Inferno: O Fim tem um Fim?

Por Samuele Bacchiocchi

 

 

Poucos ensinamentos têm perturbado a consciência humana mais do que a visão tradicional do inferno como um lugar onde os perdidos sofrerão uma fúria conscientes; punição no corpo e na alma por toda a eternidade. O prospecto de ver amigos e queridos agonizando em tal inferno pode facilmente levar as pessoas a rejeitarem a Deus.

Assim não é surpresa que hoje nós raramente ouvimos a expressão fogo e enxofre. Sermões sobre o inferno mesmo de pregadores fundamentalistas, que teoricamente ainda estão comprometidos com tal crença. Talvez eles sintam que Deus que amou o mundo inteiro a ponto de enviar seu único Filho para salvar os pecadores não pode ser também um Deus que tortura pessoas- mesmo o pior dos pecadores- por tempos sem fim. Este paradoxo inaceitável tem motivado os estudiosos da Bíblia de todas as formas a reexaminar os ensinos bíblicos no concernente à punicão final.

1-Visões não bíblicas do inferno:

Infelizmente, alguns têm aparecido com soluções não bíblicas para este problema, entre eles, o universalismo e uma visão metafórica do inferno.

A visão metafórica do inferno sugere que o mesmo dura eternamente mas que o sofrimento é mais mental do que físico- a dor resultante de um senso de separação de Deus. Billy Graham expressou esta visão quando disse, "Eu muitas vezes me pergunto se o inferno é um fogo terrível queimando dentro de nossos corações ansiando por Deus, por sua amizade, um fogo que nunca pode se apagar."

2-O problema com esta visão do inferno é que ela meramente recoloca o tormento físico com uma suposta angústia mental mais duradoura. Mas a angústia mental realmente é mais humana do que o tormento físico?

Os Universalistas, por outro lado, acreditam que no fim Deus salvará todos os seres humanos, que ninguém será condenado nem para o tormento eterno nem para o aniquilamento. Mas esta explicação contradiz as repetidas afirmações bíblicas que somente os que crerem serão salvos. Muitos eruditos estão reconhecendo que a visão da aniquilação explica mais satisfatoriamente o ensino da Bíblia sobre o inferno. Esta visão bíblica é baseada em quatro considerações bíblicas:

  1. A morte como punição do pecado;
  2. A terminologia "destruição dos ímpios";
  3. As implicações morais do tormento eterno e,
  4. As implicações cosmológicas do tormento eterno.

A punição do pecado

A Bíblia apresenta a morte como a cessação da vida, e ambos o velho testamento e o novo testamento consistentemente pintam o final dos ímpios como uma destruição total:

" A alma que pecar essa morrerá." "O salário do pecado é a morte."

3- A Escritura fala de duas mortes: a primeira e a segunda. Quase todos os seres humanos, os justos bem como os ímpios, experimentam a primeira morte; mas para os justos, essa morte terminará na segunda vinda de Cristo. Entretanto, não há ressurreição da segunda morte porque aqueles que a experimentarem serão consumidos naquilo que a Bíblia chama de "o lago de fogo ".

4- Essa será a aniquilação final.

A linguagem da destruição

A rica cena de destruição frequentemente usada no velho e novo testamento para descrever o destino dos ímpios preenche a segunda razão para se acreditar e, amoqio;ação dos perdidos. Basil Atkinson diz que o Velho Testamento usa mais que 25 substantivos e verbos para descrever a destruição final dos ímpios.

5- Por exemplo, em Salmos 37 lemos que os ímpios "não mais serão," "como fumaça desaparecerão," e "os transgressores serão juntamente destruídos."

6- E em Salmos 145:20 Davi afirmou, "O Senhor preserva todos aqueles que O amam; mas os ímpios serão por Ele destruídos."

Em seu capítulo de abertura, Isaias proclamou, "Rebeldes e pecadores serão destruídos juntamente, e aqueles que abandonam o Senhor serão consumidos."

7- E a última página do Velho Testamento nos oferece uma descrição colorida da destruição dos ímpios: "O Dia do Senhor " vem, ardendo como fornalha, quando todos os arrogantes e todos os perversos serão abrasados; o dia que vem os abrasará a todos, diz o Senhor dos exércitos, e não deixará nem raiz nem ramo."

8- Jesus usou uma variedade de metáforas para descrever o destino dos ímpios, todos dos quais sugere uma aniquilação: Os ímpios são "recolhidos para serem queimados", " os peixes ruins são lançados fora, o joio arrancado fora, as árvores infrutíferas são cortadas, os galhos secos são queimados.

9- Aqueles que apelam para as referências de Cristo sobre o fogo do inferno para apoiar sua crença em um tormento eterno fracassam a chegarem a conclusão que, como John Stott acertadamente afirma, "o fogo em si mesmo é colocado como 'eterno' e 'inextinguível' mas seria muito estranho se o que é lançado dentro dele prove ser indestrutível. Nosso expectativa é exatgamente o oposto: seria consumido eternamente, não atormentado para sempre. Daí dizer-se que a fumaça (evidência que o fogo fez seu trabalho) 'sobe' para sempre. (Apocalipse 14:11; cf. 19:3)."

10- A declaração solene de Cristo "E irão esses para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna" é frequentemente usada como prova do tormento eterno e consciente. Esta interpretação ignora a diferença entre o castigo eterno e o eterno ato de se estar sendo castigado. O termo eterno, que no grego é (aionios) significa literalmente "tempo infinito", frequentemente se refere à permanência de um resultado mais do que a continuação de um processo. Por exemplo, Judas 7 diz que Sodoma e Gomorra pereceram "um castigo de fogo eterno(aionios)." É evidente que o fogo que destruiu as duas cidades não é eterno por causa de sua duração mas por causa de seus resultados permanentes.

Um outro exemplo que se encaixa é encontrado em II Tessalonicenses 1:9, onde Paulo, falando daqueles que rejeitam o envangelho, diz: " Eles sofrerão o castigo da eterna destruição." Destruição pressupõe aniquilação. A destruição dos ímpios é eterna não porque o processo da destruição continua para sempre mas porque os resultados são permanentes.

A linguagem de destruição aparece particularmente com frequência no livro do Apocalipse. Lá o diabo, a besta, o falso profeta, a morte, o hades, e todos os ímpios são lançados no lago de fogo que é "a segunda morte ".

  1. Para interpretar o termo segunda morte como tormento eterno consciente ou separação de Deus, alguém tem que negar o significado bíblico da palavra "morte" como cessação da vida.

Implicações morais inaceitáveis

Uma terceira razão para se acreditar numa aniquilação final dos perdidos seria as implicações morais inaceitáveis da doutrina do tormento eterno. A noção de um Deus que deliberadamente tortura pecadores por todos os tempos sem fim da eternidade é totalmente incompatível como a revelação bíblica de infinito amor. Não importando o quão pecaminosas Suas criaturas possam Ter sido, um Deus que inflinge uma tortura sem fim sobre eles está mais para satanás do que para o Pai de amor revelado para nós por Jesus Cristo.

Referindo-se às implicações morais da doutrina do tormento eterno, John Stott perceptivamente pergunta, "Não haveria, então, uma séria desproporção entre pecados conscientemente praticados em tempo determinado e tormento conscientemente experimentado através de toda a eternidade, sem tempo determinado para acabar, sem fim? Eu não minimizo a gravidade do pecado como rebelião contra Deus nosso Criador, mas eu questiono se 'tormento eterno e consciente' é compatível como a revelação bíblica da justiça divina."

12 - Finalmente, qualquer doutrina sobre o inferno deve passar o teste da moralidade, e a doutrina do tormento sem fim literal não pode passar nesse teste. A aniquilação, por outo lado, pode, porque reconhece que o castigo final de Deus sobre os ímpios não é vingativo, requerendo eterno tormento, mas racional, resultando em sua permanente aniquilação.

 

 

As implicações cosmológicas

Uma quarta razão para se acreditar na aniquilação dos perdidos é o fato de que o terno tormento pressupões um dualismo cósmico eterno. De acordo com esta visão, o céu e o inferno, felicidade e dor, bem e mal, continuarão a existir para sempre uma ao lado da outra. Mas é impossível conciliar isto com a visão profética, que fala do novo mundo onde não haverá mais "choro nem lágrimas nem dor nunca mias, porque as coisas velhas passaram".

14- Como poderia choro e dor serem esquecidos se a angústia dos perdidos pudesse ser vista, como na parábola do rico e Lázaro?

A presença de milhões incont'veis sofrendo excruciante tormento, mesmo que fosse distante do lar dos salvos poderia somente servir para destruir a paz e a felicidade do novo mundo. A nova criação se revelaria estar comprometida já no primeiro dia visto que os pecadores permaneceriam em eterna realidade no universo de Deus e Deus nunca poderia ser "tudo em todos".

15- Em última análise, Deus desenvolveu seu plano de salvação para erradicar o pecado e pecadores deste mundo. Assim podemos verdadeiramente dizer que a missão redentora de Cristo foi uma vitória completa somente se os seres humanos e satanás e seus demônios forem consumidos no lago de fogo e enxofre e experimentarem a extinção da Segunda morte. Tormento eterno lançaria uma sombra permanente sobre a nova criação.

Em suma, nossa geração necessita desesperadamente aprender a temer a Deus; então devemos pregar sobre o juízo e punição final. Necessitamos avisar as pessoas que aqueles que rejeitam os princípios de vida de Cristo e sua provisão salvadora por fim experimentarão um julgamento tremendo e "sofrerão o castigo da eterna destruição".

  1. A redescoberta da visão bíblica pode soltar as línguas dos pregadores porque significa que podem pregar esta doutrina que a raça humana desesperadamente necessita ouvir sem o medo de pintar Deus como um monstro.

  1. Para uma verificação de uma recente pesquisa lideradas por eruditos sobre a natureza do inferno, veja " Imortalidade ou Ressurreição? Um Estudo Bíblico sobre a Natureza e o Destino do Homem", de Samuele Bacchiocchi,(Berrien Springs, Michigan: Biblical Perspectives, 1997), páginas 193-248.
  2. Billy Graham, "There Is a Real Hell," Decision, July-August 1984, 2.
  3. Ezequiel 18:4, 20; Romanos 6:23. Toda Escritura deste artigos é baseada na versão americana RSV.
  4. Apocalipse 20:14.
  5.  

     

  6. Basil F. C. Atkinson, Life and Immortality: An Examination of the Nature and
  7. Meaning of Life and Death as They Are Revealed in the Scriptures

    (Taunton, England, n. d.), 85, 86.

  8. Verses 9, 10, 20, and 38; respectively. Emphasis in these and the following
  9. Biblical quotations has been supplied.

     

  10. Verso 28.
  11. Malaquias 4:1.
  12. Mateus 13:30, 40; 13:48; 15:13; Lucas 13:7; João 15:6; and Lucas 20:16;

respectivamente.

10- John Stott e David L. Edwards, Essentials: A Liberal-Evangelical Dialogue

(London, 1988), 316.

11- Mateus 25:46.

12- Apocalipse 20:14.

13- Stott, 318, 319. Apocalipse 21:4.

  1. Lucas 16:19-31. Jesus disse essa parábola para tornar claro dois pontos: (1) uqe as escolhas que alguém faz nesta vida tem consequências eternas, e (2) que a fé de alguém deveria depender das escrituras mais do que de sinais miraculosos. Esta parábola não deve ser lida como uma figura literal do inferno, pois num estudo mais detalhado perceberemos que é impossível que essa parábola não o fosse e sim uma estória real com lugares reais e pessoas reais.
  2. 1 Corinthians 15:28.

16- 2 Thessalonians 1:9.

Samuele Bacchiocchi é Professor de Teologia e História da Igreja na Universidade de Andrews , Berrien Springs, Michigan.

 

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