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Diário do Front
A perigosa apatia do eleitor
É do descaso de quem se julga consciente que se alimenta a corrupçòa eleitoral

Alexandre Gomes
"Numa democracia o povo é submetido a sua própria vontade, o que é uma dura escravidão já que ele é tão alheio a sua vontade como era à do Príncipe" (Anatole France)

Provavelmente ninguém aguenta mais ouvir falar mal dos políticos, de tanto e por tanto tempo que se bateu nesta tecla que a revolta contra os governantes já nem é capaz de render boas piadas. Infelizmente às infinitas horas deste discurso monocórdio não se seguiu uma saudável revolução cidadã que afastasse os criticados para renovar o exercício do poder ao menos com alguma novidade.
Lamentavelmente o que se seguiu a esta revolta contra os políticos foi a apatia e o cinismo, revelando todo o caráter insidioso que todos estes discursos contra os políticos e a política tinham em sua essência. Quem critica os políticos hoje é no mínimo extemporâneo porque até desta vingança inocente a sociedade está cansada.
De toda a oratória gasta com o tema se tira muitos poucos resultados benéficos e concretos, até porque parece que o objetivo raras vezes era realmente produzir algo e sim apenas destruir. Os políticos continuam cometendo os mesmos erros e tendo os mesmos vícios, continuam fora do controle da sociedade, continuam a não dizer nada em memoráveis discursos demagógicos, a corrupção continua seja crônica no Brasil.
Em alguns casos a pregação cínica contra os políticos produziu o resultado contrário a qualquer resultado positivo: ao denunciar as más práticas dos políticos incentivou a venda de votos em larga escala. A cada eleição aumenta o número de pessoas ansiosas por vender o voto - e não se pense que isto é privilégio do miserável que mora na periferia porque a elite e a classe média tem ainda menos escrúpulos e a única diferença é o preço de venda (às vezes nem isto).
A pregação fascitóide contra os políticos só conseguiu até hoje dar um argumento cínico para que o eleitor corrupto venda seu voto com menos peso na consciência: "se são todos safados mesmo eu pelo menos quero uma vantagem também", ou então, "depois da eleição eles vão nos trair mesmo, então preciso tirar alguma coisa antes".
Fale dizer que o termo fascitóide é mais do que apropriado, porque apesar de investir pesadíssimo no descrédito dos políticos, as máquinas de propaganda nazista, stalinista e fascista jamais incentivaram a apatia, mas sim justamente a participação - devidamente controlada e manipulada, é claro - da população.
É claro que é necessário criticar, e duramente, os homens públicos. Mas de nada contribui para o avanço da democracia as críticas generalizadas, inespecíficas, vagas, demagógicas que são feitas pelos demagogos de toda espécie. Este tipo de crítica covarde e mal intencionada apenas alimenta esta apatia e garante que o poder continuará a ser ocupado pelos oportunistas.
Não é a toa que alguns dos piores políticos são os que mais criticam a política, como um vereador clientelista do baixo-clero que não perde a oportunidade de dizer que "político nenhum presta". O ócio do legislativo, por sinal, induz à tentativa de se criar fatos atacando a própria Casa, aproveitando-se da repulsa generalizada que a inutilidade dos Legislativos tem na sociedade.
A primeira pergunta que se deve fazer a quem ataca desbragadamente os políticos é o que o atacante já fez pela comunidade. O que já fez de bom, que fique claro, porque de ruim ele já está desestimulando nas epssoas de bem o interesse pela coisa pública, dano muito maior que o de toda a raça de políticos junta.
Nada vai mudar enquanto a comunidade Nào resolver mudar isto tomando ela própria as rédeas da situação, participando e intervindo no processo de tomada de decisão, deixando esta cômoda e cínica apatia de quem Não quer se envolver e prefere ficar numa posiçõa olímpica a criticar a todos. Afinal, demagogos já se tem demais por aqui apra precisarmos importar outros.


Alexandre Gomes é editor do PRIMEIRA PÁGINA


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