INSTITUTO DE CIÊNCIAS RELIGIOSAS

Disciplina: INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

Professor: Antonio Carlos Machado


CARACTERIZAÇÃO DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO


    1. TIPOS DO CONHECIMENTO

Há, no homem, dois gêneros de conhecimento: o sensitivo e o intelectual. O conhecimento sensitivo é próprio dos sentidos externos e internos (sensações e perceções), é comum ao homem e ao animal. No homem, os sentidos servem instrumentalmente à inteligência. O conhecimento intelectual é próprio da inteligência, é especificamente humano. Tem natureza progressiva, ou seja, evolui do menos perfeito ao mais perfeito, do menos complexo ao mais complexo, portanto, admite graus. Inicialmente, temos o conhecimento vulgar ou pré-científico, também chamado de senso comum. Em seguida, passa-se ao conhecimento científico ou reflexivo ou conhecimento sistematizado.

    2. GRAUS DO CONHECIMENTO

O conhecimento chamado científico ou reflexivo apreende a natureza das coisas, as leis que as regem ou as suas causas, ou seja, é um conhecimento explicativo. De forma resumida, admitem-se três graus deste conhecimento, de acordo com a complexidade do seu objeto. O primeiro grau, o mais simples, é o da ciência natural; o segundo grau, da matemática; o terceiro grau, da metafísica.
A ciência natural versa sobre o ser sensível ou móvel, inorgânico ou orgânico, ou seja, considera a natureza sensível sob a formalidade de seus fenômenos observáveis e experimentáveis.
A ciência matemática versa sobre a quantidade abstratamente considerada. Os seres matemáticos existem com a matéria sensível, mas são estudados e definidos fora dela.
A ciência metafísica versa sobre o ser em si mesmo, isto é, abstraído das qualidades sensíveis e da quantidade matemática. Este é o modo tradicional de se classificar a filosofia no universo dos conhecimentos.

    3. ORIGEM E SENTIDO ETIMOLÓGICO DA FILOSOFIA

Atribui-se a Pitágoras a origem do termo 'filosofia'. Narra Diógenes de Láercio que, segundo Pitágoras, a qualidade de sábio não convém propriamente ao homem, mas só a Deus. O homem deve contentar-se tão somente em amar a sabedoria. Daí o termo 'filosofia', que significa etimologicamente 'amor da sabedoria'.

A este propósito, diz Cícero: “Todos os que dirigiam seus estudos para a contemplação das coisas eram tidos e se chamavam sábios (sóphoi); ocorre que esse nome permaneceu até Pitágoras, que tendo sido interrogado pelo príncipe Leonte, que com ele discutira abundantemente e doutamente, sobre qual considerava a máxima arte, respondeu: na verdade, a arte é saber-se coisa nenhuma; mas ser 'filosofon', ou seja, amante e estudioso da sabedoria.” E completa Cícero: “A sabedoria é, como foi definida pelos veteranos filósofos, a ciência das coisas divinas e humanas.” Posteriormente, a mesma idéia foi adotada por Sócrates, que dizia: Tudo que sei é que nada sei.

    4. A FILOSOFIA NA CULTURA ORIENTAL

Antes dos gregos, outros povos já haviam desenvolvido formas próprias da sabedoria, diferentes do modelo helênico, porém não se constituiam numa sabedoria autônoma, humanamente considerada, mas pretenderam ser alguma coisa a mais: uma religião, uma sabedoria de salvação, uma sabedoria do homem divinamente considerado. Por isso, os seus fundadores são também líderes de movimentos religiosos, tais como:

a) MASDEISMO – fundado por Zoroastro, doutrina que ensina a existência de dois princípios coeternos e incriados: o bem e o mal, que disputam entre si o domínio das coisas.

b) BRAMANISMO ou HINDUISMO – doutrina que ensina ser BRAMA a realidade única, de onde emanam todas as coisas, o bem único, devendo o homem libertar-se das criações ilusórias dos sentidos (o mal), libertar-se de si mesmo e imergir em Brama, onde está a salvação.

c) BUDISMO – fundado por Buda, doutrina religiosa e moral, ensina que a dor universal se origina do desejo de existir. O fim da dor se dá com a supressão desse desejo e os meios para isso são a contemplação e a mortificação.

d) TAOISMO – doutrina que ensina a existência de uma razão suprema, princípio absoluto ou perfeição, acima de todas as coisas e causa de todas elas. Esta razão suprema tem dois aspectos: o incognoscível e imóvel, norma absoluta de toda atividade moral; o cognoscível que se manifesta ao homem na sabedoria.

e) CONFUCIONISMO – doutrina moral que coloca o fim do homem no aperfeiçoamento de si mesmo, prega o amor ao próximo, a piedade filial, o desprezo pelas riquezas. É mais uma doutrina dos costumes do que uma filosofia. O seu conceito de lei natural o aproxima muito do cristianismo, mais do que a filosofia grega. (“Lei natural é a conformidade com a natureza essencial. Esta é ditada pelo céu”.)

(apud ORLANDO VILELA, Iniciação Filosófica, Editora Itatiaia, 1974, pág. 3-14)

    5. O NASCIMENTO DA FILOSOFIA

É comum os historiadores da filosofia apontarem Tales de Mileto como o primeiro pensador ao qual se atribui o qualificativo de 'filósofo'. Mas se estivéssemos estudando a história da astronomia, verificaríamos que Tales foi também o primeiro 'astrônomo' do ocidente, por ter previsto através de cálculos um eclipse solar (aprox. 585 a.C.). Já nos livros colegiais de geometria, há sempre a referência a um famoso teorema atribuído a Tales, o que o faz também um 'geômetra'. Tales foi ainda a primeira pessoa a medir a altura das pirâmides do Egito, e o raio da terra, o que faz dele também um 'matemático'.

O que se observa disso tudo é que Tales não era um 'especialista' em um determinado assunto, como hoje costuma ocorrer. Na verdade, ao fazer suas extraordinárias ações, Tales estava exercitando o seu conhecimento generalista, porque naquela época os campos do conhecimento eram todos a mesma coisa: ao exercer astronomia, ele também exercia a geometria, era também matemático e filósofo, tudo ao mesmo tempo. Somente nos tempos modernos, com a busca de maior precisão do conhecimento, os estudiosos vieram a particularizar cada vez mais, distinguir sempre mais, diferenciar cada vez mais os ramos do saber, afastando-se dessa experiência universalizante dos gregos, admirada pelo Renascimento e que o pensamento contemporâneo procura historicamente reconstruir.

O exemplo de Tales nos ajuda a compreender o surgimento do saber filosófico. Nas leituras dos escritores gregos da época, liam-se relatos de feitos grandiosos de heróis e deuses, cujos desígnios escapam ao controle dos homens e são governados por forças sobre-humanas. Nos feitos de Tales, tem-se uma nova visão desses fatos, que podem ser medidos e previstos. A previsão caracteriza o saber que surge com Tales: o saber medir, que em nossos dias caracteriza mais a ciência do que a filosofia.

    6. A MEDIDA E O MOVIMENTO

Para se definir o que os primeiros pensadores, também chamados filósofos, tentaram medir será preciso compreender a realidade em que eles viviam. Os primeiros pensadores procuraram caracterizar o que se dizia em grego ARCHÉ, e que pode receber vários sentidos ao mesmo tempo. A matéria enquanto estofo de que é feito o mundo; o princípio enquanto início, movimento primeiro que deu origem a todas as coisas; o princípio ainda enquanto lei geral que rege a existência de todas as coisas em todos os tempos, no seu começo, no seu presente e no seu final; o destino ou a finalidade, única ou não, para a qual tendem e se dirigem todas as coisas em seus movimentos. Será necessário, portanto, tomarmos o termo movimento num sentido bastante amplo, que abrangesse tanto o deslocamento das coisas que mudam de lugar até a geração e a degeneração de todos os seres no decurso da sua existência.

Desse modo, os gregos procuravam explicar não apenas a heterogeneidade e a multiplicidade das coisas que existem no mundo, mas também aquilo que as faz existir, o que as constitui, o que as transforma uma coisa em outra, portanto, buscavam entender a origem do mundo, como também a ordem ('cosmos') que rege todas as coisas, como idéia reguladora de todo o processo de geração e degeneração, de formação e destruição de todas as coisas.

Esta mudança de mentalidade introduzida com o princípio da medida por Tales foi o grande diferencial histórico que marca o início do pensar filosófico grego e, a partir dele, de todo o pensar filosófico e científico no mundo ocidental.


(apud MARILENA CHAUÍ E OUTROS, Primeira Filosofia, pág. 17 a 19.)

Textos adaptados pelo Prof. Antonio Carlos Machado, para uso em sala de aula.


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