A Bruxa

 

 

 

 

Era uma vez um lugar muito, muito bonito, a beira de um rio muito, muito grande chamado rio Madeira. Este lugar fica perto de uma cachoeira, perto de uma igreja, perto de um cemitério. Logo você sente a beleza o mistério e a magia deste lugar. Sem contar que ao longo deste trecho do rio passa a ferrovia do diabo, aonde conta-se que para cada dormente um operário caiu morto durante a sua construção.

O  sol  começa  a se pôr, se  alinha  com  o  horizonte espalhando  raios coloridos de luz por sobre a velha  Igreja  de Santo  Antônio, aonde  tudo começou, a cidade de Porto  Velho  e  a história  que poucos já tiveram a oportunidade de ouvir e a qual os que ouviram nunca mais foram os mesmos.

Foi neste lugar lindo e misterioso que eu uma vez encontrei um velho em Porto Velho. Sentado a beira do rio e contando uma estória para umas crianças. Um velho de cabelos grisalhos e pele morena bem característica da região, um tom de voz de contador de estória, daqueles que fascinam os ouvintes. Tendo em vista a atenção das criança para com o velho. Logo sentei-me para ouvi-lo.

Após umas duas estórias de pescadores e botos, uma menina levantou-se e pediu :

- Vô conta a história da bruxa !

O velho sorriu e acendeu seus olhos, olhou o rio e fitou o passado. Era como se nós não estivéssemos ali e por um breve momento ele não estava lá. Então ele suspirou, retornou seu olhar as pessoas, retornou ao presente, pegou uma das  crianças  no colo e disse :

- Vocês acreditam em bruxas ? Em amor ? Em magia ? Em sonhos ? Acreditam ?

 As crianças apenas sorriem e eu me sinto uma delas, sorrindo.

- Um  dia vocês saberão, com certeza, afinal todos descobrimos  um pouco de cada, um dia em nossas vidas. - Fala o velho um pouco melancólico - nasci nesta  cidade  e aqui fui criado e nunca me cansei de  admirar  a beleza deste  lugar, sempre senti um  certo  ar  de  misticismo escondido por trás dessa beleza toda.

O velho volta a fitar o passado, como se nós fossemos invisíveis e diz, apontando na direção de uma velha mangueira :

- Vocês já viram esta mangueira numa noite de lua cheia ?

E antes que alguém respondesse ele mesmo respondeu :

- Eu já vi ! E foi uma das noites mais lindas da minha vida. Parecia que a mangueira estava envolta por uma nuvem de magia, mistério, como normalmente as coisas parecem em noites de lua cheia, pois, mesmo estando tudo iluminado você não vê com nitidez e a noite se enche de sombras. Mas este lugar dava uma pitada maior de mistério, de suspense. Não eram só a falta de nitidez nem as sombras mas a história me dava um friozinho na barriga, arrepios. Vocês vêem aquela ilha ali ?

Diz o velho apontando uma ilhota no meio do rio.

- Ali funcionava um presidio, há muito tempo, conta-se que muitos presos tentavam escapar e eram puxados pela corredeira da cachoeira de Santo Antônio e morriam afogados. Aqui perto fica o cemitério da candelária, onde os mortos na construção da Ferrovia do Diabo, eram enterrados. E os trilhos passam logo ali atrás. Diz a lenda que para cada dormente nos trilhos, morreu um operário na construção da ferrovia, de malária, fome, mortos por índios, engolidos pela floresta. E logo ali atrás fica o cemitério de Santo Antônio.

Realmente a beleza do lugar esconde tantas mortes, aquela paz e tranqüilidade das quedas d’água não revelam o inferno que assolou os desbravadores. E continuou o velho :

- Quando  eu era da idade de vocês meu pai sempre me  trazia  aqui para  pescar, principalmente  quando  o rio  secava  e  os  peixes abundavam, tentando subir a cachoeira. Os  olhos do velho novamente se voltaram para as  águas da cachoeira e mergulharam no passado.

- Numa noite, numa linda noite de lua cheia nós saímos para pescar, eu, meu pai, meu irmão e alguns amigos.

Uma  lágrima  passa despercebida pelo rosto  do  velho, interrompida pelo dedo.

- O  rio  havia  secado como nunca, era uma seca  recorde, e  a  lua parecia  que ia explodir de tão grande. Quando chegamos  aqui  não era  preciso nem lanterna para ver. Eu e meu irmão  corremos  para ver  o  rio enquanto meu pai descarregava o carro  e  colocava  a voadeira  (lancha, na  região) na  água. Este  lugar  parecia  estar vivo, respirando  me  acolhendo. Eu sempre sentia que  algo  mudava dentro  de mim quando eu vinha aqui, eu sentia uma excitação,  uma emoção  diferente. Mas nesse dia nem podia descrever,  aquele  rio escuro despertava minha imaginação mexia comigo.

Os olhos do velho brilharam.

- Saímos na voadeira e fomos até a ilha, circundando a  cachoeira. Ao chegarmos  perto de uma enseada desligamos o motor e fomos  remando para  não espantar os peixes que se encontravam na  enseada  pois nós a os cercaríamos com uma rede. Quando nos aproximávamos  vimos um  casal de  botos cor-de-rosa  em  acasalamento, eles  pareciam dançar enquanto rolavam para que ambos pudessem respirar. Poderíamos ver muito bem devido a lua, foi uma das cenas mais bonitas que já vi, a  pele rosa ficava azulada aonde o faixo da lua que refletia  na água e os tocava, realmente aquele era um dia especial.

Nisso  alguns  pais  chegaram para  ver  o  que  as crianças  estavam fazendo. E os que chegavam logo escutavam  um  breve resumo dos que já haviam chegado a mais tempo. O velho nem percebia o que acontecia  a  sua  volta, apenas relatava o que seus  olhos  viam  no passado.

- Ao  passarmos por um lado da ilha pude ver uma  fogueira  alguém mais tinha saído para pescar. Pegamos muitos peixes, muitos  mesmo tantos que nem cabiam os peixes e nós no barco. Uns saíam no barco com  uma ponta da rede enquanto outros ficavam em  terra  com  a outra  ponta, o barco fazia um círculo e voltava  para  terra, onde puxávamos  a  rede  com os peixes. Era  uma  festa, peixes  pulando sombras  vivas correndo como crianças para pegar os peixes sob  a lua. Depois  de  tanto exercício com a pescaria, a esposa de  um  dos amigos   preparou   uma   deliciosa caldeirada   da   qual   nos fartamos. Comemos, conversamos  e chegou a hora de irmos, só que  não podíamos ir todos de uma vez devido a quantidade de  peixes, então uma parte  iria na frente com os peixes e o  resto  esperaria  o barco  voltar. Meu pai que pilotava a voadeira tinha  que  ir, meu irmão foi junto e eu quis ficar para explorar a ilha. Conversei  um pouco mais com os que ficaram, escutei estórias  de botos que viravam homens, cobras que devoravam pessoas inteiras  e peixes  que arrastavam canoas presos pelo anzol, sempre fui  muito cético  e  sempre procurei achar explicação para tais  lendas  ou dava  pouca atenção. Aos poucos o tempo passou,  eles  foram  se encostando  e como meu pai não chegava desconfiamos que  o  motor havia  quebrado. Sai para explorar a ilha peguei um garfo  com  um cabo grande que havia sido usado no preparo da caldeirada e sai , sempre  fui muito medroso, não que eu temesse fantasmas e  botos afinal eu não acreditava, mas a noite as moitas formavam sombras e eu  imaginava mil bichos atrás delas. Comecei a percorrer  a  ilha apesar do medo. Conforme eu me adentrava comecei a  escutar  sons como cantos , eu apesar de não conseguir identificar  o  que  era imaginei  que  viessem da fogueira  que  havíamos  visto. Procurei seguir os sons para ver do que se tratava. Cheguei num lugar aonde o mato era mais alto do que eu e escutei algo se mexer ao meu lado, rodei o garfo e bati no mato, na hora um monte de andorinhas que tinham escolhido aquele lugar para dormir, voaram, todas menos uma, o garfo a atingira na cabeça. Fiquei zangado comigo mesmo, meu medo custara a vida da pobre andorinha.

- Vô e a bruxa ?

- Calma minha pequena tudo a sua hora.

Nisso  já começava a escurecer,  mas  ninguém  parecia interessado em sair.

- Peguei  a andorinha e fui ver se achava a pessoas  que  entoavam aquele canto  estranho. Atravessei o mato e cheguei no  local  da fogueira, haviam pessoas com os rostos pintados, pulando e catando em meio as brumas, só que não era uma canção, não eram palavras que saiam de suas bocas, eram apenas sons que se combinavam sempre  de maneira  diferente,  nem sempre no  mesmo  ritmo  ora  acelerado agressivo, ora  calmo  suave, sua dança também não obedecia  a  uma coreografia  eles  apenas se movimentavam cada um de  uma  forma. Achei tudo muito estranho fiquei com vontade de ir embora ,  quem seriam  aqueles  malucos ? Pensei comigo, ou falei não lembro ao certo. Foi quanto uma voz por trás de mim disse - São bruxas ! -  Me virei e lá estava a garota mais linda que eu já tinha  visto, fiquei meio gago, seus olhos tinham um brilho, um algo magnético.

 

 

Continua

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