DOUTRINA
2000
Edição 1 - Janeiro/Fevereiro
Cristo,
a personificação do sábado
WILLMORE
D. EVA
Editor
da revista Ministry
Por que adotar o sétimo dia da semana, acima de qualquer
outro, como um dia de repouso e culto? Por que atribuir uma importância tão grande a
esse dia, ao contrário do que acontece com os demais? À luz da primeira vinda de Cristo
e o repouso que Ele proveu, ou seja, o refrigério que Ele mesmo representa, através da
fé para o crente, por que algumas pessoas continuam honrando o sétimo dia? Por que
persistir celebrando o chamado dia de culto do velho concerto? Não é o sétimo dia um
tipo ou prefiguração do repouso evangélico somente experimentado com a vinda do
Messias? Por que não honrar todos os dias como "sábados", desfrutando a
entrada no repouso e santidade encontrados pela fé em Jesus Cristo?
Em todo o caso, qual é o significado desse dia tão
peculiar?
Atualmente muitos cristãos e ministros evangélicos têm
feito semelhantes perguntas com renovado interesse. Alguns adventistas do sétimo dia, que
andavam ceifando no árido campo da tradição religiosa, esbarraram na maravilha do
evangelho e, na alegria da sua descoberta, venderam tudo o que possuíam para tomar posse
desse tesouro (Mat. 13:44). E também fazem, com agudeza inédita, as mesmas perguntas.
Uma concentrada produção de literatura sobre o tema tem
causado impacto sobre alguns atuais e ex-adventistas; especialmente os que se uniram a
congregações independentes. Alguns deles parecem estar bem na maneira como se levantam
contra o sábado. Outros, cientes dessas questões, estão reconsiderando seus próprios
sentimentos e opiniões.
Vamos estabelecer a questão central deste artigo de uma
forma um pouco diferente: Por que o sétimo dia ainda é uma parte integrante do culto e
da fé pós-messiânicos ou cristãos? Uma outra questão relacionada com essa, e que é
mais fundamental, também deve ser levantada: Que impacto a vinda de Jesus, no primeiro
século, realmente exerceu sobre a Lei e, conseqüentemente, sobre o sétimo dia?
Tendo em mente tais questões, vamos fazer uma abordagem
bíblica e teológica, tratando primeiramente, com as evidências do Antigo Testamento. Em
seguida, examinaremos o impacto da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo sobre a
Lei e o sétimo dia, e, então, refletiremos sobre algumas passagens do Novo Testamento
que iluminam a posição tomada sobre o assunto por comunidades cristãs do primeiro
século.
Embora a abordagem deste estudo não seja a tradicional,
suas suposições e conclusões estão em total consonância com o pensamento e a crença
adventistas do sétimo dia. A abordagem tradicional adventista para questões tais como a
perpetuidade da lei simplesmente não é suficiente, por si mesma, para responder às
inquietantes perguntas feitas pela iniciativa anti-sabática contemporânea. O que
tentaremos fazer aqui é discutir a questão do sábado, não apenas na perspectiva de seu
lugar na permanência do Decálogo, mas analisá-lo à luz de Cristo e do impacto que Seu
primeiro advento causou sobre a lei e o próprio sábado. Assim, o artigo tem como
objetivo projetar a autêntica alma cristã do sétimo dia, seu significado
cristocêntrico, e seu destacado lugar escriturístico no novo concerto.
Vamos expor a natureza cósmica, pré-lapsariana,
pré-hebraica, evangélica, moral e permanente do sétimo dia, tal como apresentada em
passagens dos livros de Gênesis e Êxodo.
TRÊS PASSAGENS BÍBLICAS
"Assim, pois, foram acabados os céus e a Terra, e todo o
seu exército. E, havendo Deus terminado no dia sétimo a Sua obra, que fizera, descansou
nesse dia de toda a Sua obra que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo, e o
santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera" (Gên.
2:1-3).
Essa passagem nos dá uma descrição histórica da
origem e realidade do sétimo dia, como uma parte sagrada de tempo, divinamente
especificada. É sugestiva de algumas realidades significativas para nossa discussão, as
quais admitem a historicidade do relato de Gênesis.
O autor do Gênesis conecta inextricável e intimamente o
sétimo dia com o relato histórico da criação. Dessa maneira, o sábado está ligado a
essa imutável ocorrência, que é crucial para a natureza e identidade humanas. Quando o
sétimo dia é ligado ou incluído à atividade criadora de Deus, recebe um claro
significado cósmico, que transcende limitações temporais, locais ou litúrgicas. A
instituição do sétimo dia antecede a promulgação de todas as leis, isto é, as leis
cerimoniais mosaicas e, mais especialmente, o próprio Decálogo.
Em Gênesis 2, o sétimo dia não apenas está associado
ao evento da criação, mas é santificado, abençoado e feito um dia de repouso, por Deus
(v. 3). Na verdade, é a bênção divina que traz o sábado à existência. Desde seu
início, e, portanto, por sua natureza essencial, ele tem pouco a ver com nossa usual
compreensão dos concertos, tal como a mera estrutura do velho concerto.
O fato de que a santificação do sétimo dia precede em
muito a entrega da Lei, no Sinai, também é inegavelmente crucial à sua natureza e
significado. Portanto, também é crítico para a sua permanência e importância entre a
família de Deus em todos os tempos, passado, presente ou futuro, da História. Devido a
que o sétimo dia antecede a entrega de qualquer lei, não pode ser simplesmente ligado ao
velho concerto de modo que, com o novo concerto, se torne obsoleto. Na realidade, em
virtude da natureza e origem do sábado, ele pode muito bem ser encaixado acima ou dentro
de todas as estruturas e conteúdos pactuais.
Possivelmente a mais significativa realidade implícita
em Gênesis 2, no relato da origem do sábado, é o fato de que sua criação ou
inauguração precede não apenas a nação hebraica e o advento formal da lei, mas
também a entrada do pecado. O sétimo dia é distintamente pré-lapsariano. Por isso ele
não pode meramente ser visto como algo cuja viabilidade depende da estrutura do velho
concerto. Esse fato necessita ser mais amplamente explicado. Seu impacto negativo sobre a
teoria de que o sétimo dia caducou, por ter sido incluído como parte do velho concerto
cuja intenção inicial era, entre outras coisas, tratar da existência do pecado na vida
de Israel, é mais que óbvio. Essa existência pré-lapsariana do sábado deve ser
admitida pelo menos para questionar uma teologia que o rejeita por causa de suas
ligações com o velho concerto.
É constrangedor ler ou ouvir a respeito de tentativas
para eliminar ou dar ao sábado um reduzido significado na presente dispensação. Além
disso, as únicas explicações que eu tenho encontrado envolvem pressuposições que, no
seu âmago, questionam a validade dos relatos do Gênesis e do Êxodo. Isso é algo
simplesmente inaceitável entre estudiosos da Bíblia. São raciocínios desconfortáveis,
forçados, inconsistentes e inadequados. Devemos ser honestos para reunir todas as
evidências bíblicas, sem nos posicionarmos de tal maneira que sejamos forçados a
lançar mão de estratégias casuísticas.
ÊXODO 16:1-30
Essa passagem relata a dádiva do maná, de Deus para os
israelitas durante a peregrinação destes no deserto. O referido episódio, entre outros,
evidencia o fato de que o conceito de sábado existia entre os israelitas antes de eles
receberem o Decálogo no Sinai (Êxo. 20).
O envio do maná e as instruções sabáticas
relacionadas com ele precederam a entrega das tábuas da Lei e, particularmente, o quarto
mandamento.
Independente da questão se a nação israelita guardava
ou não o sábado antes do Sinai, as instruções de Deus a Moisés sobre o modo distinto
de colher o maná enquanto o sábado se aproximava, pressupõe uma certa compreensão da
sua natureza antes do mencionado evento. É possível que enquanto Israel estava no Egito
esquecera-se do sábado; e, antes da entrega formal da Lei, no Sinai, o Senhor usou a
experiência do maná como preparo da nação para a expressão do Seu concerto naquele
monte.
Se as evidências desta conscientização sabática
pré-sinaítica, presentes no episódio relatado em Êxodo 16, forem contestados, também
deve ser questionada a existência de uma herança moral na vida israelita, antes do
Sinai, envolvendo princípios além dos que estão contidos nos Dez Mandamentos. É
interessante notar que quase nenhuma tentativa é feita para argumentar contra a
existência do sábado no culto e na tradição israelitas.
É muito pobre o argumento de que existem poucas, ou não
existem, evidências da guarda do sábado ou de sua conscientização antes do Sinai.
Embora seja verdade que não há grande volume de material bíblico nesse sentido, nenhuma
pessoa bem-intencionada pode ignorar as evidências existentes e suas claras
implicações. Historicamente, Gênesis 2 e Êxodo 16 precedem Êxodo 20. Considerando a
natureza dessas passagens, é seriamente questionável ignorar ou rejeitar seus
respectivos conteúdos.
Outra evidência textual é encontrada em Êxodo 5:1-9 e
15:25 e 26. O primeiro texto alude e pressupõe algum tipo de atividade cerimonial ou
litúrgica que deveria ser celebrada no deserto. No capítulo 15, existe a menção dos
"decretos" e "mandamentos" de Deus, que deveriam ser obedecidos. As
duas referências implicam, no mínimo, a existência de algum hábito ou material
cúltico, antes do Sinai.
ÊXODO 19 E 20
Os capítulos 19 e 20 do livro de Êxodo contêm o relato
da entrega das tábuas da Lei, no monte Sinai. Também incluem um quadro verbal do quarto
mandamento (Êxo. 20:8-11). O modo como esse fato aparece no livro revela algumas coisas
essenciais.
O Decálogo é definitivamente distinto de outras
instruções ou informações civis ou cerimoniais, dadas por Deus através de Moisés.
Isso porque o Decálogo foi dado de uma forma extraordinária, quando comparado com a
maneira pela qual foram dadas as leis cerimoniais e os requerimentos civis para o culto e
governo israelita; isto é, foram escritos por Moisés. Os Dez Mandamentos claramente
aparecem no topo quando comparados a outras revelações mosaicas. Embora a obediência a
leis, de qualquer tipo, seja inútil para salvar o homem, ninguém pode negar a primazia e
o excepcional status verificados tanto no modo como os Dez Mandamentos foram dados, como
em sua extraordinária substância e seu conteúdo universais.
O Decálogo foi entregue por Deus entre magníficas
manifestações de luzes, trovões, relâmpagos, terremoto, fogo e fumaça, precedidas por
advertências divinas e instruções para específico preparo. O próprio Moisés teve de
subir ao monte. Esses fatos, além do ato de o próprio Deus esboçar com Seu dedo a
essência de Sua vontade em tábuas de pedra, definitivamente o distinguem das leis
cerimoniais e instruções civis, dadas por Deus a Moisés sob as circunstâncias mais
tranqüilas.
Em tudo isso, é crucial notar ainda que o mandamento do
sétimo dia é colocado junto de outros nove princípios morais no coração da Lei. Tal
distinção claramente lhe atribui certa natureza moral e prestígio, superiores a
qualquer significado local, temporário ou cerimonial. É altamente questionável fazer
algum tipo de exceção do quarto mandamento, designando-lhe uma natureza transitória,
cerimonial, ligada ao velho concerto judaico.
Tudo isso é fortemente confirmado pela redação do
quarto mandamento. Ele começa com a palavra "Lembra-te". Entre outras coisas,
isso novamente sugere ou refere-se à existência do sábado antes do Sinai. A mesma
redação, especialmente no verso 8, também é reminiscente das palavras de Gênesis 2.
É óbvio que os seis dias de trabalho e o sábado, sétimo dia, refletem a atividade de
Deus durante a semana da criação (v. 9), o que revela a inextricável ligação do
sétimo dia ao significado cósmico do evento da criação. O sétimo dia é parte e
parcela das primeiras coisas. O fluir da ordem divina coloca o sábado no interior do
círculo da origem de todas as coisas, pois o verso 11 liga a santidade do sétimo dia com
a obra criadora de Deus.
Em suma, a própria redação do quarto mandamento dá
uma razão definitiva para sua colocação onde ele se encontra: "pois em seis dias,
fez o Senhor o céu e a Terra..." Nessa importante afirmação, o sétimo dia não é
designado como uma conexão cerimonial, cultural ou nacional, mas com um significado e
origem cósmicos. Nenhuma conexão particular com a nação hebraica e suas cerimônias
está incluída na redação do mandamento. De fato, Moisés requereu sua observância
pelo povo hebreu, mas apenas porque isso foi estabelecido por Deus na Criação e, como os
outros nove mandamentos, tem escopo e significado globais.
Nenhuma dessas evidências nega que o sétimo dia tenha
conferido um especial significado cerimonial e litúrgico na vida e culto hebreus. O ponto
principal, entretanto, é notar o fato que o sábado significa algo mais do que esses
limitados padrões, tanto na vida de Israel como na Bíblia inteira.
NOVA ORDEM
Em suma, os relatos de Gênesis e Êxodo a respeito da
origem do sétimo dia estabelecem sua natureza universal no tempo e no espaço. Esses
relatos o confirmam como um algo mais que temporário, cerimonial e litúrgico, próprio
dos judeus. Atribuir-lhe qualquer outra natureza ou limitar essa dimensão universal
significa rejeitar a historicidade do relato bíblico, ou adaptar a única crônica
confiável que temos sobre nossas origens aos conceitos humanos.
Neste ponto, a questão fundamental deste estudo começa
a apresentar-se com renovada gravidade. Algumas pessoas argumentam que, embora tudo o que
foi mencionado até aqui pareça ser verdade, porventura não introduziu Cristo uma
mudança de paradigmas histórico e teológico que transformou ou reinterpretou o
significado e a natureza da Lei e do sábado, inaugurando um "novo concerto"?
Por que continuar observando o sábado como um dia sagrado de adoração, se, com o
advento de Jesus Cristo, foi estabelecida uma nova ordem?
Se Jesus trouxe consigo, ou em Si, o principal repouso do
evangelho, por que há necessidade de se observar qualquer dia particular de culto e
louvor? Não é o sétimo dia simplesmente uma instituição do velho concerto,
prefigurativa do repouso de fé inaugurado pelo Messias? Por que continuar em sombras,
quando a realidade já apareceu?
Há, na verdade, numerosas passagens do Novo Testamento
que podem ser usadas para fundamentar a discussão e responder a essas perguntas. Mas, em
virtude da limitação do espaço, não podemos nos referir a todas elas.
A CARTA AOS GÁLATAS
Ao escrever aos cristãos da Galácia, Paulo enfrenta
diretamente o problema do impacto causado pelo primeiro advento de Cristo sobre o papel da
lei e o do evangelho na vida do crente. A tensão nessa epístola, bem como em outros
escritos de Paulo, é entre a lei e Cristo como meios de salvação, mais do que entre lei
e graça.
No coração do problema estavam os judaizantes, ou
"alguns da seita dos fariseus" (Atos 15:5). Eles eram insistentes em sua crença
de que a emergente comunidade cristã deveria adotar obrigações cerimoniais ou mosaicas,
tais como a circuncisão e a observância de dias santos. Mantinham firme a idéia de que
os cristãos gentios eram obrigados a continuar guardando toda a lei (como Paulo mostra em
Gál. 5:1-6), a fim de conseguir o favor de Deus. É bom lembrar que isso envolvia
observâncias tais como a circuncisão, além de todo o sistema mosaico que incluía o
Decálogo.
É com isso em mente que Paulo escreveu às igrejas
gálatas, buscando desanuviar suas mentes de tais ensinamentos. Em toda essa questão, é
possível verificar não apenas que Paulo era contra os ensinos judaizantes, mas qual era,
realmente, o seu ensino. Qual era o seu evangelho, e como ele se relaciona com a lei?
Na carta aos gálatas, Paulo apaixonadamente lembra aos
crentes o evangelho que ele lhes ensinou, ou seja, o evangelho de Cristo, o qual
essencialmente proclama que a lei representa maturidade e completo crescimento em Jesus
Cristo. Ele fez isso mostrando como Cristo, através da fé os tinha libertado da
"tutela da lei" (Gál. 3:23) a fim de que pudessem ser "batizados em
Cristo" e dEle revestidos (v. 27), tornando-se de Cristo (v. 29).
PAULO E A LEI
Mas, que significado tem isso, especialmente em relação
à nossa visão de lei, fé, Cristo, e sétimo dia? À qual lei estava Paulo se referindo
quando falou aos gálatas que ela nos tutelava? Qual era a tutela da qual, desde a vinda
de Cristo, (ou da fé), os gálatas foram libertos (Gál. 3:23-26)? Para responder a essa
interrogação crucial, é fundamental que nos reportemos a um importante capítulo da
história adventista do sétimo dia.
Gálatas 3:19-25 foi o ponto focal da famosa
controvérsia que agitou a Igreja Adventista, em 1888, durante a assembléia mundial
realizada em Minneapolis. Até então, muitos afirmavam que a lei mencionada por Paulo, em
Gál. 3, era simplesmente a lei cerimonial ou lei de Moisés, essencialmente os estatutos
que governavam a vida litúrgica de Israel, tal como vemos nos livros de Êxodo, Levítico
e Números. Por exemplo, eles corretamente criam que todo o sistemas sacrificial
encontrara seu cumprimento no sacrifício de Cristo na cruz, e por causa disso, os
cristãos estavam desobrigados de observar os aspectos cerimoniais da lei hebraica. Mas,
erroneamente criam que os dez mandamentos estavam excluídos do uso que Paulo faz da
palavra "lei" nessa passagem. Na verdade, o apóstolo abrange o Decálogo,
quando fala da lei em Gálatas 3.
Os adventistas, em Minneapolis, estavam comprometidos com
a manutenção da autoridade e validade de todos os dez mandamentos. Nisso, estavam
corretos; embora não vissem os aspectos cruciais do ensinamento de Paulo. Do contrário,
teriam lançado importante luz sobre sua interpretação. Costumavam defender a
perpetuidade da lei, diante de outros protestantes, à qual se referiam como o Decálogo
ou "lei moral". Aninhados firmemente em sua motivação de manter a autoridade
dos dez mandamentos, era também seu grande desejo manter a validade do sétimo dia, como
o dia de adoração.
A controvérsia de Minneapolis não ficou restrita a
1888. Em 1900, uma altamente significativa, ainda que raramente reconhecida,
interpretação de Gál. 3:19-25 foi publicada. Em essência, a posição foi expressa
como segue: "Perguntam-me acerca da lei em Gálatas. Que lei é o aio que nos deve
levar a Cristo? Respondo: Tanto o código cerimonial como o moral, dos Dez
Mandamentos." - Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 233. Poucos anos depois a mesma
interpretação foi repetida, com maior ênfase: "'A lei nos serviu de aio, para nos
conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados.' Gál. 3:24. Nesta passagem,
o Espírito Santo, pelo apóstolo, refere-Se especialmente à lei moral." -- Idem,
pág. 234.
As implicações disso para a interpretação da mensagem
aos gálatas e, particularmente, de Gál. 3:19-25, são profundas e de longo alcance. Têm
importância fundamental, tanto para os adventistas que ainda trabalham com uma série de
interpretações pós-Minneapolis, como para outros cristãos, que lutam com alguma
incerteza sobre o que Paulo estava argumentando nessa passagem.
É interessante notar que Paulo inclui os dez mandamentos
em seus ensinos, no terceiro capítulo de Gálatas, e a ilustração que ele usa, no
capítulo 4, a respeito de Sara e Hagar. O verso 24 aponta claramente que Hagar representa
o velho concerto, o qual, diz Paulo, procedeu do "monte Sinai, que gera
escravidão". A referência ao Sinai mostra inequivocamente que o apóstolo tem em
mente a lei moral, e não a lei cerimonial como muitos pensam.
Isso está mais claramente expresso em Romanos 7. No
verso 4, Paulo fala aos crentes romanos que pela morte de Jesus eles morreram para a lei.
Qual lei? Em Rom. 7:7, o apóstolo definitivamente inclui o Decálogo em seus
ensinamentos. Nesse verso ele cita o décimo mandamento como ilustrativo de seus
argumentos sobre o papel da lei e Cristo: "pois eu não teria conhecido a cobiça, se
a lei não dissera: 'não cobiçarás'."
VIVENDO POR CRISTO
Entretanto, é ainda mais crítico o efeito que essa
morte para a lei tem sobre a natureza do comportamento ou viver cristão. Através de
Cristo nós morremos para a lei a fim de pertencermos "a outro, a saber, Aquele que
ressuscitou dentre os mortos", de modo que possamos frutificar para Deus (Rom. 7:4).
Essa afirmação está de acordo com o que Paulo diz aos gálatas: a lei "foi
adicionada por causa das transgressões, até que viesse o descendente" (Gál. 3:19).
A mensagem decisiva, tanto em Gálatas 3 como em Romanos
7 não é meramente que o papel da lei, incluindo os dez mandamentos, foi alterado pela
vinda de Cristo, o descendente; mas que um novo centro de definição ética ou moral foi
introduzido: não como um código escrito, mas pelo viver no próprio Cristo. O ponto
focal de Paulo não é a montagem de um cenário à parte da lei moral ou de qualquer
porção dela, mas através de Cristo, uma interpretação mais completa, definitiva e
efetiva de tudo o que é verdadeiro e justo (evangelho e lei) na pessoa de Cristo Jesus.
A meu ver, historicamente, os adventistas não captaram
essa realidade divisória. Por isso, eles têm sofrido um certo temor de que se os dez
mandamentos forem removidos, nada restará para governar o comportamento humano, incluindo
as questões de adoração no sétimo dia. Enquanto isso, o que Paulo está dizendo é que
desde a vinda do Messias, a disciplina e orientação estão estabelecidas sobre um
fundamento melhor que os dez mandamentos, e que esse fundamento é nada menos que a pessoa
do próprio doador da lei, Cristo Jesus. Aliás, esse é o tema do livro escrito aos
hebreus.
Por outro lado, muitos evangélicos guardadores do
domingo também têm estado inconscientes dessa realidade, como um princípio teológico e
prático essencial. Em seu grande esforço para negar qualquer virtude salvífica da lei,
eles talvez não têm reconhecido ou aplicado o próprio Cristo como a personificação de
tudo o que é verdadeiro e santo, inclusive Seu exemplo e ensinamento quanto ao sétimo
dia. Dessa maneira eles consideram o sábado muito vagamente, como um aspecto do Decálogo
que pode ser revogado ou invalidado à luz da vinda do Messias.
O ponto crucial é que sob o "velho concerto",
a ênfase moral ou ética residia sobre a validade do código escrito, da lei. Desde a
vinda do Messias, essa ênfase mudou para a divina pessoa de Cristo, o doador da lei em
primeiro lugar. Há uma diferença significativa entre orientação teológica e prática
resultante; entre obediência a um mero código escrito e o amoroso discipulado
desenvolvido quando alguém encontra o perdão dos seus pecados, nasce de novo e
experimenta o poder do evangelho de Jesus Cristo. Nesse caso, a pessoa segue o Cristo
vivo, o único que é o justificador do crente.
Na realidade, os cristãos falam muito sobre discipulado,
Romanos e Gálatas, mas não é fácil encontrar uma compreensão geral sobre como a
questão de pertencer a Alguém em lugar da lei se encaixa perfeitamente na moldura
elaborada por Paulo nos capítulos sete e três, respectivamente de Romanos e Gálatas.
Em Romanos 3, Paulo fala de uma justiça que se
manifestou "sem lei" (v. 21), que de fato vem pela fé em Cristo (v. 22). Ao
lado disso, no capítulo sete, ele não somente fala de morte para a lei, para que
possamos pertencer a Cristo, mas de morte em e com Cristo, "de modo que servimos em
novidade de espírito e não na caducidade da letra" (Rom. 7:6). Muitas pessoas temem
as implicações negativas que essa morte para a lei pode produzir, e se tornam
incapacitadas para ver três fabulosos princípios resultantes:
1. Quando nós morremos para a lei, o caminho é aberto
para pertencermos a alguém que é muitíssimo mais capaz que a lei de levar-nos a
produzir frutos para Deus (Rom. 7:6).
2. Morrendo para a lei, somos libertos para o específico
propósito de servir "em novidade de espírito, e não na caducidade da letra"
(Rom. 7:6).
3. A lei, especificamente os dez mandamentos, foi
perfeitamente cumprida na pessoa de Jesus Cristo, de modo que nesse sentido o crente
também pode, através do Espírito Santo, "andar assim como Ele andou" (I João
2:6), e isso não para se ver livre do compromisso com o Decálogo mas para estabelecê-lo
mais firmemente (Rom. 3:31; 7:12; Mat. 5:17-48).
A morte para a lei inclui todos os dez mandamentos da
maneira como foram dados originalmente. Não existe uma razão forte para separar o quarto
mandamento como uma exceção dos outros nove, especialmente à luz das realidades
apresentadas até aqui. Nenhum cristão sério questiona a validade de qualquer dos outros
nove mandamentos como parte central da moralidade humana, residente não apenas em alguma
expressão legal, mas na própria pessoa de Deus. Eles são, por sua natureza, cruciais
para a qualidade de vida e de qualquer relacionamento no planeta. Pela mesma razão, não
podemos descartar o quarto mandamento.
Devemos dizer inequivocamente que da mesma forma como o
viver em Cristo ou a personificação de qualquer desses mandamentos não tira nem um
"j" ou um "til" da lei, a maneira como Ele tratou o sétimo dia
também não altera a sua validade.
O VERBO E A LEI
Em palavras de profundo significado e cheias de beleza,
João diz na introdução do seu evangelho: "No princípio era o Verbo... e o Verbo
Se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a Sua glória,
glória como do unigênito do Pai" (João 1:1 e 14). Embora muito mais esteja
abrangido por essas palavras, podemos dizer que o que havia apenas sido expresso como
"Palavra" ou em palavras - por exemplo, os dez mandamentos, incluindo o que faz
referência à santidade do sétimo dia - tornou-se carne em Jesus de Nazaré, e foi
vivido por Ele como foi imaginado, em termos de seu propósito original e significado
último.
No Cristo vivo "a palavra" foi encarnada, a lei
foi encarnada, o sétimo dia foi encarnado; e a encarnação do que apenas tinha sido
falado e escrito tornou-se a mais completa expressão da verdade.
Jesus Cristo é Ele mesmo essa verdade. Ele é o caminho
e a vida (João 14:6). O autor da lei veio a este mundo e à Sua criação, viveu entre
nós tudo o que o código escrito requeria. Um quadro vale mais que mil palavras.
A EXALTAÇÃO DE LEI
Jesus não negou a lei. Em Sua vida Ele simplesmente
deu-lhe a mais completa expressão, confirmando-a e afirmando-a. Ao mesmo tempo colocou
seus princípios sobre o mais elevado plano em que foram colocados desde o Sinai. A pessoa
de Jesus é uma revelação maior e melhor do que aquela que Seus próprios dedos poderiam
pintar nas tábuas de pedra. E tal expressão messiânica é válida para todos os
mandamentos.
Até a vinda de Cristo, nós apenas tínhamos um livro
para ler. Podíamos ver a verdade, o evangelho e a lei, apenas em tipos obscuros e
proclamações proféticas. Por melhor que isso fosse, não poderia dar-nos senão um
quadro limitado do que o Autor da lei e do evangelho desejava de nós. Quando Ele veio,
nós vimos e ouvimos nEle a realidade completa. Pudemos então olhar Seu viver e ouvir
Seus ensinamentos, de Seus próprios lábios; e, através do Espírito Santo, isso tem
continuidade (João 14:14 e 16). Esse papel messiânico está profundamente estabelecido
em passagens como Hebreus 1:1-4, bem como na carta magna de Jesus, que é o sermão do
Monte (Mat. 5).
O SÉTIMO DIA RECRIADO
Há quem diga que embora todos os outros nove mandamentos
tenham sido confirmados ou reafirmados no Novo Testamento ou sob o novo concerto, o quarto
é o único que não aparece nessa condição. Isso não é verdade. Se alguém aceita a
universal e altamente respeitada idéia que os relatos evangélicos não são meramente
expressões primitivas, anedóticas das memórias cristãs, mas elucidações amadurecidas
de pensamentos ou verdades teológicas, todas as ações de Jesus, ali relatadas, tomarão
um novo significado. Os evangelistas selecionaram cuidadosamente, sob inspiração,
ocorrências ilustrativas da vida de Cristo para mostrar o que ela significou.
Existem, ao longo do Novo Testamento, relatos de milagres
de Cristo realizados no sábado. Alguns dos Seus mais sublimes ensinamentos ou pensamento
sobre esse dia são extraídos da maneira como Ele realizou tais milagres. Na história do
homem com a mão mirrada, que estava na sinagoga no sábado (Luc. 6:6-10), nada é dito
concernente a qualquer abolição do sábado. Ali Jesus agiu para mostrar o significado do
sétimo dia. Por Suas palavras e ações, na sinagoga, Ele associou o sábado à
restauração, saúde, recriação e liberação, características universais do Messias e
do evangelho do reino.
Aparentemente, a intenção de Cristo era revelar o novo
concerto, o significado evangélico do sábado, incluindo um significado todo abrangente
que envolve não apenas a criação, mas a recriação também. Ao modelar esse tipo de
sábado, Cristo eliminou dele o opressivo legalismo incrustado que alguns líderes
religiosos tradicionais de Seus dias lhe haviam atribuído. Uma cuidadosa releitura de
todos os relatos de milagres realizados no sábado, e outras ocorrências sabáticas,
revelam o mesmo tipo de tratamento dispensado a esse dia, por Jesus, em todos os casos.
É difícil entender como a vinda de Cristo podia ter sido
calculada para remover o sábado, quando o seu significado no Antigo Testamento é
fortemente associado com o imutável evento da criação (Gên. 2:1 e 2; Êxo. 20:8-11).
Em outras palavras, ninguém pode encontrar qualquer aspecto da primeira vinda de Cristo
que possa justificar logicamente ou encorajar uma negação da criação e, dessa forma, o
significado do papel do sábado, instituído na própria criação e no Sinai. É verdade
que, em muitos assuntos, o tipo encontrou o antítipo em Jesus Cristo, mas ninguém pode
dizer que a criação do mundo foi um tipo de qualquer coisa cujo significado e
celebração pudesse cessar quando a realidade aparecesse.
A criação não é um evento cúltico ou simbólico. A
Bíblia e o senso comum a vêem como um fato, um acontecimento. O palavreado do quarto
mandamento também a vê como um fato imutável; portanto, a santidade do sétimo dia não
pode mudar. Muito mais poderia ser dito, enquanto reconhecemos a natureza evangélica do
sétimo dia. Por exemplo, é significativo que uma vez que Jesus completou Sua obra,
morrendo com as palavras "está consumado" em Seus lábios, tenha repousado na
tumba durante o sétimo dia, aparentemente confirmando com isso o significado que esse dia
deveria ter à luz da Sua primeira vinda. Com isso, Ele conectou o repouso do sétimo dia
não apenas com a criação, mas também com a redenção.
Outra questão que poderia ser levantada diz respeito aos
"dias santos" encontrados em Romanos 14 e Colossenses 2. É suficiente dizer que
Paulo, nessas passagens, não está se referindo ao significado cósmico, fundamentado na
criação, do sábado semanal. De tudo o que acontecia na comunidade cristã primitiva, é
muito claro que os dias aí mencionados não foram por ela compreendidos como o sábado
semanal do Decálogo, mas, como a linguagem paulina sugere, os dias de festas, ou sábados
cerimoniais.
É vital que juntemos em nosso pensamento todas as
realidades sobre o sábado expressas no Antigo Testamento e as integremos cuidadosamente
com o que diz o Novo Testamento. Sempre que essa aproximação global for empregada em
nosso estudo das Escrituras, especialmente sobre assuntos como lei, Cristo e o sétimo
dia, tudo isso será colocado numa moldura cristocêntrica, inteiramente de acordo com as
realidades do novo concerto, incluindo a maravilhosa verdade que o próprio Jesus é o
repouso do crente e a personificação de toda verdade.