A FILOSOFIA E A HISTORIA DA FILOSOFIA

Autor: MARIAS, Julián, História da Filosofia, Edições Sousa & Almeida, Porto, 1973, fl. 23/27



FILOSOFIA


Por 'filosofia' entenderam-se, principalmente, duas coisas: uma ciência e um modo de vida. A palavra 'filósofo' englobou em si as duas significações distintas: a do homem que possui um certo saber e a do homem que vive e se comporta de um modo peculiar. Filosofia como ciência e filosofia como modo de vida são duas maneiras de entendê-la que se alternaram e muitas vezes conviveram. Já desde os começos, na filosofia grega, se falou sempre de uma certa 'vida teórica' e, ao mesmo tempo, tudo foi um saber, uma especulação. É necessário compreender a filosofia de modo que, na idéia que dela façamos, caibam ao mesmo tempo as duas coisas. Ambas são, em definitivo, verdadeiras uma vez que constituíram a própria realidade filosófica. E só poderá encontrar-se a plenitude do seu sentido e a razão dessa dualidade na visão total dessa realidade filosófica, isto é, na história da filosofia.


A HISTÓRIA DA FILOSOFIA


Há, pois, uma relação inseparável entre filosofia e história da filosofia. A filosofia é história, e a sua história pertence-lhe essencialmente. Por outro lado, a história da filosofia não é uma mera informação erudita acerta das opiniões dos filósofos, uma vez que é a exposição verdadeira do conteúdo real da filosofia. É, pois, com todo o rigor, filosofia. A filosofia não se esgota em nenhum dos seus sistemas, uma vez que consiste na historia efetiva de todos eles. E, por sua vez, nenhum sistema pode existir só, dado que necessita e engloba todos os anteriores. Mais ainda: cada sistema só alcança a plenitude de sua realidade, de sua verdade, fora de si mesmo, nos sistemas que terão de suceder-lhe. Todo o filosofar parte da totalidade do passado e projeta-se para o futuro, pondo em marcha a história da filosofia. Isto é, dito em poucas palavras, o que se pretende significar quando se afirma que a filosofia é história.


VERDADE E HISTÓRIA


Mais isto não significa que não interesse a verdade da filosofia, que se considere esta simplesmente como um fenômeno histórico ao qual seja indiferente ser verdadeiro ou falso. Todo o sistema filosófico tem a pretensão da verdade; por outro lado, é evidente o antagonismo entre os sistemas, que estão muito longe da coincidência; mas esse antagonismo não quer dizer incompatibilidade total. Nenhum sistema pode pretender uma validade absoluta e exclusiva, porque nenhum esgota a realidade; e é falso na medida em que cada um deles se afirma como único. Cada sistema filosófico apreende uma porção da realidade, justamente a realidade que é acessível desde o seu ponto de vista ou perspectiva; e a verdade de um sistema não implica a falsidade dos demais, a não ser nos pontos em que formalmente se contradigam; e a contradição surge apenas quando o filófofo afirma mais do que aquilo que realmente vê; isto é, as visões são todas verdadeiras – entende-se, parcialmente verdadeiras – e, em princípio não se excluem. Além disso, o ponto de vista de cada filósofo está condicionado pela sua situação histórica, e por isso cada sistema, se for fiel à sua perspectiva, tem que incluir todos os anteriores, como ingredientes da sua própria situação; por isso, as diversas filosofias verdadeiras não são intermutáveis, uma vez que se encontram determinadas rigorosamente pela sua inserção na história humana.



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