Tendo vivido entre 1608 e 1697, sobretudo em Portugal e no Brasil, o Padre António Vieira foi sacerdote jesuíta, pregador da corte de Portugal e conselheiro do rei, embaixador político, missionário e militante antiesclavagista. Foi um orador eloquente e um escritor esmerado; as suas obras atingem vinte e cinco volumes, que compreendem cerca de duzentos sermões, mais de quinhentas cartas e numerosos escritos políticos e literários.
Nenhum prosador de língua portuguesa se lhe pôde comparar na exuberância e propriedade do vocabulário utilizado. Vieira foi uma inteligência poderosíssima que desfrutou da oportunidade de se manter em contacto com o mundo intelectual da época - nomeadamente durante as suas missões diplomáticas na França, na Holanda e na Itália e no período de seis anos em que viveu em Roma - tendo-se evidenciado a ponto de ter sido considerado o maior espírito do século em que viveu.
Figura humana excepcional, teve a coragem de assumir interpretações pessoais de vários temas teológicos, afastando-se da visão conservadora da ordem dos jesuítas a que pertencia. Por isso, também foi alvo de perseguições, tendo sido preso durante alguns anos em situação de incomunicabilidade, num lúgrube cubículo de reduzidas dimensões, sem luz, mal arejado, apenas com uma cama, um cântaro, uma mesinha, um banco e um vaso de despejos. Veio a ser condenado à morte na fogueira, sentença que de facto não chegou a ser executada.
António Vieira renunciava ao conforto e às situações de conveniência pessoal, mantendo-se fiel aos princípios do verdadeiro cristianismo. Nada fez para evitar que o prendessem e, uma vez encarcerado, não se deixou abater psicologicamente, mantendo intacta a sua dignidade. Reconhecia-se como Homem Imortal, e as vicissitudes por que passava não alteravam a sua força interior, consciente da inferioridade espiritual dos seus algozes e da duração passageira das injustiças destes.
As torturas morais e materiais, que lhe infligiram os membros do clero ao tempo da Inquisição, serviram-lhe para se aperceber do desvirtuamento do cristianismo e fizeram crescer nele o desejo de trabalhar no sentido de restabelecer a Verdade nos princípios divulgados por Jesus Cristo e contribuir para uma maior espiritualização da Humanidade. Anteviu e defendeu um projecto espiritualista cristão universal, baseado na teoria das vidas sucessivas e no princípio de igualdade do Homem - como Força e Matéria - perante as leis naturais e imutáveis que regem o Universo.
O Quinto Império - a "maravilha" da grande "mudança" a operar-se no "teatro" do mundo pelo "triunfo de Cristo" por acção dos portugueses -, foi considerado por muitos um sonho enlouquecido e o mito fundamental da sua visão profética.
Contudo, vários pensadores do nosso século valorizam a perspectiva de Vieira. Entre estes citemos Fernando Pessoa: "O futuro da raça lusa é o Quinto Império. O futuro de Portugal - que não calculo mas sei - está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo. Quem , que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé? Que português verdadeiro pode, por exemplo, viver a estreiteza estéril do catolicismo, quando fora dele há que viver todos os protestantismos, todos os credos orientais, todos os paganismos mortos e vivos?... Não queiramos que fora de nós fique um único Deus! Absorvamos os deuses todos! Conquistámos já o Mar, resta que conquistemos o Céu".
"No Quinto Império haverá a reunião
das duas forças separadas há muito, mas de há muito
aproximando-se: o lado esquerdo da sabedoria - ou seja a ciência,
o raciocínio, a especulação intelectual e o seu lado
direito - ou seja o conhecimento oculto, a intuição."