O álcool, etílico: C2H5OH ou CH3CH2OH, espalha-se rapidamente pelo nosso corpo e penetra com facilidade nas células e tecidos de todos os órgãos. Sendo eliminado de varias formas. Uma pequena quantidade é eliminada sem qualquer modificação, que é efectuada parcialmente através dos pulmões (fetor alcoholicus) directamente relacionada com o nível de álcool no sangue, e parcialmente através dos rins. Mas na sua maior parte, o álcool é metabolizado.
Esta metabolização parcialmente é efectuada na membrana mucosa do estômago por uma enzima, álcool-desidrogenase (ADH), que ataca a molécula do álcool, removendo rapidamente dois átomos de hidrogénio para criar uma nova substancia chamada acetaldeído. O ADH estomacal é muito mais activo nos homens que nas mulheres, pelo que, com o mesmo consumo oral de álcool que os homens, as mulheres tem uma maior concentração no sangue. (Nota 38)
A maior parte do metabolismo é feito no fígado, que tem dois sistemas a sua disposição:
A ADH catalisa a oxidação do álcool para acetaldeído. O acetaldeído é então oxidado para acetato sobre a influencia de uma enzima, a aldeído-desidrogenasse (ALDH), do que resulta a produção de acido láctico: a acidez corporal ou lactato acidez*. Isto acontece à custa do metabolismo do hidrato de carbono e pode resultar em hipoglicémia (uma concentração excessivamente baixa de açúcar no sangue).
O sistema MEOS é particularmente activo com grandes concentrações de álcool. Esta enzima também decompõe o álcool para acetaldeído. Debaixo de estimulação continua, este sistema desenvolve-se, ficando cada vez mais forte, de modo a que maiores volumes de álcool por unidade de tempo possam ser decompostas sobre uso constante. Outras substancias são também metabolizadas no sistema MEOS, aquelas que os efeitos são influenciados pelo álcool.
A eliminação do álcool por um bebedor não crónico é linear. O fígado requer aproximadamente uma hora e meia para eliminar um consumo padrão (10 gramas).
Não existe uma relação linear entre o nível de álcool no sangue e o grau de intoxicação: existem grandes diferenças nos efeitos do álcool entre um indivíduo e outro.
Como resultado da actividade metabólica das enzimas, a percentagem de álcool no sangue não se mantém constante durante um período longo. Ela sobe rapidamente após a ingestão, mas depois desce com regularidade. Os efeitos do álcool são experimentados prazenteiramente durante a parte ascendente da curva, e são menos agradáveis quando a sua concentração sanguínea se encontra na zona descendente da curva.
Os efeitos mais nocivos do consumo de álcool são causados pelos metabolitos a que dá origem: acido e acetaldeído. O álcool em si tem poucos efeitos nocivos.
Para alem da formação do ácido láctico, a oxidação dos ácidos gordos também é perturbada. Os ácidos gordos que não são decompostos acumulam-se nas células do fígado, do que resulta um fígado gordo. O fígado tenta reduzir esta acumulação de ácidos gordos eliminando-os para o sangue. O resultado é a hiperlipemia, um excesso de gordura no sangue, o que contribui para a arteriosclerose.
A maior parte do acetaldeído é rapidamente transformado em acetato, mas uma pequena percentagem escapa para o sangue e produz efeitos noutras partes do corpo. O acetaldeído pode deteriorar as células, e assim diminuir o ritmo a que o acetaldeído é metabolizado. No fígado, o acetaldeído perturba o metabolismo das proteínas, resultando na acumulação de proteínas e uma expansão acrescida do fígado.
O acetaldeído que escapa para o sangue pode apoiar a libertação de adrenalina e dopamina, mas em geral o nível da concentração de acetaldeído e demasiado baixo para isso. Mas existem duas excepções:
1 - Os asiáticos são particularmente afectados por uma aceleração na produção de acetaldeído, geneticamente determinada, da qual resulta taquicardia, transpiração, dores de cabeça, palidez e náusea, após o consumo de álcool, mesmo em pequenas quantidades.
2- Os mesmos sintomas ocorrem como a reacção ao disulfiram (Antabus, Refusal).
O disulfiram inibe o ALDH, resultando numa rápida acumulação de acetaldeído após o consumo de álcool.
O bloqueamento virtualmente completo do ABDH, conduz a uma forte reacção cerca de 5 a 10 minutos depois da ingestão de álcool, resultado da libertação de catecolaminas.
De um modo geral, o efeito no cérebro é de inibição, incluindo dos sistemas inibidores. Em resultado deste enfraquecimento dos sistemas inibidores, o consumo de álcool pode resultar numa atmosfera mais propicia e os contactos sociais parecem ser originados de forma mais fácil e rápida (activação aparente).
O acetaldeído, aminas naturais (como a dopamina e a serotonina) e os seus metabolitos complexos formam os chamados derivados tetra-hidro-iso-quinolina (TIQs).
Como resultado da rápida formação destes complexos, a concentração de acetaldeído no sangue dos alcoólicos mantêm-se relativamente baixa. Os dois principais TIQs são o tetrahidropapaverolina (THP) e o salsolonol. Os TIQs interagem com os receptores opiáceos no sistema nervoso central. (Nota 39) É possível que este mecanismo detenha um papel importante na génese da dependência do álcool, e sendo assim então terá também a mesma base neuroquímica que a dependência de opiáceos, já que os TIQs são substancias semelhantes à morfina. Esta hipótese é confirmada pela descoberta que a administração de naloxone (naloxon) também contraria os efeitos objectivos da intoxicação alcoólica, mas não os subjectivos. (Nota 40) O álcool, ou os seus metabolitos, também afectam os receptores GABA. Uma substancia experimental ( Rol5-4513, um derivado das benzodiazepinas) aparentemente liga-se por si próprio os receptores GABA e deste modo bloqueia os efeitos do álcool, enquanto que administração de uma substancia que bloqueie os receptores GABA, como consequência, bloqueia também os efeitos do Rol5-4513. (Notas 41, 42). O álcool também influencia os receptores glutâmicos (NMDA).
Quando o álcool é administrado em largas doses em cobaias animais, a produção de serotonina aumenta significativamente. Se observarmos que nos alcoólicos a concentração de 5-HIAA (o metabolito mais importante da serotonina) e baixa quando se abstém de beber bebidas alcoólicas, pode se supor que o consumo de álcool é uma forma de auto-medicação para corrigir um nível excessivamente baixo de produção de serotonina. (Nota 5)
Por ultimo, o álcool também afecta o metabolismo da noradrenalina e dopamina: um aumento na produção de NA no consumo crónico e um aumento na produção de DA após consumo agudo. No consumo crónico também existe tolerância em relação à DA. (Nota 5)
A tolerância ao álcool ocorre com um consumo prolongado: baseado na adaptação no sistema nervoso central e na tolerância metabólica, baseada na crescente capacidade do MEOS. Este sistema enzimático também tem um papel na decomposição de medicamentos como os anticoagulantes, benzodiazepinas, barbitúricos e narcóticos, logo a capacidade para metabolizar estas substancias aumenta também. Isto torna difícil prescrever medicamentos a pacientes que tenham consumido bebidas alcoólicas durante um grande período de tempo. O fortalecimento dos efeitos das benzodiazepinas e barbitúricos pelo álcool, deriva provavelmente do influencia do álcool nos receptores GABA. Muitos consumidores de bebidas alcoólicas estão tão conscientes que o efeito do álcool é reforçado pelo Librium, que fazem uso deste facto.
Se bem que o álcool contenha 7.1 Kcal por grama, não pode ser encarado como uma substancia alimentícia já que não fornece nenhuma das substancias requeridas pelo corpo. Elas são calorias redundantes. Em parte, como resultado deste fornecimento de calorias, os bebedores crónicos não sentem fome, o que pode facilmente conduzir a um défice em proteínas, vitaminas, e microelementos. Por intemédio de modificações na estrutura e funcionamento do pequeno intestino, fígado e pâncreas, o álcool também perturba a digestão e a ressorção. Por ultimo, a nutrição deficiente pode resultar numa atrofia no pequeno intestino, causando mau funcionamento na ressorção. Uma dieta adequada não consegue prevenir as mais variadas formas de má nutrição. As maiores deficiências são em vitamina B1, o que pode ser observado na polineuropatia e no síndroma Wernicke-Korsakoff; e em ácido fólico o que resulta numa anemia megolóblastica.
Um risco acrescido para o aparecimento de carcinomas na zona superior do aparelho digestivo; este risco é ainda maior quando combinado com o tabagismo. Distúrbios peristálticos e na tensão das esfíncteres (acidez e flatulência). Gastrite: náuseas, dores no abdómen superior, acordares doentios e vómitos com presença de sangue. Ulceras no estômago. O aumento na produção de muco no pequeno intestino e uma queda na motilidade intestinal, resultando em diarreia e na atrofia vilosa, que por sua vez conduzem a deficiências nutricionais.
Pancreatite aguda, recorrente e crónica. A pancreatite crónica é resistente. Depois de formada, a abstinência do consumo de álcool já não ajuda.
As seguintes situações podem ocorrer simultaneamente: hepatite, fibrose e cirrose. Eventualmente o funcionamento do fígado torna-se altamente perturbado, com consequências para muitas funções corporais: perturbações na coagulação sanguínea, intoxicação com doses normais de medicamentos, ou encefalopatia.
Redução da capacidade contractória do coração, que eventualmente conduz a uma cardiomiopatia. Também se pode verificar a ocorrência de arritmia. A morte subita por falha cardíaca é mais comum entre os alcoólicos, devido provavelmente á combinação de arritmia com a esclerose coronária. Apesar da existência de hiperglicemia, alguns estudos deram a conhecer que os riscos de esclerose coronária é menor entre os que consumidores de bebidas alcoólicas do que entre os abstinentes.
A anemia megaloblastica como consequência da diminuição do acido fólico, e a anemia hemolitíca como um efeito tóxico directo do acetaldeído. A trombicitopenia, uma deficiencia nas plaquetas sanguíneas, que conduz à perturbação da coagulação.
A redução na eliminação do ácido úrico pode levar a um ataque de gota. O álcool também trás a supressão das hormonas antidiuréticas, resultando numa produção acrescida de urina que pode levar a desidratação.
As consequências agudas da intoxicação alcoólica são apresentadas na seguinte tabela:
0/00 nº de copos consequências 0.2 1 inicio da alteração humor e comportamento 0.5 2 a 3 limite legal para a condução. 1 4 a 5 instabilidade, limite do socialmente aceitável 2 ~ 10 vómitos, ataxia, ver a dobrar, cegueira temporária 3 > 15 incapacidade para falar, diminuição na função respiratória, e insensibilidade á dor 3,5 a 4 > 20 apneia >4 paragem cardíaca
Os efeitos e percentagens referidos aplicam-se a bebedores moderados, e apenas servem como indicadores.
Outras complicações neurológicas são:
A redução ou a cessação do uso prolongado e excessivo de álcool é seguido de fortes tremores e alguns dos seguintes sintomas: náuseas ou vómitos, mau estar, taquicardia, transpiração, aumento da pressão sanguínea, ansiedade, depressão ou irritabilidade, passagens alucinadas ou ilusões, dores de cabeça, insónias. Como resultado da interacção de factores biológicos, psíquicos e ambientais, pode ocorrer o delírio da abstinência alcoólica: um nível reduzido de consciência, desorientação, perturbações na memória, ilusões, e alucinações (normalmente visuais) com um comportamento muito desassossegado e agitado.
Também podem ocorrer alucinações alcoólicas, caracterizadas pela vivência de alucinações acústicas enquanto que a consciência se mantém clara. O conteúdo das alucinações é frequentemente perturbador e desagradável para o viciado, algumas vezes de tal ordem que o indivíduo procura protecção, como por exemplo, da policia.
O consumo de álcool pode ter consequências para o feto. Quer o álcool quer o acetaldeído são tóxicos para o embrião e afectam o funcionamento da placenta. Portanto pode ocorrer uma combinação de graves desordens que são denominadas no seu todo como síndroma alcoólico fetal (FAS). Os sintomas deste síndroma são os seguintes:
Estes sintomas não estão sempre todos presentes na mesma criança. É bastante mais comum observar crianças com sintomas que não coincidem com a definição de FAS. Neste caso eles são referidas como efeitos alcoólicos fetais (FAE), o mais importante dos quais é a inibição do crescimento. É provável que, para alem do álcool, outros factores desempenhem um papel neste caso, já que apenas de 2.5% a 10% das mães alcoólicas dão à luz filhos com sintomas absolutos de FAS. As crianças que sofrem de FAS não são viciadas no álcool. Parece que é seguro aconselhar as mulheres que pretendam engravidar ou que estão já nesse estado a limitarem o seu consumo de álcool a menos de uma unidade por dia.
Durante os últimos apareceram em sinais nas pesquisas em gémeos e adoptados, e no facto de que as pessoas com uma historia familiar de alcoolismo aparentam reagir de forma diferente das pessoas que não têm esse contexto familiar, de que o alcoolismo pode ter uma base hereditária. Vários investigadores (Notas 43, 44) mostraram que os filhos de pais alcoólicos são influenciados pelo álcool numa proporção inferior do que os filhos de pais não alcoólicos. É possível que continuem a beber durante mais tempo porque percepcionam os efeitos negativos do álcool mais lentamente.
Também foi mostrado que os ratos criados para uma preferencia pelo álcool tem mais receptores GABA no núcleo accumbens do que ratos criados para não gostar de álcool. (Nota 45)
Por ultimo, aparentam existir diferenças entre os receptores beta-GABA das famílias de ratos tolerantes ao álcool e os das intolerantes. (Nota 46). Existe assim indicações de que uma componente genética, interagindo com os factores ambientais, desempenha um papel no alcoolismo. Se bem que as provas da pesquisa genética ainda não tenham sido fornecidas. (Nota 47)
Foram efectuadas as seguintes alterações em relação ao original traduzido:
- a introdução da formula química e da sua representação gráfica.
- a introdução de um gráfico sobre a concentração de álcool no sangue
Tradução do texto disponível no Drugtext website.
Publicado com o consentimento da DrugText.
Julho de 1997