Num voo para Luanda, um amigo meu contou-me uma história de um homem branco que, viajando de automóvel, dizia para o condutor, também branco: "Olha o preto!... Olha o preto!... Cuidado!... pum!!!... ah! estava com receio que não visses o preto...".
Tinha e tenho a certeza que o meu amigo não é racista. Esta e outras pequenas anedotas que ele contou pelo caminho, apenas procuravam amenizar as longas horas da nossa viagem desde Lisboa.
Estivemos cerca de dez dias na capital de Angola, onde fomos muito bem recebidos e tratados, quer pelo homem da rua, quer pelas autoridades com quem contactámos. Negros, brancos e mestiços fizeram-nos sentir francamente bem, rodeando-nos de carinho e do conforto possível num país martirizado por longos anos de guerra e, portanto, cheio de privações.
Num dos últimos dias da nossa estadia, o meu amigo ia sozinho, de fato e gravata, pasta na mão, a atravessar a rua, quando, um negro que conduzia um jipe, de repente, acelerou e guinou o volante na sua direcção, obrigando-o a saltar para o passeio.
Ele chegou junto de mim e de outras pessoas pálido e algo abalado, contando-nos esta história de "olha o branco". Trocámos impressões acerca das diversas formas de racismo que, infelizmente, ainda existem. Alguns brancos presentes - há longos anos a residir em Luanda -, asseguraram-nos que o racismo em Angola era na altura mais evidente entre negros do que de brancos para negros ou destes para aqueles.
Ocorreu-me esta passagem a propósito da recente evolução política da África do Sul, país onde o racismo foi institucionalizado e criou graves problemas sociais, originando uma generalizada crítica internacional.
Recentemente, brancos e negros têm feito esforços enormes para se libertarem das grilhetas da segregação. O Presidente branco Frederick De Klerk deu um importante exemplo de coragem política, ao assumir a condução de medidas efectivamente liberalizadoras. O líder negro Nelson Mandela terá ido ainda mais longe, ao aparecer com um discurso contemporizador e incitando todos os sul-africanos à convivência pacífica, após longos anos de prisão por razões políticas, mostrando um invulgar discernimento e uma enorme capacidade de luta por um objectivo superior e superiorizante.
Temos sentido o racismo em diversas situações. Na Alemanha ou na Inglaterra, nós portugueses somos por vezes tratados como gente de segunda. Nos Estados Unidos da América constatei em certas ocasiões que alguns empregados negros de restaurantes e de hotéis tratavam preferencialmente os americanos brancos, relativamente àqueles que lá são chamados de hispânicos.
Por outro lado, no extremo oriente somos tratados como gente de primeira - brancos, claro. No Senegal ou em Angola as pessoas negras que fazem fila para comprar algo, são capazes de, com um sorriso nos lábios, nos convidarem a passar à frente da fila. Aconteceu comigo.
Seremos mais nuns sítios e menos noutros? Penso que não. Somos iguais em essência. E, se já fomos capazes de acabar com a escravatura, se temos procurado minimizar preponderâncias de ordem sexual, se tão importantes passos foram dados no sentido de todos termos as mesmas oportunidades culturais, se realmente hoje vivemos economicamente mais perto uns dos outros do que há séculos atrás, acredito que vamos conseguir ultrapassar os tipos de segregação ainda existentes.
Os europeus têm sentido as necessidades de se unirem, alargando aos campos social e político a sua comunidade económica. Os russos procuram o entendimento das diferentes etnias e dos diferentes povos que constituem o seu país, como imprescindível à sua sobrevivência em conjunto. Os norte-americanos já estão a estudar as probabilidades de, no início do século XXI, os brancos não-hispânicos virem a constituir apenas dez a 20% da população, bem como os problemas que daí advirão e as medidas a serem tomadas para os minimizar.
Já li algures, escrito por um antropologista, que a tendência da evolução física do Homem será no sentido de a Terra vir a ser habitada por uma raça só - a raça "morena". O que, aliás, seria de alguma forma apenas o alargamento daquilo que vem acontecendo no Brasil, onde os índios, os brancos e os negros vão diminuindo percentualmente, dando lugar a um crescente número de "morenos". Mas, se isto vier a acontecer em tão larga escala, demorará certamente alguns séculos, ou até milénios.
A evolução poderá ser lenta, mas vai-se fazendo um pouco por todo o lado. Se no plano físico a igualdade entre os homens pode demorar milénios, desejamos que, no plano psicológico, seja bem mais rápida.
Bom, mas enquanto nem todos sabemos viver e
conviver em igualdade com todos aqueles que nos rodeiam, que pelo menos
cada um de nós o procure fazer, libertando-se de todo e qualquer
preconceito e eliminando todas as formas de segregação.