área do comércio, da hotelaria e da construção civil.
Gostei de ouvir o português bem falado por muita gente, embora me entristecesse a vulgarização do crioulo.
Deduzi que as preocupações de ordem política foram colocadas em plano secundário, para darem primazia às tarefas de construção nacional.
O povo português diz que viver não custa; o que custa é saber viver. Ora eu fiquei com a sensação de que os cabo-verdianos estão, de forma racional, a esforçar-se por saber viver.
Mas... tudo serão rosas naquele arquipélago? Claro que não. Há ainda (e certamente continuará a existir por bastante tempo) um nível cultural, uma organização social e um nível económico claramente abaixo dos padrões europeus. Contudo, o esforço de construção que está a ser feito internamente é notável. O que é ainda apoiado com o esforço que um apreciável número de emigrantes fazem em Portugal, na Holanda, na França, na Itália, nos Estados Unidos da América e noutras terras, transferindo divisas para o seu país.
Ouvi falar em planos de desenvolvimento industrial e agrícola que permitam a Cabo Verde tornar-se exportador de alguns produtos, no sentido de equilibrar a balança de transacções.
Aborreci-me um pouco com a lentidão de alguns serviços, deliciei-me em praias tropicais, vi morenos de feições negras e cabelos loiros, tive dificuldade em conseguir voos de ligação entre as diversas ilhas (por uma aparentemente desorganizada companhia local de navegação aérea), comi a preços baixos lagosta, atum e peixe-serra e ouvi as mornas ao entardecer e à noitinha.
Quando comprei umas blusas para os meus filhos que traziam estampada a frase "Cabo Verde - terra di poesia", pensei que, de facto, aquele povo tem o seu fascínio e aquela é uma terra de poesia.
Meditei que bastante têm já alguns países africanos a aprender com Cabo Verde, sob o ponto de vista material. Espiritualmente até muitos europeus terão algo a aprender com aquele povo.
Finalmente, lembrei-me de como os portugueses
podem apoiar o desenvolvimento daquele país, beneficiando eles próprios
desse apoio. Ali vi alguns rótulos de conhecidas marcas portuguesas,
mas gostaria de ter visto mais. Não vi professores nem médicos
portugueses, mas gostaria de os ter visto, bem como outros técnicos.
Para proveito de Cabo Verde e de Portugal.