Por Iolanda Martins e José Carlos Rocha
1. Introdução
Pretendemos com este estudo envolver-nos num tema que é practicamente desconhecido para nós, não fosse a extensa revisão bibliográfica que realizámos. Daí que aquilo que nos motiva é essenciamente a curiosidade.
A dependência (interpessoal) é um conceito muitas vezes confundido com o significado da expressão "comportamentos adictivos". Tentámos assim saber até que ponto estes dois conceitos se sobrepõem.
Iremos iniciar com uma abordagem acerca da evolução histórica do conceito de dependência, procurando enquadrar temporalmente este constructo. Depois, desenvolveremos as principais teorias que suportarão esta investigação, e que explicam a epigénese ou surgimento desta característica de personalidade e de relacionamento interpessoal. A seguir pretendemos aprofundar o estudo da dependência, quer no contexto de relacionamento com os outros, quer nas suas características que se mantêm estáveis, ou seja, de personalidade.
Depois de conhecermos melhor o "indivíduo dependente", o nosso objectivo será conhecer os riscos que este transtorno e estilo de vida poderá acarretar, quer em termos físicos, quer psicológicos; tendo em conta eventuais relações entre este transtorno e os variados comportamentos adictivos.
Os conceitos dependência e transtorno de personalidade dependente serão muitas vezes sobreponíveis na nossa abordagem. Um indivíduo com características dependentes que se mantêm marcadamente, formando um traço de personalidade, preponderante, terá um diagnóstico de transtorno de personalidade dependente.
2. Evolução histórica do conceito de personalidade dependente
As antigas descrições dos indivíduos dependentes são, muitas vezes, prejurativas. Nos escritos dos psiquiatras do século XIX, a passividade e excessiva docilidade destes pacientes eram vistas como falhas no desenvolvimento moral, e termos como inaptos, de vontade fraca e degenerado eram usados para descrever este indivíduos. Embora frequentemente observado, o tipo de personalidade excessivamente dependente não recebia o seu próprio diagnóstico na maioria dos antigos sistemas de classificação.
Uma visão muito diferente foi tomada pelos primeiros teóricos psicanalíticos. Freud e Abraham descreveram o seu carácter oral receptivo como sendo devido à excessiva indulgência ou privação no estádio oral ou de sucção do desenvolvimento. Abraham (1948, citado por Beck) afirmou: Algumas pessoas são dominadas pela crença de que sempre haverá algum tipo de pessoa -um representante da mãe, obviamente- para cuidar deles e dar-lhes tudo de que necessitam. Esta crença optimista condena-as à inactividade...não fazem qualquer tipo de esforço e, em alguns casos, chegam mesmo a desdenhar o emprendimento de uma ocupação de ganha pão.
O precursor da categorização diagnóstica dos tipos de personalidade passivo-agressivo e dependente foi a categoria reacções de imaturidade, na segunda guerra mundial, definidas como um tipo neurótico de reacção ao stress militar de rotina, manifestado por desamparo e respostas inadequadas, passividade, obstrucionismo ou explosões de agressividade (Anderson, 1966, citado por Beck, 1993). A personalidade dependente foi mencionada apenas brevemente no DSM-I, como o subtipo passivo-dependente do transtorno passivo-agressivo caracterizado por um apego inadequado em face da frustração ambiental. A personalidade dependente foi completamente esquecida no DSM-II, sendo a categoria mais próxima o "transtorno de personalidade inadequado" descrito como caracterizando-se por respostas ineficientes a exigências emocionais, sociais, intelectuais e físicas. Embora o paciente não se mostre física ou mentalmente deficiente, ele manifesta inadaptabilidade, inépcia, juízo pobre, instabilidade social e falta de vigor físico e emocional (Beck, 1993).
Utilizando como base as clássicas polaridades de activo-passivo, prazer-dor, eu-outros, Millon (1969) derivou um sistema classificatório produzindo 8 tipos básicos de personalidade. O padrão passivo-dependente (orginalmente conhecido como a personalidade submissa de Millon) envolve buscar prazer e evitar a dor, desejando passivamente que outras pessoas ofereçam reforço. Esta classificção foi espandida até ao Transtorno de Personalidade dependente, tal como pela primeira vez apareceu no DSM-III.
A conceptualização psicodinâmica contemporânea deste transtorno afirma que tanto hiperindulgência, quanto privação podem levar a uma dependência excessiva e maladaptativa, resultando da fixação ao estádio oral de sucção do desenvolvimento. No seu estudo da super-protecção materna, Levy (1966) viu a hiperindulgência como levando a traços excessivamente dependentes, tais como exigência, falta de iniciativa e a insistência de que os outros façam por estes indivíduos o que eles se sentem incapazes de fazer por si próprios. Em alguns casos, a dependência excessiva é vista como representativo de uma expressão regressiva de anseios fálicos femininos insatisfeitos, com o indivíduo esperando que mediante uma vinculação dependente, "ele obterá o pénis que será necessário à auto-estima" (segundo Esman, 1986, citado por Beck, 1993).
West e Sheldon (1988) vêem o transtorno de personalidade dependente como um claro exemplo de um transtorno do sistema de vinculação, o qual foi mais extensamente discutido por Bowlby. O padrão de vinculação mais característico do transtorno de personalidade dependente é o apegado-ansioso, visto por Bowlby como desenvolvendo-se a partir de experiências que levam o sujeito a duvidar da disponibilidade e responsividade da figura de vinculação; de tal maneira que, ao estabelecer relacionamentos, se torna excessivamente dependente e vive em constante ansiedade de perder essa figura (West et al, 1988).
Recentemente, o DSM-III-R refere que a característica essencial do transtorno de personalidade dependente é um padrão difuso de comportamento submisso e dependente, começando no início da idade adulta e presente em variados contextos (APA, 1987). Estas pessoas são incapazes, ou não se dispõem, a tomar decisões do dia-a-dia, a menos que tenham uma excessiva quantidade de conselhos e reasseguramentos de outras pessoas, e possam concordar com o que estes sugerem. Eles têm dificuldade em iniciar projectos ou fazer coisas por conta própria, sentindo tanto desconforto quando sós que não medem esforços para estar com outras pessoas. Eles sentem-se desamparados e arrasados com o término de relacionamentos íntimos e tendem a preocupar-se com temores de serem abadonados. São facilmente magoados por desaprovação, tendendo a subordinar-se aos outros, empenhando-se arduamente em fazer com que gostem deles. Eles temem tanto a rejeição, que concordarão com outra pessoa, mesmo acreditando que ela está errada. A estes indivíduos falta auto-confiança, tendendo a desconsiderar quaisquer das suas próprias capacidades e forças.
3. Modelos teóricos de dependência
Todas as teorias da personalidade incluem, implícita ou explicitamente, um modelo conceptual de dependência, contudo algumas perspectivas dão-lhe maior ênfase que outras. Existem dois modelos que tiveram uma influência particular na teoria da dependência: o psicodinâmico e a teoria da aprendizagem social.
3.1 Modelo Psicodinâmico
No modelo psicanalítico clássico, a dependência está estreitamente ligada aos acontecimentos de infância, à fase oral do desenvolvimento. Neste modelo a frustração ou excessiva gratificação ao longo da fase oral é uma hipótese para a fixação nesta mesma e de incapacidades para resolver os desafios desenvolvimentais que a caracterizam. Segundo Freud (citado por Bornstein, 1992), há uma relação entre o desenvolvimento da personalidade e a experiência alimentar durante a infância, argumentando que uma criança alimentando-se do peito da mãe torna-se o protótipo de qualquer relação de amor.
A teoria psicanalítica clássica postula que o sujeito fixado na fase oral (dependente oral) irá permanecer dependente dos outros para obter apoio e conforto, e irá continuar a exibir comportamentos, quando adulto, que refletem a fase oral do desenvolvimento (por exemplo, comer como forma de lidar com a ansiedade).
Partindo do modelo psicanalítico clássico, desenvolveram-se duas teorias da dependência (Bornstein, 1992): a teoria das relações objectais e a teoria etológica (de vinculação). Ambos os modelos têm em comum darem pouco ênfase às actividades orais actuais como determinantes do desenvolvimento de comportamentos e traços do dependente-oral. Apesar disso estes dois modelos sustentam que o relacionamento entre a criança e a mãe durante a infância é o principal determinante dos traços de dependência durante a idade adulta (Ainsworth, 1969, citado por Bornstein, 1992).
-O modelo das relações objectais de dependência expande a teoria psicanalítica enfatizando a separação-individualização e desenvolvimento do auto-conceito como uma das tarefas críticas que ocorrem durante a infância. A implicação mais importante deste conceito é que o relacionamento entre a criança e a mãe não é visto como exclusivamente direccionado para uma gratificação biológica. Este teóricos conceptualizam que este relacionamento é um protótipo para as relações inter-pessoais posteriores. No modelo das relações objectais, as representações do objecto e do eu introjectadas durante a infância terão um papel central no desenvolvimento e dinâmica da personalidade.
-A perspectiva etológica difere do modelo das relações objectais no ênfase dado ao inato e às bases biológicas da ligação mãe-criança como determinantes do auto-conceito e subsequente comportamento inter-pessoal (Bowlby, 1990).
3.2 Modelo de aprendizagem social
Os teóricos da aprendizagem social começaram por ver a dependência como uma motivação adquirida, um ímpeto através do qual se dá a redução das motivações primárias (por exemplo, a fome) através apresentação de reforços primários (por exemplo, a comida), no contexto de um relacionamento de dependência infantil.
Mais tarde reconheceram a importância do reforço social fornecido pelos pais para o desenvolvimento da dependência nas crianças e adultos. O modelo de aprendizagem social defende que, como os pais fornecem gratificação psicológica e biológica à criança, esta torna-se associada a experiências de prazer que com efeito se transformam num tipo de reforço secundário. Partindo do princípio que as crenças e expectatvas da criança em relação ao conforto fornecido pelos pais se generaliza a outras pessoas (por exemplo, professores, companheiros românticos), o comportamento dependente vai continuar a ser exibido também nestes relacionamentos.
Segundo Bandura (1967, citado por Borstein, 1992), a modulação é importante para reforçar o desenvolvimento de comportamentos dependentes; as pessoas aprendem a ser dependentes. Está implícito na teoria da aprendizagem social que os comportamentos dependentes são exibidos porque são recompensados, foram recompensados, ou pelo menos, são percebidos pela pessoa dependente como podendo trazer recompensas. Em resumo, este modelo defende que as diferenças individuais na dependência dos adultos e crianças resulta das variações do grau pelo qual o comportamento dependente, passivo, foi reforçado pelos pais durante a infância. Nas últimas duas décadas, houve um aumento do ênfase dado ao papel dos processos cognitivos (mais que às respostas condicionadas) como mediadores dos comportamentos e traços dependentes e passivos (Abramson, Seligman e Teasdale, 1978, citados por Bornstein, 1992).
Ao ser dada uma maior importância aos processos cognitivos, a dependência tornou-se progressivamente ligada à depressão. Estes teóricos têm uma visão da dependência como um estilo cognitivo ou atribucional, segundo o qual a pessoa se percebe a si própria como impotente, desamparada e incapaz de influenciar o desenrolar dos acontecimentos de uma forma positiva.
As distorções no processamento de informação relativa às causas dos acontecimentos positivos e negativos, leva à pessoa dependente a acreditar na sua própria ineficiência, reforça a ideia de que ela precisa apoiar-se nos outros para a guiarem, e pode aumentar o risco para certas formas de depressão.
4. Epigénese da dependência
Durante os anos 40, 50 e 60 numerosos pesquisadores investigaram a relação das experiências de reforço e de alimentação infantis como uma posterior dependência. Os resultados eram mistos: alguns estudos encontraram uma relação entre as experiências infantis de alimentação e dependência posterior (Heinsteim, 1963, citado por Borstein, 1992) , mas outros não encontraram relação consistente entre estas variáveis (Sears et al, 1965, citado por Bornstein, 1992). Resultados mais consistentes vêm de estudos que avaliaram a influência do relacionamento mãe-criança sobre uma posterior dependência e examinaram as diferenças dos estilos parentais nos pais de crianças dependentes e não-dependentes. Segundo Bornstein (1992), existe um grande número de estudos demonstrando uma associação entre uma super-protecção parental com um aumento da dependência em crianças, adolescentes e adultos; enquanto que outros estudos demonstram que um estilo parental autoritário será predictivo de uma posterior dependência. O facto de estes estudos serem transculturais (amostras de americanos, indianos e ingleses) e transmetodológicos dá uma maior consistência aos resultados observados, relacionando o estilo parental com a dependência, o que atesta a robustez e a fiabilidade destes dados.
A ligação entre a super-protecção e autoritarismo parentais com o desenvolvimento de traços de personalidade dependentes, está relacionado com o facto destes estilos parentais servirem simultaneamente para reforçar comportamentos dependentes nas crianças, de ambos o sexos, e para evitar que a criança desenvolva comportamentos autónomos e independentes. Os pais não permitem a uma criança envolver-se em formas de aprendizagem de tentativas e erros, que está relacionada com o desenvolvimento de uma forma de independência durante a infância.
Além disso, a epigénese da dependência evidencia uma relação entre o comportamentos dos pais e a dependência dos filhos, sendo um processo sinergético, caracterizado por uma mútua influência e reforço recíproco.
5. Dependência: variáveis interpessoais
Neste capítulo iremos citar alguns estudos que avaliam os efeitos da dependência no comportamento social. Como a pessoa dependente está, segundo Masling (1986) e Millon (1981) citados por Bornstein (1992), altamente motivada para agradar os outros, no sentido de obter apoio, a dependência deverá ser associada com a sugestionabilidade, condescendência e submissão para com as expectativas, pedidos e desejos dos outros.
Os sujeitos dependentes são também, por hipótese, pessoas que se sentem desamparadas e precisam de orientação e apoio dos outros, devendo mostrar elevados níveis de comportamentos de procura de ajuda. Se obter o apoio dos outros é importante para a pessoa dependente, a dependência deverá estar associada com a sensibilidade a aspectos inter-pessoais. Tendo em conta que a pessoa dependente é capaz de inferir precisamente as atitudes, crenças e sentimentos dos outros, ela estará mais apta a obter o apoio que deseja.
No estudo feito por Overholser (1992), que pretendia comprovar que a perda de um amigo próximo ou membro de família (perda social) provocaria efeitos depressivos mais severos em pessoas com elevados níveis de dependência; este baseou-se na premissa de que a dependência envolve uma tendência para perceber os eventos inter-pessoais de uma forma mais stressante (Mongrain e Zuroff, 1989). Elevados níveis de dependência interpessoal podem salientar os acontecimentos sociais, tendo estes um impacto mais forte no estado emocional da pessoa.
Um outro estudo realizado por Haaga, Fine, Terrill, Stuart e Beck (1995), procurou estabelecer uma relação entre os deficits de resolução de problemas sociais, dependência e sintomas depressivos. Os resultados desta investigação indicaram que as capacidades relacionadas com a resolução de problemas (ou seja, gerar múltiplas alternativas, avaliar os prós e contras antes de decidir) não estavam relacionadas com a dependência. No entanto, em relação à orientação do problema (uma atitude construtiva acerca dos problemas envolvendo uma visão destes como um desafio resolúvel) foi encontrada uma correlação negativa com a dependência e a severidade dos sintomas depressivos e ansiosos.
Assim, esclarece-se que os sujeitos dependentes têm maior dificuldade em adoptar uma atitude face aos problemas sociais, embora tenham capacidades para gerar alterativas.
Zuroff, Stotland, Sweetman, Craig e Koestner em 1995, investigaram alguns aspectos das interacções sociais nos sujeitos dependentes; chegaram à conclusão que a dependência estaria directamente ligada a um elevado número de interacções sociais, a interacções com maior intimidade e a humor disfórico. Deste modo, os autores evidenciam que os sujeitos mais dependentes interagem com maior frequência e intensidade.
Alguns estudos desenvolvem a ideia de que os indivíduos dependentes têm maior necessidade de obter um feed-back referente à sua execução numa experiência psicológica típica (Juni, 1981, citado por Bornsteim, 1992). Assim, estes resultados são consistentes com a hipótese de que os sujeitos dependentes têm maiores níveis de ansiedade de realização do que os não-dependentes, pelo menos num aspecto: obter o feed-back acerca da sua execução numa experiência psicológica pode ser uma forma da pessoa dependente minimizar a ansiedade associada com o facto de estar a ser avaliada por uma figura de autoridade.
6. A Personalidade do dependente
De acordo com Pincus e Gurtman (1995) há evidências que indicam que o conceito de dependência vai além do domínio inter-pessoal; nesse sentido, há características e traços que são consistentes no eixo temporal e contextual (Mongrain, 1993) que nos levam a admitir haver aspectos referentes à personalidade que são comuns aos sujeitos dependentes.
Dois estudos independentes (Pincus e Gurtman, 1995; Mongrain, 1993), descriminaram a personalidade de sujeitos dependentes de acordo com o modelo dos cinco factores (modelo de personalidade criado por Costa e McCrae que dispunha os traços de personalidade em 5 factores, a saber: neuroticismo, extroversão, abertura, afabilidade (agreableness) e conscienciosidade (conscientiousness)). Compilámos os dados inteiramente concordantes destes dois autores na seguinte tabela:
Correlações entre dependência e os cinco factores de personalidade
Cinco Factores Correlação
Neuroticismo Positiva (p<0,001)
Extroversão Não significativa
Abertura Não significativa
Afabilidade Positiva (p<0,05)
Conscienciosidade Negativa (p<0,05)
Assim, os resultados de ambos os estudos, realçam que os sujeitos dependentes exibem traços de neuroticismo e de afabilidade, enquanto parecem não evidenciar serem conscienciosos. A análise de sub-factores permitiu ainda afirmar que os sujeitos dependentes apresentam uma correlação significativamente positiva com traços de ansiedade, depressão, impulsividade, vulnerabilidade, vivacidade, sentido gregário; assim como correlações negativas com características como a abertura a novas acções e a abertura a novas ideias.
Outros modelos permitiram identificar clusters ou faces da dependência (Pincus e Gurtman, 1995) através de uma análise estrutural. Pincus e Gurtman (1995), usando o modelo do circum-interpessoal (determina pontos num círculo dividido em oitavos que representariam características do relacionamento interpessoal, como a dominância, a extroversão, a arrogância, a frieza, assim como os opostos -antónimos- dos já citados), identificaram três faces da dependência: dependência submissa, dependência explorável e dependência de amor. Numa segunda fase do trabalho, os autores cruzaram os dados relativos aos três grupos de dependência com os cinco factores de personalidade. Os resultados deste cruzamento de dados, revelaram que os três aspectos da dependência interpessoal exibem diferentes relações com neuroticismo, conscienciosidade e abertura. Assim, a dependência submissa seria caracterizada por valores mais baixos de conscienciosidade e abertura e valores mais elevados de neuroticismo, do que os outros tipo de dependência. Os indivíduos com um tipo de dependência explorável seriam também pouco conscienciosos e abertos, mas com uma propensão para neuroticismo quase tão elevada como os dependentes submissos. A dependência de amor seria aquela que menos variações obteria nos três traços de personalidade, ou seja, tem menos neuroticismo e mais conscienciosidade e abertura que os outros dois tipos de dependência, embora o neuroticismo seja o traço dominante.
7. Dependência e outras patologias
Existem outros problemas comummente apresentados com o Transtorno Dependente de Personalidade que incluem queixas somáticas, variando desde sintomas conversivos até hipocondria e transtorno de somatização. Segundo Greenberg e Dattore (1981, citados por Beck, 1993), constatou-se que os homens que desenvolviam um transtorno físico (cancro, tumores benignos, hipertensão ou úlceras gastro-intestinais) tinham níveis pré-mórbidos significativamente mais elevados em escalas do MMPI relacionadas com a dependência, do que os homens que permaneciam bem por um período de 10 anos. Greenberg e Bornstein (1988a) concluem que um indivíduo com orientação de personalidade dependente encontra-se nitidamente em maior risco para uma variedade de transtornos físicos, do que pre-dispostos a exibir um tipo de sintoma em particular (p. 132). Além disso, eles concluem que as pessoas dependentes tendem mais a ver os seus problemas em termos somáticos do que psicológicos, são mais propensos a buscar ajuda profissional para os seus problemas, tendem a buscar ajuda mais precocemente e seguem o tratamento mais conscienciosamente do que as pessoas independentes.
O alcoolismo e o abuso de outras substâncias psicoactivas são problemas frequentemente apresentados por indivíduos dependentes, pois estas substâncias são muitas vezes vistas como um modo fácil e passivo de lidar com os seus problemas, ou pelo menos, de fugir deles (Beck, 1993). Segundo Greenberg e Bornstein (1988b) um indivíduo com orientação de personalidade dependente encontra-se em risco para variadas condições psicopatológicas, inclusivé depressão, alcoolismo, obesidade e dependência do tabaco.
Vamos agora descrever as relações entre o transtorno de personalidade dependente e algumas patologias referidas nos estudos que consultámos.
7.1-Dependência e cancro
Uma série de estudos realizados sugerem que a dependência, perda do objecto e depressão são muitas vezes precursores do desenvolvimento de carcinomas. É também sabido que os sentimentos de helplessness e hopelessness seguem o início da doença, assim como a precedem. Na sua pesquisa, Bahnson (1966, citado por Greenberg e Bornstein, 1988a) sugere que pelo menos dois factores de persoalidade podem estar envolvidos para o aumento do risco de cancro: 1) exagerada necessidade de dependência; 2) dificuldade em resolver com sucesso a fase de separação-individualização do desenvolvimento infantil, resultando num esforço continuado durante a adultez para recuperar os sentimentos infantis de simbiose com a mãe.
7.2-Dependência, úlceras e outros sintomas relacionados com o estômago
De acordo com o trabalho de Alexander, os pacientes com sintomas relacionados com o estômago, especiamente úlceras, foram frequentemente conceptualizados como um grupo que está a lutar com conflitos relacionados com passividade e dependência. A hipótese de Alexander é que as úlceras gástricas resultam de desejos orais passivos reprimidos que mantêm o estômago num estado sempre pronto a receber comida. Especulou que o desejo oral-dependente de ser continuamente alimentado indirectamente produz úlceras, uma vez que o constante estado de prontidão para a alimentação resulta numa secreção gástrica excessiva que irá danificar o tecido do estômago (citado por Greenberg e Bornstein, 1988a). Luborsky e Auerbash (1969, citados por Greenberg e Bornstein, 1988a) utilizaram uma forma diferente de estudar a relação entre sintomas no estômago e a necessidade de dependência. Eles utilizaram dados recolhidos durante sessões de psicoterapia para analisar as verbalizações de pacientes com úlcera gástrica, imediatamente antes de uma exacerbação dos sintomas no estômago, e o conteúdo das verbalizações que não eram seguidas por estes sintomas. Os períodos de dores no estômago eram mais vezes precedidos por temas de perda de reforços e helplessness. Uma subsequente análise por computador do conteúdo do discurso dos pacientes, confirmou que palavras relacionadas com dependência ocorriam significativamente mais vezes antes de períodos de dor.
Greenberg e Bornstein (1988a) concluem que as pessoas dependentes estão mais aptas a ver os seus problemas em termos somáticos do que psicológicos, e mais facilmente procuram soluções numa perspectiva médica do que psicoterapêutica.
8. Dependência e comportamentos aditivos
As relações entre a dependência e os comportamentos adictivos foram amplamente investigadas tendo como base o modelo psicanalítico que, como já referimos, relaciona a dependência com problemas na fase oral do desenvolvimento psicossexual. Não obstante, foram realizados vários estudos que pretendiam relacionar a dependência com o consumo de heroína e outras substâncias não directamente relacionadas com a boca; os resultados destes estudos não foram consistentes nem conclusivos. Enquanto isso, os estudos que pretendiam relacionar a dependência com comportamentos aditivos directamente relacionados com a boca (p.e., bulimia, alcoolismo, obesidade, consumo de tabaco) obtiveram resultados significativos.
8.1-Dependêcia e alcoolismo
English e Finch em 1954, postulam uma relação entre os factores de personalidade dependente e a presença ou risco para o alcoolismo. Esta asserção deriva de uma variedade de fontes; por exemplo, dados antropológicos sugerem que o consumo de álcool e a embriaguez diminuem em culturas que dão ênfase à satisfação das necessidades de dependência na infância, segundo Bacon, Berry e Child (1965), citados por Greenberg e Borntein (1988b). Existem evidências adicionais para uma ligação do alcoolismo à dependência, provenientes de estudos em que os alcoólicos montraram utilizar soluções do tipo dependente em grande grau. Um estudo conduzido por Bertrand e Maslin (1969), citado por Greenberg e Bornstein (1988b), usando amostras de alcoólicos e não alcoólicos, mostra que os alcoólicos têm maior número de respostas oral-dependentes no Rorschach.
Num outro estudo, Trocme (1989) discute, numa perspectiva psicanalítica, os problemas encontrados pelo pessoal médico tratando um paciente alcoólico. Estes problemas estão relacionados com dependência psicológica do alcoólico e com o evitamento de todas as relações objectais. A sua fixação à fase oral do desenvolvimento psicossexual e a sua relação disfuncional de dependência infantil à mãe, estabelece um padrão de dependência repetido com a esposa do alcoólico e depois com o pessoal de saúde nas clínicas.
8.2-Dependência, obesidade e distúrbios alimentares
Bruch (1961), citada por Greenberg e Bornstein (1988b), sugere que a sobre-alimentação patológica preenche simultaneamente dois objectivos: representa a tentativa do indivíduo para realcançar a segurança da relação mãe-criança na qual os impulsos orais são prontamente gratificados, e ao mesmo tempo, através das sensações físicas produzidas servem para reforçar os laços entre o indivíduo e corpo. Em resumo, a teoria psicanalítica sugere que a comida funciona como um modo de gratificação inconsciente das necessidades de dependência infantil.
Duas investigações (Tisdale, Pendelton e Marler, 1990; Wonderlich, Swift, Slotnick e Goodman, 1990, citadas por Bornstein, 1995) mostraram resultados altamente consistentes, demonstrando que existe uma correlação positiva significativa entre a severidade dos sintoma do distúrbio alimentar e a personalidade dependente, numa amostra feminina.
8.3-Dependência e consumo de tabaco
De um modo geral, os investigadores têm obtido uma correlação positiva entre dependência e consumo de tabaco. Existe uma diferença significativa na depedência oral emergente entre grandes fumadores e fumadores ocasionais, sendo os primeiros normalmete mais dependentes (Jacobs et al, 1965, citado por Greenberg e Bornstein, 1988b). Para além disso, padrões conflituosos de lidar com problemas familiares e descrições da mãe como fria, áustera e exigente estão similarmente associados com um aumento da frequência do consumo de tabaco, segundo Jacobs et al (1971, citados por Greenberg e Borstein, 1988b).
8.4-Dependência e Toxicodependência
Embora a maioria dos resultados dos estudos realizados no sentido de estabelecer uma relação entre a dependência e o consumo de drogas sejam pouco conclusivos, encontramos alguns trabalhos cujas conclusões apontam no sentido da confirmação dessa relação.
Por exemplo, Flavigny (1989) atribui a adicção de drogas durante a adolescência a uma dependência, tanto de substâncias como de pessoas, mais do que como uma forma de afirmação de identidade. Para este autor, há aspectos característicos dos comportamentos aditivos que incluem: repetição compulsiva, extrema sensibilidade a acontecimentos externos, especialmente de natureza afectiva; dificuldades nas relações objectais; dificuldades narcísicas, agindo mais do que verbalizando; somatização; confrontações perigosas com a morte; história de interacções precoces disfuncionais; falha em relacionar-se com os adultos que tomam conta deles.
Consideramos que a maior parte destes aspectos, que se relacionam com os comportamentos adictivos, são também característicos de pessoas com personalidade dependente.
Num outro estudo, Hosen (1993) levanta a hipótese de que as decisões humanas envolvem estratégias para obter a preponderância de momentos de prazer sobre os de desprazer. Assim, a felicidade e o bem-estar psicológico podem ser conceptualizados por níveis sustentáveis de prazer superiores aos de desconforto. A adicção e a dependência podem ser vistas como estratégias para adquirir prazer, embora sendo vistas pelas leis da biologia e da psicologia como trazendo muitos custos.
Numerosos investigadores avaliaram a prevelência do distúrbio de consumo de substâncias (álcool, opiáceos, cocaína e poli-substâncias) em amostras do sujeitos com diagnósticos de transtorno de personalidade dependente. Os resultados mostram que 3 a 10% dos indivíduos sofrendo de distúrbio de personalidade dependente apresentam comorbilidade com o abuso de substâncias.
Podemos dizer, no entanto, que outros distúrbios de personalidade (antissocial, narcísico, histriónico e borderline) apresentavam maiores taxas de comorbilidade com o abuso de substâncias (Calsyn e Saxon,1990; Craig et al., 1982; Marsh et al., 1988; Nace, 1991; Rounsaville et al., 1980; Zimmerman e Coryell,1989; citados por Bornstein, 1995).
No nosso entender, e de acordo com a análise dos estudos empíricos, parece existir de facto uma ligação entre a orientação de personalidade dependente e o risco para variadas formas psicopatológicas. Tal relação não nos permite inferir sobre aspectos causais, visto que os estudos têm sido inconclusivos nesta matéria. Apesar disso, consideramos que existe uma forte ligação conceptual entre a dependência e um certo estilo de vida que pode levar à doença.
9. Conclusão
De início estabelecemos como objectivos deste trabalho aprender algo mais sobre a dependência, no que diz respeito ao seu conceito, ou seja, saber até que ponto implica ser-se dependente, até que ponto a dependência é um comportamento aditivo.
Neste momento sentimos que expandimos os nossos conhecimentos para uma realidade a que não se tem dado grande ênfase.
À medida que fomos adquirindo mais dados acerca do assunto, começamos a orientar o nosso estudo, no sentido de investigar até que ponto um indivíduo com personalidade dependente (no sentido interpessoal) estará também mais propenso a criar comportamentos adictivos com substâncias.
Chegámos à conclusão que para certos tipos de comportamentos adictivos, a personalidade dependente é um factor de risco. Além disso, parece-nos claro que existem semelhanças na epigénese da personalidade dependente com o desenvolvimento de comportametos adictivos.
Tais conclusões, permitem-nos elaborar várias questões e hipóteses para futuras investigações, como por exemplo; será que os dependentes de heroína, que mais ajuda pedem, são aqueles que mais dependência revelam?; será que a formulação psicanalítica em relação à dependência é heurística?; será que um indivíduo dependente, que depare com dificuldades de relacionamento social, recorre aos comportamentos adictivos como forma de lidar com a situação?; será que os indivíduos que obtêm sucesso em terapias aos comportamentos adictivos são menos dependentes do que aqueles que falham?
Numa perspectiva clínica, as características da personalidade dependente são claramente uma faca de dois gumes, colocando os indivíduos num risco aumentado para algumas condições patológicas, mas também levando-os a identificar e procurar ajuda para os problemas mais cedo que as pessoas independentes (Greenberg e Bornstein, 1988a). No entanto, estes sujeitos em terapia apresentam algumas dificuldades para os técnicos. Como refere Hill (1970, citado por Beck, 1993): O paciente sente-se encorajado por ter alguém novo a demonstrar interesse por ele, satisfazendo as suas necessidades de dependência e oferecendo uma vida mais compensadora...Invariavelmente, cada paciente apresenta um recuo quando percebe que a terapia não é uma experiência passiva. Assim, o desafio de trabalhar com o transtorno de personalidade dependente consiste em ajudar o cliente a superar a dependência do terapeuta, e encorajá-lo a mover-se em direcção à autonomia do terapeuta e de outras pessoas significativas.
Deste modo, consideramos que a promoção da autonomia, como oposição à dependência, deve ser considerada uma forma de prevenção primária, não só para problemas psicológicos, como para comportamentos adictivos.
No que diz respeito à realização do trabalho de recolha bibliográfica, sentimos grande dificuldade em diversificar as correntes psicológicas que investigaram a dependência, visto que a grande maioria dos estudos sobre este assunto se baseavam em constructos psicanalíticos. Não obstante, as investigações cognitivo-comportamentais (modelo de Aprendizagem social) nos últimos anos desenvolveram este tema de forma a terem formalizado um modelo de aplicação investigacional e terapêutica com bons resultados práticos.
Apesar dessas naturais dificuldades, o prazer de realizar este trabalho culminou com a simpática e pronta colaboração do Professor Robert Bornstein, que sendo um dos investigadores mais ligados a esta área de investigação, teve a fineza de nos enviar alguns dos seus trabalhos mais relevantes, sem os quais este estudo estaria certamente empobrecido.
10. Bibliografia
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