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Resenhas de Babel: Cultura, Literatura, Filosofia e outros assuntos chatos

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A aniquilação

 

Alexandre Gomes

 

"As opiniões dos homens sobre Deus surgem apenas na imaginação deles; e é absurdo tentar deduzir alguma coisa do que dizem: bem ou mal eles o disseram de si mesmos" ( Farid Attar, Mantiq ut-tair)

 

O homem sempre tentou entender a natureza da divindade, mas ao refletir sobre isto está condenado a limitar esta compreensão ao seu próprio universo de idéias e símbolos e portanto condenado ao fracasso. Aliás o termo refletir parece ser mais do que adequado porque em praticamente todos os casos o homem pensa ter visto Deus quando na verdade vê apenas o reflexo de si mesmo, de seus valores, paixões e personalidade.

Um conhecido texto sufi diz que Deus é como um espelho que partiu-se em milhares de pedaços e caiu sobre a terra, cada homem ao examinar a parte do espelho que encontrou olha para ele e diz: É Deus.

Numa simplificação extrema tal percepção gerou o panteísmo - a noção de uma unidade intrínseca de todos os homens entre si e entre eles e a divindade - que certamente é uma das idéias mais estranhas já produzidas pela filosofia. Não estranha naquele sentido mencionado por Swift - que por sua vez baseou-se nos romanos - de que qualquer idéia por mais estapafúrdia que fosse seria capaz de encontrar algum filósofo que a defendesse, mas estranha justamente porque não pode ser provado ou tampouco refutada em definitivo.

A noção que o conjunto da espécie humana forma um todo superior às partes produziu tanto belas páginas da literatura como os regimes totalitários - que essencialmente baseiam-se no ponto de vista que o todo deve controlar as partes e estas devem se submeter àqueles que se legitimam dizendo representar o todo. Mas o panteísmo é mais radical do que isto na medida que estabelece um laço direto entre todos os homens e a divindade no qual a percepção da diversidade não é nada mais que uma ilusão.

Por esta noção o verdadeiro objetivo do homem seria alcançar esta unidade, o que implica - para os adeptos mais radicais do panteísmo como o polêmico filósofo medieval Ibn Arabi - na aniquilação da individualidade aparente para eliminar os obstáculos que impedem a integração na realidade da Unidade.

Para além deste misticismo de boutique que anda na moda - e que na verdade não só Não é misticismo como é a própria negação do conhecimento esotérico: a superstição - as mais variadas correntes místicas tem, de uma forma ou de outra, apresentado variações sobre este mesmo tema. As variantes em geral referem-se ou ao caminho para se chegar a esta unidade ou ao grau de aniquilação do indivíduo para que se chegue à Unidade, mas não raro usam as mesmas metáforas.

Borges, sempre impressionado com metáforas e idéias estranhas, dedica um dos textos do seu Outras Inquisições, a uma delas: a esfera de Pascal. Traçando a genealogia da descrição de Deus como uma esfera cujo centro está em todas as partes e o centro em nenhuma. A Noção original parece ter vindo de Platão, mas ela só ganha forma consistente no pensamento ocidental no Século XII. Quase quatro séculos antes a poetisa muçulmana Rabi’a, contudo, já usava a mesma imagem em um verso: "Eu sou a Realidade do mundo, o centro e a circunferência, sou suas partes e o todo" e mais adiante: "É por Meu olho que tu Me vês e tu te vês, não por teu olho poderás Me conceber".

Em artigo recente comentei uma das últimas encarnações desta metáfora, o filme Matrix, tão pouco compreendido por aqueles que julgaram tratar-se apenas de mais um filme de ação e ficção científica. Um dos avatares mais conhecidos da mesma metáfora panteísta: o mantiq ut-tair (conferência dos pássaros) do poeta persa do século XII Farid Attar.

O texto é personagem frequente dos textos de Borges que chega a esboçar alguns contos vagamente inspirados nele como a falsa resenha "a aproximação a Almotasin" ou o curioso texto "as ruínas circulares".

A história é simples, uma pena do simurgh cai no centro da China e os pássaros - que naquela ocasião procuravam um rei - concluem que o dono de tão esplendida pena deveria reinar sobre eles. É evidente aqui a assimilação entre uma única pena e o tanto que os homens são capazes de conhecer da divindade, ainda assim o suficiente para que A admirem.

Inicia-se então uma expedição destinada a encontrar o Simurgh para tentar convencê-lo a reinar sobre eles. A longa jornada enfrenta adversidade e ao traspassar sete abismos - o último dos quais se chama justamente aniquilação - só restam 30 pássaros. Descobrem eles então que o Simurgh não é outro pássaro senão eles mesmos, mas este aprendizado só veio aos que tiveram a coragem de enfrentar os perigos da senda e a aniquilação.

 

São Carlos, Sexta-feira, 25 de Fevereiro de 2000

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