CAPÍTULO 7

KARMA


As conseqüências do karma são definidas: ações negativas sempre trazem sofrimento e ações positivas sempre trazem felicidade. Se você fizer o bem, terá felicidade; se fizer o mal, você mesmo vai sofrer. As nossas ações kármicas nos acompanham vida após vida, o que explica a razão de algumas pessoas, que constantemente se entregam à negatividade, ainda assim serem bem-sucedidas no nível mundano e de outras pessoas, que estão comprometidas com a prática espiritual, enfrentarem muitas dificuldades. As ações kármicas têm sido cometidas em um número infinito de vidas, portanto, existe um potencial infinito para um número infinito de conseqüências.
No decorrer do tempo, o potencial do karma sempre aumenta. Pequenas sementes têm o potencial de produzir grandes frutos. Isto também é verdadeiro no que se refere à causa e ao efeito interior; mesmo uma pequena ação pode ter uma grande conseqüência, positiva ou negativa. Por exemplo, um menininho certa vez ofereceu ao Buda um punhado de areia imaginando sinceramente ser ouro. Em uma vida futura, o menino renasceu como o grande imperador budista Ashoka. Da mais ligeira ação positiva pode advir a conseqüência maior de felicidade. Do mesmo modo, a menor ação negativa pode trazer um sofrimento muito intenso. O potencial que o karma tem de aumentar dentro do nosso fluxo mental é muito maior do que o potencial de meras causas físicas, tal como uma semente de maçã. Assim como gotas de água podem encher um grande vaso, do mesmo modo as menores ações, quando continuamente cometidas, podem encher as mentes dos seres sensíveis.
Dentro da comunidade humana, percebemos muitas diferenças. Algumas pessoas são sempre bem-sucedidas em suas vidas, algumas nunca têm sucesso, algumas são felizes, algumas têm uma boa presença e paz de espírito. Algumas pessoas parecem estar sempre enfrentando grande infelicidade, contra as nossas expectativas. Algumas pessoas que você poderia esperar que fossem infelizes não o são. Tudo isso testemunha o fato de que nem todas as coisas estão em nossas mãos. Às vezes, quando tentamos iniciar um empreendimento, acumulamos todas as condições necessárias que são requeridas para o seu sucesso, mas ainda assim alguma coisa fica faltando. Dizemos que alguém é sortudo e que alguém é azarado, mas só isso não é suficiente. A sorte deve ter uma razão, uma causa. De acordo com a explicação budista, a sorte é a conseqüência de suas ações cometidas ou na vida passada ou na parte anterior desta vida. Quando o potencial amadureceu, então mesmo se você estiver enfrentando circunstâncias adversas, ainda assim o empreendimento alcança o êxito. Porém, em alguns casos, mesmo que você tenha reunido todas as condições necessárias, ainda assim você fracassa.
Nós, tibetanos, nos tornamos refugiados e passamos por muitos sofrimentos, mas ainda assim somos relativamente afortunados e bem-sucedidos No Tibet, os chineses tentaram igualar toda a população criando comunas e limitando a propriedade privada. Mesmo assim, nas comunas, algumas hortas dão mais legumes do que outras e algumas vacas dão mais leite. Isso mostra que há uma grande diferença entre os méritos dos indivíduos. Se as ações virtuosas de uma pessoa amadurecem, mesmo que as autoridades confisquem a sua riqueza, esta pessoa será bem-sucedida por causa da força de seu mérito, por causa da força daquele karma. Se você acumula adequadamente ações virtuosas, tal como evitar matar, libertar animais e cultivar a paciência em relação aos outros, isto será benéfico no futuro e nas vidas futuras, ao passo que, se você se entrega continuamente a ações negativas, com certeza enfrentará as conseqüências no futuro. Se você não acredita no princípio do karma, então pode fazer como quiser.
Uma vez que você comete uma ação, a causa para uma reação permanece e aumenta até que o seu efeito seja vivenciado. Se você nunca cometeu a ação, nunca enfrentará as conseqüências. Uma vez que você cometeu a ação, a não ser que a purifique através das práticas apropriadas, ou se é uma ação virtuosa, ou que seja destruída pela raiva ou por fatores contrários, o efeito da ação será vivenciado. Uma ação, mesmo se foi executada há muitas vidas atrás, nunca perderá o seu efeito simplesmente por causa da passagem do tempo.
As ações positivas e negativas são determinadas pela própria motivação de cada pessoa. Se a motivação for boa, todas as ações se tornam positivas; se a motivação for errada, todas as ações se tornam negativas. As ações kármicas são de muitos tipos diferentes. Algumas são totalmente virtuosas, algumas são totalmente não-virtuosas e algumas são mistas. Se a motivação for certa, embora a ação em si possa parecer bastante violenta, causará felicidade, ao passo que, se a motivação for errada e desonesta, então mesmo que a ação possa parecer benéfica e positiva, na realidade será uma ação negativa. Tudo depende da mente: se a sua mente é domada e treinada, todas as ações se tornam positivas; ao passo que, se a sua mente é indômita e constantemente influenciada pelo desejo e pelo rancor, embora as ações possam aparentemente ser positivas, na realidade você vai acumular karma negativo. Se mais pessoas acreditassem na lei do karma, nós provavelmente nunca precisaríamos ter uma força policial ou um sistema penal. Porém, se falta nos indivíduos esta fé interior nas ações kármícas, mesmo que externamente o povo possa aplicar todo tipo de técnicas para executar a lei, não conseguirá criar uma sociedade pacífica. Neste mundo moderno, usam-se sofisticados equipamentos para a vigilância e para detectar os infratores da lei. Porém, quanto mais essas máquinas se tornam fascinantes e sofisticadas, tanto mais sofisticados e determinados se tornam os criminosos. Se é para esta sociedade humana mudar para melhor, então impor uma lei só externamente não será o suficiente. Precisamos de algum tipo de desencorajamento interior.
Um modo de vida civilizado e pacífico e uma moralidade baseada na espiritualidade deveriam andar de mãos dadas. Antes da invasão dos chineses em 1959, os reis do Tibet criaram leis para o país baseadas no conceito budista de moralidade. Pessoas de todas as partes do mundo dizem que o povo tibetano é excepcionalmente gentil e benevolente. Não vejo nenhuma outra razão que explique esta característica própria da nossa cultura se não o fato de que foi baseada no ensinamento budista da não-violência por tantos séculos.
Existem três portas através das quais cometemos ações:
o corpo, a fala e a mente. Por estas portas, podemos cometer ou as dez ações positivas ou as dez ações não-virtuosas. Das ações
não-virtuosas, três são físicas, quatro são verbais e três são mentais. A primeira ação física não-virtuosa é tirar a vida de outra pessoa. Para que um assassinato aconteça, deve haver um outro ser vivo. Tirar a sua própria vida não é considerado do mesmo modo, porque nenhuma outra pessoa está envolvida. Se você tem a motivação inicial de matar uma determinada pessoa, mas, se no momento da realização do ato de matar, acontece de você matar uma outra pessoa por engano, então isso não constitui uma ação de matar completamente não-virtuosa. Por outro lado, quando a sua motivação inicial é a de matar qualquer pessoa que você encontre, então, se você mata alguém, isso constitui acumulação completa de uma ação não-virtuosa de matar.
O assassinato pode ser motivado por qualquer um dos três venenos: apego, rancor ou ignorância. Por exemplo, podemos matar animais devido ao apego pela carne deles. Podemos matar inimigos devido ao rancor e podemos realizar sacrifícios de animais devido à ignorância. Não importa se você realiza a ação por si mesmo ou se deixa que outras pessoas o façam por você; ambas constituem a mesma ação negativa de matar. Para que a ação de matar seja completa, a pessoa deve morrer antes do matador.
A segunda ação negativa é roubar. O roubo pode ser motivado pelo apego ou você pode roubar por ódio a alguém, para prejudicar esta pessoa. O ato de roubar também pode ser motivado pela ignorância devida a uma crença errônea de que você pode pegar qualquer coisa que queira. A intenção é separar o bem do seu proprietário. O roubo pode ser feito através da força ou do furto. Você pode pegar uma coisa emprestada, deixar o dono esquecer e depois ficar com ela ou você pode pedir dinheiro emprestado e depois não o devolver. A ação se completa quando você acha que agora o objeto pertence a você. Mesmo que não o faça diretamente, deixar outras pessoas fazerem por você, ainda assim constitui roubo.
A última das três ações negativas do corpo é a má conduta sexual, que é um ato sexual realizado com uma pessoa imprópria, com uma parte imprópria do corpo, em um momento impróprio, em um lugar impróprio, ou contra a vontade da outra pessoa — o que naturalmente inclui o estupro. Para um homem, mulheres impróprias incluem: a própria mãe, a esposa ou namorada de outra pessoa, prostitutas temporariamente pagas por outra pessoa, as próprias parentas e mulheres ordenadas como as monjas. Outros homens também estão incluídos. As partes impróprias do corpo são o ânus e a boca. Os lugares impróprios são: perto da residência do mestre espiritual da pessoa, perto de uma estupa, dentro de um templo ou na presença dos próprios pais. Para um homem, o momento impróprio é quando a mulher está menstruada, quando está grávida e quando ela está sofrendo de uma enfermidade que, com a relação sexual, possa piorar. Se um homem se envolve em relações sexuais em uma dessas situações, mesmo que seja com a sua própria esposa, diz-se que está tendo uma má conduta sexual. De um modo geral, o envolvimento sexual se dá pelo apego, mas uma pessoa também poderia fazê-lo movida pelo rancor, tal como um homem que dorme com a esposa de um inimigo. As vezes, também é devido à ignorância, pensando que, através da relação sexual, pode obter grandes realizações. A ação negativa da má conduta sexual só pode ser cometida pela própria pessoa e o ato torna-se definido quando os dois órgãos sexuais se encontram.
As próximas quatro ações negativas são ações da fala. A primeira é falar mentiras. Isto incluí falar o contrário do que a pessoa vê, ouve ou sabe que é verdadeiro. A mentira pode ser motivada pelo apego, pelo rancor ou pela ignorância. A intenção é confundir a outra pessoa e isso pode ser feito ou através da fala ou através de um gesto com a cabeça ou com a mão. Qualquer ação feita com a intenção de confundir alguém constituí a ação negativa da mentira. O ato se completa quando a outra pessoa ouve a mentira.
A segunda é a conversa divisória. A intenção é causar discórdia entre amigos ou pessoas na comunidade espiritual pelo próprio bem da pessoa ou pelo bem de outras pessoas. Quer a pessoa seja bem-sucedida ou não em causar a discórdia, o momento em que a outra pessoa ouve a conversa divisória constitui a finalização do ato.
A terceira é a ofensa verbal. A intenção é a de falar asperamente e a ação se completa quando as palavras ofensivas são ouvidas pela pessoa a quem elas são dirigidas. A ofensa inclui insultar outras pessoas, falar sobre os defeitos delas, quer sejam verdadeiros ou não; se a pessoa faz isso para magoar a outra pessoa, isto é ofensa.
A quarta é a fofoca sem sentido. Isto é frivolidade sem qualquer propósito e pode ser motivado por qualquer um dos três venenos. A intenção da pessoa é simplesmente falar sem qualquer razão, apenas fofocar sem qualquer propósito. A execução desse ato não requer uma segunda pessoa. Você não precisa de um parceiro; pode fazer isso falando para si mesmo. As fofocas fúteis incluiriam falar sobre guerras, sobre as falhas das outras pessoas ou discutir apenas por amor à argumentação. Isso também incluiria ler livros sem importância.
Por último, há as três ações negativas da mente, a primeira sendo a cobiça. O objeto da cobiça são as posses pertencentes a outras pessoas. A ilusão que estimula a cobiça pode ser qualquer um dos três venenos — o desejo, o rancor ou a ignorância. Completar esta não-virtude envolve cinco fatores: forte apego em relação às posses de outras pessoas, o desejo de acumular riqueza, cobiçar as posses de uma outra pessoa, desejar para si mesmo as posses de uma outra pessoa e não perceber o dano em cobiçar os pertences dos outros. Se estes cinco fatores estão presentes, então, quando a pessoa cobiça alguma coisa, isso completa a execução deste ato mental.
A outra ação negativa da mente é a intenção prejudicial, que é semelhante à fala ofensiva. A intenção é magoar alguém, falar asperamente ou esperar que outras pessoas sofram infortúnios e fracassem em suas atividades. Uma vez que a pessoa se entrega a tais pensamentos, a conseqüência ou a finalização é ou você atingir fisicamente a pessoa ou pretender fazê-lo mentalmente. Isso também requereria cinco fatores: que a pessoa tenha como motivação básica o rancor ou a raiva; que tenha falta de paciência; que não compreenda as faltas provenientes da raiva; que realmente pretenda prejudicar a outra pessoa e que não compreenda os erros da intenção prejudicial o suficiente para dominá-la. Simplesmente desejar que a outra pessoa sofra é intenção prejudicial.
A última das dez ações negativas são as visões errôneas ou perversas nas quais a pessoa nega a existência de coisas que existem. Geralmente, há quatro tipos de visões errôneas: visões errôneas com respeito à causa, com respeito ao efeito, com respeito à função de uma coisa e com respeito à existência de uma coisa. A visão errônea com respeito à causa seria acreditar que não existe ação kármica; com respeito ao efeito seria acreditar que determinadas ações não têm conseqüências; com respeito à função seria pensar que os filhos não são educados por seus pais e que as sementes não produzem os seus resultados e também pensar que não existe vida passada ou vida após a morte. O quarto tipo de visão errônea diz respeito às coisas existentes — por ignorância ou apego, acreditar que os seres iluminados, o nirvana e as Três Jóias não existem. Tsong-kha-pa diz que, embora haja muitos tipos diferentes de visões errôneas, estas visões errôneas realmente cortam a raiz da acumulação de virtudes de uma pessoa e, em conseqüência, força o indivíduo a se entregar às ações negativas sem nenhum controle. Por isso, as visões errôneas sobre as Três Jóias e sobre a lei de causa e efeito são consideradas as maiores de todas.
Nós também devemos estar conscientes da gravidade relativa das ações kármicas. Quando a ação é motivada por ilusões muito fortes, então ela é considerada muito grave. A maneira pela qual a ação é realmente executada também determina o peso kármico. Por exemplo, se um assassinato é cometido com grande prazer, primeiro torturando a pessoa e depois ridicularizando e insultando a pessoa, ele é considerado muito grave, devido à maneira desumana pela qual aquela pessoa ou ser vivo foi morta. Se a mente do assassino não tem consciência ou senso de vergonha, então, porque lhe faltam as forças contrárias, a ação negativa de matar é muito grave. Se a sua matança de um ser vivo é motivada pela ignorância, tal como fazer uma oferenda sacrificial, achando que esta matança é realmente um ato religioso e que não constitui uma ação negativa, então isso é considerado muito grave.
Em geral, quanto mais você realiza determinadas ações negativas, mais grave o ato se torna. O peso do karma também depende da pessoa que realiza a ação. Se você dedica o seu mérito em benefício dos outros seres sensíveis com o objetivo de alcançar a iluminação, ele é considerado mais poderoso, ao passo que, se ele for dedicado a objetivos menores, é considerado menos poderoso. Isso também se aplica à ação negativa. Quanto mais poderosas forem as ilusões motivadoras, mais poderosa é a ação kármica e, entre todas estas ilusões, a raiva é considerada a mais poderosa. Um único momento de raiva dirigido a um bodhisattva destruiria toda a coleção de virtudes que você possa ter acumulado nas últimas mil eras.
O efeito das ações negativas também se baseia na intensidade das ilusões que as estimularam. Também existem efeitos que correspondem à causa. Por exemplo, em conseqüência de um assassinato, mesmo quando, após renascer nos domínios inferiores de existência, a pessoa renasce como um ser humano, a sua vida será curta. Em consequencia de haver roubado, a pessoa não terá riqueza material; em consequencia da má conduta sexual, a pessoa terá um cônjuge muito infiel; em conseqüência da fala ofensiva, as pessoas o insultarão; em consequencia da fala divisória, haverá discórdia entre os amigos da pessoa, e assim por diante. Um outro tipo de efeito é o comportamento instintivo. Em conseqüência de um assassinato em
uma vida passada, mesmo como um ser humano, a pessoa teria impulsos instintivos, sentindo prazer em matar. Existem também efeitos ambientais, que amadurecem mais coletivamente para uma comunidade. Por exemplo, em consequencia de uma matança, a pessoa teria de viver em um lugar no qual as safras não são muito boas, as colheitas não são abundantes, o território é muito desolado, o clima não é muito bom, cheio de árvores e espinhos venenosos. Como um efeito ambiental do roubo, um fazendeiro não teria safras bem-sucedidas. Como um efeito ambiental de visões errôneas, a pessoa não teria proteção e nenhum refúgio.
Se, como um resultado da moralidade, a pessoa se abstém e resolve não se entregar às ações negativas, isto constitui acumulação de ações positivas. Entretanto, se a pessoa não tem a habilidade ou a capacidade de se entregar às ações negativas, isto não quer dizer que acumulou ações virtuosas. As ações virtuosas só podem ser acumuladas quando a pessoa tem a habilidade e a capacidade de cometer ações negativas mas não o faz devido à restrição moral.
Algumas ações são cometidas mas não intencionalmente, como as mortes acidentais, matar em sonhos ou fazer alguma coisa contra a vontade da pessoa. Nestes casos, a ação é cometida mas o karma não é acumulado; a finalização da ação kármica não acontece, porque falta o fato necessário da intenção. Por outro lado, se você estimula alguém a cometer um ato não-virtuoso em seu nome, então é você que acumula o karma negativo.
O resultado de uma ação pode amadurecer nesta vida, na próxima vida ou após um intervalo de muitas vidas. Algumas ações realizadas por ignorância ou por rancor intenso são tão graves que irão produzir os seus resultados até mesmo nesta vida. Este também é o caso com algumas ações positivas. Se você tem forte compaixão pelos seres sensíveis, se você se refugia fortemente nas Três Jóias e se retribui a delicadeza do mestre espiritual e dos seus pais, os frutos dessas ações são considerados tão poderosos que começarão a amadurecer nesta vida.
A obtenção de uma forma humana é o resultado principalmente de observar a pura moralidade e de abster-se das dez ações negativas. Entretanto, para obter uma forma humana dotada com as condições que irão apressar o processo da pessoa no caminho, outros fatores são necessários. Eles incluem uma longa vida para a conclusão da prática do Dharma. Também ajuda ter um corpo saudável e bonito, bem como nascer em uma família respeitável, porque então você atrairia naturalmente um grande respeito das pessoas e teria uma influência maior. Outros fatores que são mencionados nos textos são ter uma fala confiável e um corpo e uma mente vigorosos para que você não seja vulnerável às interferências. Com uma forma atraente, sem qualquer dificuldade, a simples visão de você irá atrair discípulos e fará com que eles tenham uma grande confiança em você. Sendo proveniente de uma família respeitada, as pessoas irão ouvi-lo e prestar atenção ao seu conselho. Você será capaz de reunir muitas pessoas sob a sua influencia dando-lhes auxílio material e, devido à sua fala confiável, você fará com que outras pessoas tomem o que você diz como verdadeiro. Tudo o que você disser será realizado rapidamente, da maneira como você desejou, exatamente como quando um rei dá uma ordem. Você não terá medo ou vergonha de ensinar o Dharma para uma grande multidão de pessoas e haverá menos obstáculos para a prática do Dharma. Tendo um corpo e uma mente vigorosos, você será capaz de suportar grande cansaço físico e não terá nenhum arrependimento ou frustração com relação a trabalhar para realizar qualquer uma das suas próprias metas ou das de outras pessoas.
Cada uma dessas várias qualidades tem uma causa cármica específica. A causa de uma vida longa é sempre o fato de ter uma atitude altruísta e de auxílio, nunca prejudicando outras pessoas. A causa de um corpo forte e sadio é dar aos outros roupas novas e abster-se de perder a paciência. O nascimento em uma família respeitada é o resultado de sempre ser humilde, nunca ser orgulhoso e ver a si mesmo como um servidor do seu próprio mestre e dos seus próprios pais. A causa da grande riqueza é dar ajuda material a pessoas pobres e a causa da fala confiável é abster-se de ações negativas da fala. Ter grande influência é o resultado de fazer oferendas às Três Jóias, aos seus próprios pais, aos seus mestres e assim por diante. Ter um corpo e uma mente poderosos é o resultado de dar alimento e bebida a outras pessoas. Se você acumular estas causas, conseguirá a extraordinária existência humana com aquelas qualidades.
Se permanecermos indolentes e não pensarmos seriamente sobre a lei kármica, podemos às vezes ter a impressão de que não estamos acumulando quaisquer ações negativas e de que somos bons praticantes. No entanto, se analisarmos os nossos pensamentos e ações detalhadamente, descobriremos que estamos envolvidos em conversas fúteis, prejudicando outras pessoas e nos deixando levar pela cobiça diariamente. Descobriremos que, na realidade, nos falta o fator principal de convicção profunda que é necessário para realmente seguirmos a lei do karma. Precisamos perceber a lacuna que existe entre a prática do Dharma e o modo como vivemos as nossas vidas no momento. Para preencher a lacuna, integre o conhecimento da lei de causa e efeito às suas ações. Se você perceber o perigo potencial do seu modo de pensar e agir, então cultivará repetidamente a resolução de corrigir os seus pensamentos e o seu comportamento.
Tsong-kha-pa diz que, embora devamos fazer grande esforço para não os entregarmos nunca mais a estas ações negativas, como um resultado da nossa longa associação com ilusões, às vezes nos descobrimos as tendo cometido incontrolavelmente. Isso não deve ser negligenciado. Pelo contrário, devemos praticar as técnicas de purificação que o próprio Buda recomendou. Ele disse que, aplicando quatro poderes contrários, seremos capazes de purificar a negatividade que já foi cometida e poderemos superá-la. O primeiro é o poder do arrependimento. Refletindo sobre a gravidade das conseqüências de ações negativas, você deveria, do fundo do seu coração, desenvolver um profundo senso de arrependimento pelas ações cometidas. O segundo é o poder da purificação. Isso pode ser alcançado através de uma variedade de técnicas, incluindo recitar, memorizar e ler sutras, meditar sobre o vazio, recitar mantras, fazer imagens do Buda, fazer oferendas e recitar os nomes dos Budas. Estas práticas de purificação devem ser realizadas até que você perceba sinais e indicações de sucesso nas suas práticas de purificação. Estes sinais incluem ter sonhos de vomitar, ter sonhos de beber leite ou coalhada, ver o sol e a lua em um sonho, sonhar que está voando ou com fogo queimando ou com búfalos esmagadores ou pessoas com casacos pretos, com monges e monjas, sonhar que está escalando montanhas e escutando ensinamentos. Estas são indicações de sucesso na sua prática de purificação.
O terceiro é o poder de decidir não se envolver, no futuro, com a ação não-virtuosa. Se você tem o poder de decisão e se abstém de cometer as dez ações negativas, não somente será capaz de purificar as negatividades das dez ações não-virtuosas como também terá o poder de purificar as ilusões e as impressões por elas deixadas. Se o seu poder de decisão é muito superficial, a sua prática de purificação também será superficial. O último poder é meditar sobre refugiar-se no Buda, no Dharma e no Sangha e desenvolver o desejo de tornar-se iluminado por amor a todos os seres sensíveis.
Se uma ação negativa é cometida e não é purificada, ela terá o potencial de causar o renascimento nos domínios inferiores de existência. As ações negativas ou podem ser totalmente purificadas no sentido de que o seu potencial seja totalmente destruído ou o seu potencial de causar o renascimento nos domínios inferiores de existência será destruído, mas elas podem se manifestar como simples dores de cabeça nesta vida. Isto é, quaisquer ações negativas que, de outro modo, trariam as suas conseqüências durante um longo tempo, podem ser vivenciadas em um curto período de tempo. Estes resultados dependem do praticante ser ou não habilidoso na prática de purificação, dos quatro poderes estarem ou não completos, de quão intensa é a prática e de há quanto tempo esta prática de purificação está sendo realizada. Em alguns casos, o potencial da ação kármíca é destruído; em outros casos, pode se manifestar em experiências mais leves. Você não deve tomar isso como sendo contraditório à declaração das escrituras de que as ações kármícas, uma vez cometidas, nunca perderão o seu potencial, mesmo em cem eras. Isso significa que, se as ações kármicas, uma vez cometidas, não forem purificadas, elas nunca perderão o seu potencial só por causa da passagem do tempo. Não existe ação que não possa ser purificada. A purificação destrói o potencial das ações kármicas negativas do mesmo modo que as ações positivas perdem o seu potencial devido ao aparecimento da raiva. Porém, o Buda disse que você não pode nunca purificar uma ação kármica uma vez que ela já tenha produzido os seus resultados. Por exemplo, as experiências negativas que tivemos nesta vida são efeitos de ações negativas cometidas no passado — ações que já ocorreram; estas você não pode purificar de maneira alguma.
Tsong-kha-pa diz que, já que é possível que as ações positivas percam o seu potencial pelo aparecimento dos seus contrários, como a raiva, devemos não somente sermos muito cautelosos em acumular virtudes como também igualmente cautelosos em protegê-las após termos, um dia, as acumulado. Isso é feito dedicando o nosso mérito em alcançarmos a iluminação ao objetivo de alcançar a Fraternidade Búdica. Diz-se que, uma vez que você dedicou o seu mérito para o atingimento de tais metas, então, até você realizar aquela meta, a ação virtuosa que acumulou nunca perderá o seu potencial. É como depositar o seu dinheiro em um banco inviolável pelos ladrões — que, neste caso, seriam a raiva, o apego ou a ignorância.
Embora, através da aplicação das forças contrárias apropriadas, possamos purificar totalmente as negatividades e destruir o seu potencial de causar conseqüências indesejáveis, é muito melhor, em primeiro lugar, simplesmente não cometer estas ações negativas. Portanto, é melhor, desde o início, nunca se entregar a elas, nunca macular a sua mente com tais ações negativas. Tsong-kha-pa diz que é análogo a alguém quebrando uma perna: mais tarde, ela se cura, mas comparada a uma perna que nunca foi quebrada é muito diferente.
Algumas pessoas podem pensar que, já que em outras escrituras a prosperidade e os benefícios desta vida no interior do samsara são descritos como objetos a serem evitados e renunciados, não seja conveniente para um praticante desejar ganhar formas favoráveis de existência, porque isso também é uma vida no interior do samsara. Esta é uma atitude muito errada. Quando falamos de metas, elas são de dois tipos: metas temporárias e metas definitivas. As metas temporárias incluem alcançar a preciosa forma humana na próxima vida. Fundamentado em tal preciosa forma humana, você seria capaz de levar adiante a sua prática do Dharma a fim de que possa finalmente realizar a sua meta definitiva de alcançar a iluminação. Embora para um praticante Mahayana a meta definitiva seja trabalhar pela obtenção da onisciência para o bem de outros seres sensíveis, também é necessário para um praticante desejar ganhar um renascimento favorável no futuro, tal como a existência humana, para que possa continuar praticando. Shantideva diz que a preciosa vida humana deveria ser pensada como uma nave na qual se pode cruzar o oceano do samsara. A fim de realizar a meta definitiva de alcançar o estado Onisciente, você deve atingir a preciosa forma humana em muitas vidas. A causa básica de alcançar tais formas favoráveis de renascimento é a prática da moralidade.
Após desenvolver o desejo de assumir a prática do Dharma, é muito difícil para a maioria das pessoas renunciar totalmente ao mundo. O melhor tipo de praticante renuncia à vida mundana e passa o resto de sua vida em uma prática isolada e solitária. Isto é realmente recomendável e tem grandes benefícios, mas, para a maioria de nós, é muito difícil assumir uma prática como esta. Você também precisa pensar na sua própria vida e trabalhar dentro da comunidade e servir às pessoas. Você não deveria se preocupar totalmente com atividades mundanas; deveria também despender muita energia e tempo na prática do Dharma dirigida para o aprimoramento da sua vida futura. Você começa a compreender que, comparados ao seu destino futuro, os assuntos desta vida não são tão importantes.
Refugiando-se e vivendo dentro da lei kármica, fazendo esforço para abandonar as ações negativas e acumular ações positivas, você pode desfrutar um renascimento favorável no futuro. Entretanto, não devemos nos satisfazer só com aquilo, porque aquele renascimento favorável, como um lugar no samsara, faz parte da natureza do sofrimento. Em vez disso, deveríamos cultivar a percepção de que todas as formas de existência dentro deste ciclo de existência faz parte da natureza do sofrimento. Desde o início dos tempos, temos tido este apego instintivo à prosperidade do samsara e nunca fomos capazes de perceber os prazeres do samsara pelo que eles são: sofrimentos reais e genuínos. Uma vez que os prisioneiros não sabem que estão na prisão e não percebem a vida de prisioneiro como difícil e dolorosa de suportar, não irão desenvolver nenhum desejo genuíno de se livrarem da prisão. O mesmo é verdadeiro com o samsara:
enquanto você não for capaz de perceber as imperfeições da vida dentro deste ciclo de existência, nunca irá desenvolver um desejo genuíno de ganhar o nirvana, a libertação do samsara.
Você não deve ter a noção errada de que o Budismo é pessimista. Ao contrário, é muito otimista, porque o objetivo de cada indivíduo é a iluminação total, a qual traz uma felicidade total e duradoura. O Budismo nos lembra que isso é possível para todas as pessoas. Os prazeres do samsara parecem temporariamente desejáveis, mas não podem nunca nos satisfazer, não importa quanto tempo nós os desfrutamos, e não são confiáveis, porque estão sujeitos à mudança. Em contraste à satisfação e à felicidade do nirvana, que são definitivas, permanentes e eternas, estes prazeres e esta felicidade dentro do samsara tornam-se insignificantes.
 
 
 
 
 
 

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