Minerva, esta desconhecida

 

André Luiz dos Santos - Engenharia Química-T96

 

Minerva é a deusa símbolo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Esta matéria publicada na revista Metrópoli nº10 do Grêmio Politécnico da USP conta algumas lendas e como era cultuada a deusa na Grécia e em Roma, e principalmente porque Minerva modernamente foi atribuído o papel de Deusa da Engenharia.

 

 

Pergunte a qualquer um:

- Você sabe quem é Minerva?

- É uma marca de sabão! - irá responder a maioria da população.

- É a deusa greco-romana da sabedoria. - dirá secamente algum culto literato.

-É o símbolo da Poli! - responderá entusiasmadamente um politécnico.

 

Nós, Politécnicos, isto é, alunos que têm a honra e a responsabilidade de estudar na sempre gloriosa Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, desde os primeiros momentos em contato com a Escola nos deparamos com Minerva, no timbre das folhas, nas camisetas dos alunos, com colantes nos vidros dos carros, nas dependências da Escola, enfim, em toda parte onde a Poli é citada, Minerva é constante, sua presença benfazeja acompanha a Escola Politécnica e seus alunos. Mas poucos politécnicos realmente conhecem as lendas da deusa e por que foi feita símbolo de nossa faculdade, e qual é o significado moderno do mito antigo... Conhecer o significado de Minerva, é entender o próprio ideal profissional do engenheiro.

Minerva é a divindade latina correspondente à deusa Atena grega. Quando a primitiva civilização romana começou a sofrer influência grega, a primitiva divindade da sabedoria dos habitantes do Lácio chamada Minerva foi completamente identificada com a deusa helênica pela semelhança de atribuições, tomando dela todas as lendas e tornando-se praticamente a mesma divindade.

Atena é uma das principais divindades do panteão olímpico e seu culto rapidamente se popularizou e se estendeu por toda Grécia. É a deusa da sabedoria, mas uma de suas atribuições mais fortes é ser uma deusa guerreira. Nesse aspecto Atena usualmente é representada vestida de armadura, usando capacete, lança e escudo. Atena como deusa da guerra opunha-se em suas motivações ao deus Ares ( Marte na nomenclatura latina ). Enquanto Ares personificava a força bruta assassina da guerra, Atena era a deusa da guerra sábia, isto é, a luta justa por um ideal e pela pátria, utilizando estratégia e honradez.

Contudo o caráter guerreiro da deusa nunca a brutalizou. Minerva é civilizada, culta, serena e meiga. Minerva auxiliou o titã Prometeu a criar a raça humana a partir do barro, espargindo sobre a humanidade recém-criada néctar divino, para que os homens possuissem uma alma. Freqüentemente protegia e ajudava os heróis e sempre na luta tomava o partido mais justo. Ajudou Hércules em seus doze trabalhos, auxiliou a Perseu a derrotar a Medusa ( Perseu agradecido mais tarde dá a cabeça da Medusa a deusa, que a incrusta em sua armadura ), lutou ao lado dos gregos na guerra de Tróia para defender a honra e o matrimônio de Menelau, rei de Esparta, cuja esposa foi raptada por um príncipe troiano. Ainda na Guerra de Tróia, sugeriu o projeto do cavalo de madeira para Ulisses, e defendeu-o no regresso da guerra ao seu lar, o reino de Ítaca, tema da Odisséia. Minerva ainda projetou o navio Argo, lendária e primeira embarcação marítima de longo curso para que Jasão e os argonautas pudessem tomar o velocino de ouro. Na luta contra os Gigantes, que se decidiram a derrotar os deuses, Minerva e Júpiter foram os únicos que não fugiram e permaneceram no Monte Olimpo defendendo-o. A própria deusa derrotou sozinha o temível gigante Encélado, atirando sobre ele a ilha da Sicília.

Atena também é a deusa dos trabalhos manuais e do artesanato. Ensinou os homens a fabricarem potes de cerâmica para poderem conservar as colheitas. Num momento de descontração, furando um osso oco inventou a flauta. Criou a árvore da oliveira como um presente aos primeiros atenienses, quando disputava com Poseidon ( Netuno para os romanos ) a proteção da cidade. Para a guerra, inventou a quadriga , para a agricultura, instrumentos agrícolas. Desenvolveu técnicas de fiar, tecer e bordar, as quais era exímia conhecedora. Para os barcos pudessem ser pilotados, inventou o leme. Atena logo tornou-se também, ao lado de Hefestos ( Vulcano na nomenclatura latina ), a deusa protetora dos artesãos, tecelões e oleiros, artes que mais tarde foram chamadas de "trabalhos de Minerva".

Atena é virgem incorruptível. Nunca a deusa se entregou a nenhum mortal ou imortal, representando a incorruptibilidade da sabedoria. Minerva nunca se deixou seduzir, representando o ideal dos antigos de incorruptibilidade da sabedoria. Conta a lenda que o gigante Palas tentou uma vez a violentar. Atena o enfrentou e o derrotou. Matando-o, arrancou sua pele e dela fez o manto de sua virgindade. Daquele momento em diante adotou o nome de Palas Atena, Atena que derrotou Palas, título sob o qual era invocada nas batalhas para assegurar bravura aos soldados e inspiração estratégica aos generais.

Apesar do culto amplamente difundido, a imagem de Atena que se eternizou foi a da Atena políada ateniense. De todo mundo antigo, Atenas foi seu grande centro de culto. O próprio nome da cidade deriva de Atena, que era invocada como sua divindade políada, isto é, a divindade da pólis, a divindade protetora da do Estado ateniense, que só poderia ser invocada por seus cidadãos. O culto de Atena nesta cidade foi tão forte que até o século V d.c., em plena era cristã, os santuários da deusa ainda eram freqüentados, e objetos de cerâmica enfeitados com a figura de Palas Atena e motivos cristãos foram encontrados nas ruinas da Acrópole. Outras cidades gregas também invocavam Atena sob diferentes títulos. Em Esparta, por exemplo, havia o templo de Atena Promachos, onde era ressaltado o caráter de divindade guerreira e poderosa, onde suas estátuas tinham traços masculinos e fortes. Porém com a universalização das divindades políadas , as várias Atena políadas de cada cidade, com seus diferentes atributos e denominações, forma associados na Atena do Monte Olimpo tradicional, numa concepção mais universalista da divindade, mas não sem a deusa sofrer forte influência da deusa políada de Atenas, já que a cidade foi o grande centro intelectual e político da Grécia em seu apogeu.

Em Roma, Minerva era adorada mais pelo seu caráter de sabedoria do que como deusa da guerra. Os Romanos, contrariamente aos gregos, invocavam nas batalhas Marte, grande patrono da cidade, pai de Rômulo e Remo. Minerva na urbs assume o caráter de divindade mais acadêmica, apesar de continuar com os atributos guerreiros de Palas Atena. Protegia professores, poetas e políticos. No papel de inspiradora das grandes decisões do Estado, o imperador Otávio Augusto construiu uma sala para reunião do senado romano no templo de Minerva no fórum, para que presente às votações, a deusa não deixasse de aconselhar os cônsules e senadores nas suas decisões.

Inúmeras festas em Atenas e Roma celebravam a deusa da sabedoria e da engenharia. A principal era as Panatenéias em Atenas, festa máxima da cidade. As Panatenéias constavam de corridas, lutas torneios de poesia e música, banquetes públicos, procissões de fiandeiras e tecelãs à Acrópole; os anciãos ofertavam à deusa ramos de oliveira e os jovens faziam exibições eqüestres. Em Roma era celebrada nas Minervais, onde as escolas e os tribunais permaneciam fechados no feriado e os alunos da cidade ofereciam presentes aos professores. Para muitos estudiosos, as Minervais deram origem ao nosso dia dos professores.

Representando a inventividade e o espírito criador e civilizatório, modernamente a Minerva foi atribuído o papel de deusa da engenharia, devido às suas inúmeras invenções e projetos, como já foi citado: o leme, a cerâmica, a quadriga, a flauta, os utensílios agrícolas, o cavalo de Tróia, o navio Argo, dentre outras. Quando foi fundada a Escola Politécnica, a escolha de Minerva como símbolo foi da vontade do próprio Francisco de Paula Souza. Minerva representa para nós, politécnicos, um ideal, o poder criativo da engenharia e compromisso com a produção de tecnologias para o maior bem da humanidade.

 

 

O Nascimento de Minerva

 

Minerva tem um nascimento singular entre os deuses. Zeus ( Júpiter para os romanos ), o senhor do Olimpo, havia apaixonado-se pela titânia Métis, deusa da prudência. Contudo o oráculo da deusa Gaia ( a deusa Terra ) revelou que o filho nascido daquela união haveria de destronar o pai e reinar sobre os deuses. Júpiter, temeroso da gravidez de Métis, quando a teve nos braços, engoliu a deusa, para que nenhum filho nascesse daquela união.

Algum tempo depois, quando Zeus caminhava às margens do Lago Trítonis, teve uma fortíssima dor de cabeça. O rei dos deuses cai no chão urrando de dor, chamando a atenção de todos os outros imortais. Sem remédio para a dor lancinante que parecia querer explodir a cabeça do deus, seu filho Hefestos, o deus ferreiro, com seu martelo fortemente bateu na cabeça de Zeus, abrindo nela uma rachadura. Do cérebro do Senhor do Olimpo então emergiu uma belíssima deusa já vestida de armadura e entoando cânticos de guerra. Era Atena.

Como Atena surgiu da cabeça de Zeus, era a mais sábia dentre as divindades. Notem na concepção do mito as idéias da época: Os gregos não podiam conceber a prudência como um atributo de uma mulher, Métis, portanto ela é engolida e absorvida por Zeus, princípio masculino soberano. Atena é a sabedoria saída da mente do rei dos deuses. Os gregos não a consideravam filha de Métis, apesar de Métis haver estado grávida de uma menina quando foi engolida, mas muitos mitólogos consideram a deusa a filha de Métis, crescida no cérebro de Júpiter.

 

Zeus da própria cabeça gerou a de olhos glaucos

Atena terrível estroante guerreira infatigável

soberana a quem apraz fragor combate e batalha.

 

( Hesíodo, Teogonia - a Origem dos Deuses )

 

 

 OBS: Este texto pode ser reproduzido desde que citado o autor e a fonte ( Revista Metrópoli nº10 do Grêmio Politécnico da USP)

 

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