POESIAS
Estas poesia foram retiradas de uma home-page, cujo autor Reinério
Luiz Moreira Simões, professor de Filosofia na Universidade Castelo
Branco e escritor, expressa muito bem seus sentimentos.
Ars Patética
Dói-nos
quebrar
as costelas
todas as
noites
para recompor
as mazelas
que deliciam
o gênero humano.
Dói-nos
em demasia
cortar as
veias
todos os
dias
para redimir
dores alheias.
Dói-nos
sobremodo
esse modo
de morrer isolado,
vivendo todas
as mortes
que os homens
têm
postergado.
Dói-nos
sobretudo
esse frágil
sobretudo
tecido de
poesia
Dói-nos
(e nos delicia)
ser a escória
que faz a
história.
O mundo
que invade os loucos
O mundo
que invade
os loucos
não
é diferente
do mundo
caduco
que alucina
os normais
os loucos
são
livres
mas instintivos
como os animais
os loucos
são sensíveis
mas inconscientes
como os vegetais
os loucos
tocaram o
lado oculto
e não
voltaram
mais
Persona
disse o rio
para o grego
pensativo
às suas margens:
não
se pode ser duas vezes o mesmo homem;
tudo flui,
tudo passa;
o ser humano
é
a soma de suas miragens.
Vidência
o poeta
não
inventa novo porquê.
o poeta
não
explica,
não
decompõe
o sangue
da existência
sob a ordem
dos fatores,
não
decifra a causa,
não
desmonta a casa,
não
analisa, não centrifuga,
não
equaciona, não mistura
os elementos
para purificar
alquimias
mortas,
não
localiza portas,
não
abre janelas
para conforto
da insônia,
não
zera,
não
rascunha,
não
cunha a tábua
perdida da
Babilônia.
o poeta não
pensa:
o poeta vê.
(Poemas do livro QUIDAM, São Paulo, Scortecci Editora, 1989.)
Bocado
por meus
ouvidos
entram ruído
xingamento
aleivosia.
mas o que
sai de minha boca é poesia.
por meus
olhos
entram cinza
fala ranzinza
fome doentia.
mas o que
sai de minha boca é poesia.
por minhas
mãos
passam dores
velhos deuses
cegos punhais
lenta maresia.
mas o que
sai de minha boca é poesia.
por meus
lábios
entram devassa
cachaça
alimento
sem valia.
mas o que
sai de minha boca é pura
prima-essência
-poesia.
Falta
Alguma coisa
nos falta
para que
sejamos assim.
Feras amestradas
expondo pelas
estradas
nossos brilhos
de falso
marfim,
carpindo
nossos mortos
com madeira
e cetim,
sonhando
sóis e quimeras
com asas
de querubim
- embora carne crua
do princípio ao fim!
Alguma coisa
nos falta
para que
sejamos assim.
No lugar
do afeto
o incerto
estopim,
nos elevadores
olhares de
espadachim,
nas ruas
e casas
sorrisos
de festim.
Alguma coisa
nos falta
que sobressalta
em mim.
Retratos
A posse vazia
dos porteiros
que guardam
o que não
lhes pertence.
O prazer
empostado
das meretrizes
que gozam
o que não
lhes apetece.
A pregação
ensandecida
dos possessos
que vomitam
vísceram
em praça
pública
enquanto
aves brancas
desenham
nas calçadas
multigitos
da paz.
(Poemas
do livro Regiões do Espanto, inédito.)
Questão
de múltipla escolha
o homem,
figura de
metáfora
que anda,
caga, trepa e sorri,
que ama e
desama
sob o rigor
da aurora;
o homem,
hum bicho
da terra tam pequeno,
que padece
de cólicas
e do pensamento
de sofrê-las,
que oferece
velas às estrelas
e estrume
ao próprio homem;
o homem,
dor que habitamos
sem escolha,
dor de farpa
nas escarpas
do corpo,
dor de abelhas
no incêndio
do gozo;
o homem
imagina se
deus festeja
ou se deus
é triste.
e pensa por
acaso o homem
se o homem
existe?
Tragédia
Urbana
José
Firmino dos Santos
porteiro
do edifício
Soleil du
Printemps
matou
Severino
de Deus
faxineiro
do
Solar D'El
Rey
arrebatado
de ciúmes
pela doméstica
Matilde
encontrada
em decúbito
dorsal
no marmóreo
hall.
José
depois do
crime
cometeu suicídio
na garagem
vazia
cuidando
de não sujar
a portaria.
Poeticente
para encarar
o sol e a morte de frente
para ser
reconhecido o mendigo urgente
para sobrenadar
o vendaval e a enchente
para fazer
e desfazer complicadas tapeçarias
para espantar-me
com as cores fundas e frias
para espreitar
a moça nua nas coxias
para destemperar
o tempo nuclear
para desmanchar
o peso da dor no ar
para revelar
o esqueleto essencial
superar bem
e mal
afrontar
céu e terra
para destriangular
pitágoras e teoremas
_______________________________________
ESCREVO
POEMAS.
(Do livro
Árvore Mutilada, inédito.)
Do romanceiro
do homem simples
(Ode número
16)
O amor não
escolhe chão
para eclodir
sua flor
surpresa.
O amor não
respeita
tempo de
colheita
para postar
sua fome
sobre a mesa.
O amor não
sabe nadar
e vive nos
afogando
num mar de
desejos.
O amor não
elege lugar
e nasce nos
assacando
seus doidos
lampejos.
O amor não
tem rumo
e parece
caminhar
no
caminho justo.
O amor é
fio sem prumo
para o sólido
equilíbrio
do susto.
(Junção)
Quando corpo
a corpo
nós
gozamos em conjunto,
quando nas
tuas águas
eu me benzo
e besunto,
quando nossos
olhos conversam
sem necessidade
de assunto,
eu me sinto
pleno
e nada mais
busco e pergunto.
Foi quando
te encontrei
que alcancei
o prodígio
mais simples
do amor:
a maravilha
de ser junto.
(Do Livro de Sheila, poemas amorosos para minha companheira Sheilinha,
inédito.)
This page hosted by
Get your own Free
Home Page